É preciso deter o colapso que se avizinha
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- Fernando Silva
- 11/03/2020
Na semana passada, os sinais já eram de agravamento da crise: números pífios do PIB, epidemia do Coronavírus desembarcando no país e uma nova convocatória explícita de Bolsonaro a manifestações golpistas.
A semana começou com expressões como pânico mundial, recessão global, "petrovírus". Foi segunda feira, 9 de março, a partir de uma combinação de nova crise do preço do petróleo e a expansão do coronavírus em escala mundial que resultou num tombo gigantesco nas bolsas de valores e sinalizaram uma nova rota de incertezas. A hipótese de um novo ciclo recessivo e um ano de extrema turbulência geopolítica entra no horizonte de curto prazo.
Não estamos num período qualquer. A fase de um capitalismo ultraliberal foi o caminho escolhido para buscar a superação definitiva da crise do sub-prime de 2008, quando o sistema financeiro nos EUA entrou em colapso.
Não ocorreu superação duradoura alguma. Pelo contrário, esta lógica sistêmica está ampliando o desastre planetário, como provam os desastres ambientais cotidianos que se espalham pelo planeta, o aumento da pobreza e da precarização do trabalho.
Mas há também uma série de grandes "bastas" populares, revoltas sociais, que já se espalhavam pelo mundo em 2019 e se expressam nestes dias na manutenção de um espetacular processo de mobilização no Chile, nas amplas e massivas manifestações do 8 de março pelo mundo.
Projeções vão às favas no Brasil, mas liberais não se emendam
Estes fatores externos, o petróleo e o Corona Vírus caíram como uma bomba no Brasil. O "crash" da bolsa brasileira na segunda feira foi o cartão de visita de um ano turbulento e instável que já se anunciava desde janeiro.
Crise institucional e crise econômica e com uma grave epidemia em meio a isso mandam às favas qualquer projeção de crescimento econômico para este ano.
Pois bem, o ultraliberal ministro Paulo Guedes acenou com uma resposta que em tese pode unificar governo, congresso e mercado: novas reformas ultraliberais, com as quais Rodrigo Maia compartilha acordo. Pelo menos foi o que expressou o momento de explosão das bolsas. Inacreditável que diante do brutal agravamento da crise social no país, não exista qualquer reflexão crítica dos setores dominantes de que será preciso ir na direção oposta para que o nosso país continental deixe de ficar à deriva na direção do abismo.
O problema é que o ultraliberais não têm qualquer apreço pela vida do povo e ao menos um semancol básico. Senão vejamos: quais são os números do país após este ciclo de reformas e reordenamento liberal radical desde 2016? 11,6 milhões de desempregados, 38,4 milhões de brasileiros na informalidade, 3,5 milhões de pessoas na fila do Bolsa Família, agravamento do número de famílias em situação de pobreza extrema, 2 milhões de brasileiros na fila do INSS em busca do direito à aposentadoria, 65% das famílias endividadas.
Mas e o deus Capital? Não veio em socorro com seus rios de investimento após as reformas? Nada disso, somente este ano, até o dia 4 de março, antes inclusive do tombo da segunda do "petrovírus", 44,8 bilhões de reais foram "sacados" do país pelo capital estrangeiro. Isto após um PIB de 1,1% em 2019 com reforma da previdência e tudo. E o que eles propõem? Mais reformas liberais, como a administrativa.
E Bolsonaro finge que não é com ele
A questão a saber é qual caminho ganhará força sob o governo de extrema-direita, incapaz de aglutinar os poderes e a classe dominante. Pela lógica das palavras de Paulo Guedes e Rodrigo Maia, seria o momento para um pacto de entendimento dos dominantes para enfrentar a crise, em que pese sua agenda econômica desastrosa.
Mas sequer é a lógica que prevalece entre os atuais poderes institucionais e setores dominantes. Bolsonaro mantém o tom provocativo na visita de capacho a Trump, dizendo que a crise não existe e arranjando tempo para afirmar que houve fraude nas eleições de 2018, sem qualquer prova, quando sabemos que em 2018 ocorreu uma massiva e grosseira manipulação eleitoral pelas fake news, tema inclusive de uma CPI no Congresso, pra não falar do suspeitíssimo financiamento empresarial de sua campanha. Este caminho só confirma a turbulência e a crise política agravando-se sob sua condução.
Não por acaso, a semana avança com maiores críticas à estratégia de Bolsonaro em buscar provocar de alguma forma uma ruptura institucional, na via de soluções autoritárias para o agravamento da crise (que ele diz ser fantasia). Mas de outro lado, também podemos colocar como um cenário possível que a manutenção deste caminho vá aumentar o isolamento político de Bolsonaro no terreno institucional, podendo, sim, ganhar força a ideia do impeachment, especialmente se ficar evidente que as projeções de algum crescimento viraram pó.
Não podemos pagar essa conta
A dramática crise, ou a soma de crises que se agravam no país (econômica, social, política, ambiental), precisa ser combatidas de um ponto de vista dos interesses da classe trabalhadora, de uma saída democrática e anti-neoliberal.
Pois tanto em caso de acordo entre os dominantes como de agravamento da crise institucional, a agenda da direita e do capital não muda para enfrentar a crise.
O protagonismo das ações de rua, de forma unitária, como foi o 8 de março (e como deverão ser o 14 e o 18 de março) são duas condições mínimas: ir às ruas, com unidade do movimento social para enfrentar a crise.
A terceira condição mínima é a apresentação, num processo de luta e resistência, de uma plataforma de emergência para enfrentar a crise, que tenha como primeira bandeira o rechaço a qualquer nova reforma liberal. Em nenhuma hipótese poderemos aceitar passivamente que a direita e o Capital busquem sair da catástrofe com mais destruição de direitos.
Obviamente será sobre as costas dos mais pobres, das mulheres, dos trabalhadores mais precarizados, da negritude, dos sem-teto, da comunidade LGBT, dos povos indígenas que as consequências desta combinação de crises dramáticas irão recair. Será sobre estes que a intolerância e a perseguição irão aumentar quando se tratar de buscar medidas mais duras para combater o aumento da crise social, que pode incluir uma crise de saúde pública sem precedentes.
No Brasil, a síntese do dramático momento continua esta: construir uma grande oposição de massas nas ruas para derrotar o bolsonarismo e a agenda liberal.
Fernando Silva
Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista