A oposição a Bolsonaro cresce nas ruas e nas lutas sociais
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- Fernando Silva
- 18/06/2019
O 14 de junho foi um dia vitorioso. Embora a greve geral em si tenha sido parcial, a totalidade do dia foi marcada pela combinação de greves, atos massivos, passeatas e bloqueios, desde as primeiras horas da manhã. Foi um dia amplo de protestos e protagonismo de inúmeros setores sociais, a combinar diversas pautas que vão aumentando a oposição ao governo nas ruas.
Houve forte paralisação principalmente nos transportes e servidores públicos, com destaque para a educação. Transportes (ainda que parcialmente) e educação tiveram paralisações em praticamente todos os estados da Federação e Distrito Federal, segundo levantamento do próprio G1, da Globo. Segundo o mesmo levantamento, houve paralisação expressiva dos bancários em 11 capitais do país. Também houve greve expressiva em petroleiros, portuários e metalúrgicos (todas as montadoras do ABC pararam).
Nas passeatas e atos houve muita presença da juventude que aderiu aos protestos em escolas e universidades; o MTST cumpriu um protagonismo importante na região metropolitana de São Paulo com bloqueios de vias e estradas e em menor medida em algumas outras cidades.
Os atos de final de tarde na média foram muito expressivos, alguns muito massivos, considerando que era um dia de greves e dificuldade de mobilidade. Foram atos muitos maiores do que no dia da greve geral de 2017, embora enquanto greve geral a de 2017 foi superior. Entre outras razões, porque em 2017 houve maior unidade das centrais contra a reforma trabalhista e previdenciária, ao contrário deste ano, quando centrais mais moderadas e de tradição pelega, como a UGT, recuaram nas vésperas, o que contribuiu, por exemplo, para retirar os trens e ônibus da greve na região metropolitana de São Paulo. Possivelmente, tal gesto reflete a posição de algumas centrais em negociar a reforma da Previdência e de se sentirem um tanto contempladas pelo relatório apresentado pelo “Centrão” na Comissão de Constituição e Justiça na Câmara dos Deputados, um dia antes da greve.
Também vale destacar que tal como o 15M e o 30M, a capilaridade das manifestações do dia 14 foi muito ampla, não se restringindo às capitais, mas ocorrendo novamente em centenas de cidades. Segundo a CUT, houve greve e protestos em 385 cidades; o portal G1 registrou oficialmente mais de 200 cidades do país. É bastante expressivo.
Mas, independentemente, dos números mais exatos podemos com segurança afirmar que o 14 de junho se insere na curva ascendente da resistência social e popular ao governo e suas políticas. As lutas sociais têm protagonismo. Esse movimento de massas ainda não unificado, multifacetado, mas com diversos atores da nossa classe está em ascensão e incide no tabuleiro político do país.
Por exemplo, no caso da reforma da Previdência, o relatório apresentado pelo “Centrão” na CCJ em relação ao projeto original de Guedes-Bolsonaro é uma derrota parcial do governo. A retirada da capitalização é uma tremenda derrota do capital financeiro em particular. Expressão da crise do andar de cima sim, mas também expressão da crescente resistência popular. A luta e a resistência dos servidores públicos no nível dos estados e municípios também ajudam a explicar a retirada dos estados do projeto que está em discussão na comissão.
De toda forma, ainda não houve uma virada na conjuntura. Dizer que a curva da resistência é ascendente não é o mesmo que desconhecer as contradições desta conjuntura. Além do recuo de algumas centrais, também houve uma ação coordenada do Judiciário para impedir a greve em especial no setor de transportes. Ao contrário dos atos de maio, houve também um outro patamar de repressão policial sobre piquetes e bloqueios, que buscaram esvaziar a greve logo na madrugada e manhã do dia 14.
Houve dezenas de prisões de ativistas, estudantes e trabalhadores em alguns estados como Rio Grande do Sul e São Paulo. E não menos relevante é que a batalha político-ideológica contra a retirada dos direitos previdenciários não está ganha ou consolidada na maioria da população. Ainda haverá uma forte queda de braço com o governo e a direita na propaganda e nas ruas.
A crise do governo agravou-se
Em meio a mais um dia de protestos e lutas, a crise do governo e do andar de cima se agrava. Primeiro pelo relatório da Previdência, que agravou as relações entre Guedes-Rodrigo Maia e fez o presidente da Câmara voltar a elevar o tom contra o governo no mesmo dia em que ocorriam os protestos no país. Bolsonaro continua ampliando sua rede de desafetos e frituras e segue enclausurado no seu clã miliciano-olavista.
Na semana do relatório da Previdência, demitiu dois generais, o general Santos Cruz da Secretaria de Comunicação, para ficar ao lado dos filhos e do guru lunático, e o presidente dos Correios por “sindicalismo”. Não bastasse, demitiu Joaquim Levy – ou o constrangeu a demitir-se - da presidência do BNDES, uma das representações mais confiáveis do mercado financeiro. É quase incompreensível se não levarmos em conta o caráter de facção de extrema-direita radical, truculenta e ideológica que o presidente da República de verdade representa.
Enfrentado com o centrão e novamente atritado com os militares, após alguma hesitação Bolsonaro resolveu perfilar-se na defesa de Sergio Moro, pois já seria demais rifar ou brigar com todos os setores do governo que lhe dão alguma sustentação. Este último caso, o da revelação das conversas inaceitáveis entre Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, é outro fator tremendo de crise que desgasta e pode derrubar a principal "reserva moral" da direita brasileira nesses anos de reação.
Um desembarque geral de qualquer sustentação do governo, uma eventual queda de Sergio Moro ou desmoralização da Lava Jato poderia ser fatal para o bolsonarismo e o governo. E isto não está descartado, seja pelas novas revelações do The Intercept Brasil que poderão vir à tona, seja pelo enfoque bastante crítico das principais revistas do país, começando pela Veja, em relação a Sergio Moro. A hipótese de um naufrágio precoce do bolsonarismo e seu governo continua de pé.
Do 15M para cá, alguns dos principais setores burgueses e da sua mídia já não estão medindo muito as palavras e nem fazendo lá muita questão de esconder nem os escândalos (Sérgio Moro) nem os próprios protestos (Globo deu novamente ampla cobertura ao dia 14 de junho, com moderação na contrapropaganda).
Esta reação dura e até surpreendente de boa parte da mídia golpista e pró-Lava Jato para com o governo, aumenta o cenário de incertezas e a desconfiança lógica de que muitos cenários continuam abertos nos bastidores do poder. Afinal, a estagnação econômica é iminente, estamos caminhando para um patamar maior de violência social e política, Bolsonaro, embora violento e com muitos poderes, não dá conta de unificar o andar de cima (se é que se propõe a isso).
E obviamente uma saída pela direita e negociada em torno do centrão-militares-setores fundamentais do capital, do PIB e da mídia corporativa pode surgir. Basta ver que hoje Rodrigo Maia (com o aval destes setores) é quem conduz o processo de aprovação da Reforma da Previdência, apesar da “usina de crises do governo”, nas suas próprias palavras.
O movimento precisa de continuidade
Da parte do movimento e da resistência social precisamos continuar a subir o tom, ainda centrando nas reivindicações e medidas mais violentas e impopulares do governo. É fundamental o movimento prosseguir na forma de uma nova jornada, unificando pautas: previdência, educação, renúncia de Moro/fim do seu pacote antipobre. Deste ponto de vista, a realização de uma nova reunião das centrais sindicais agendada para discutir os próximos passos no próximo dia 24 é importante.
Pois continua possível obter vitórias, ainda que parciais, caso não seja possível derrotar integralmente a Reforma da Previdência (dada a unidade do “Centrão” em torno do novo projeto). É possível pelo menos impor mais recuos nessa pauta se a mobilização prosseguir.
Mas continua fazendo falta um fórum mais amplo e democrático de frente única com centrais, frentes, entidades estudantis, da educação, representações das lutas indígenas, da negritude, das mulheres, de todos que estão se colocando em movimento desde março. Pois um fórum desta amplitude poderia permitir um outro patamar de articulação das mobilizações contra Bolsonaro. E acreditamos que a Frente Povo Sem Medo pode cumprir um papel destacado para buscar esse nível de unidade, buscando também afirmar-se como a Frente de articulação e ação mais ampla e dinâmica no movimento.
Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL.
Fernando Silva
Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista