Os números e a vida
- Detalhes
- Fernando Silva
- 29/07/2008
Nas últimas semanas tornou-se público um certo debate entre o governo Lula e o alto patronato organizado na Fiesp, a respeito do aumento do superávit primário.
Por razões diferentes, Lula e Fiesp concordam em aumentar o corte nos gastos e investimentos públicos. Lula, por razões bem pragmáticas: teme que a inflação "contamine" as eleições municipais. E inflação com nova escalada nas taxas de juros, como a recente decretada pelo BC, é para lá de impopular em semestre eleitoral.
Portanto, o aumento do superávit primário, em tese, a partir do corte nos gastos, seria para ambos o remédio preferencial para controlar a inflação (pois cortes nos investimentos do Estado têm efeito de contração na economia e no consumo).
Vejam o dilema em que a manutenção da política neoliberal põe o país. Aumentar juros ou aumentar superávit primário? E nem pensar em uma mudança de rota que questione o pano de fundo dessa política, que é uma tremenda subordinação (com conseqüente remuneração) ao capital financeiro, que ganha em qualquer uma das duas opções.
Ou melhor, está ganhando nas duas, simultaneamente, pois o pior dos mundos está em andamento. Em relação aos juros, já foram identificados aumentos, em junho último, nas taxas de juros para pessoa física para financiamentos de eletrodomésticos. Os juros bancários estão nas alturas e, o mais preocupante para os trabalhadores é o crescimento na inadimplência, que atingiu a maior taxa dos últimos 15 meses.
Estrangulando a ponta social
Enquanto isso, o governo Lula e a Fiesp debatem o tamanho do estrangulamento na ponta orçamentária.
O governo federal não está para brincadeira. Até o mês de maio deste ano, o superávit primário, montante "reservado" para o pagamento dos juros da dívida pública, era de R$ 74,95 bilhões, por volta de 4,3% do PIB. A Fiesp clama por uma elevação para 5,3% do PIB. O novo e surpreendente conselheiro da política econômica neoliberal, Luis Gonzaga Belluzzo, também aconselha um aumento do superávit para 4,5% do PIB.
Não é uma discussão técnica. Não são números. Quando se debate quanto vai se cortar para honrar os compromissos com a dívida pública para o grande capital, está se decidindo qual será a extensão de sofrimentos humanos e desastres sociais. Qual será a dimensão da epidemia de dengue no próximo verão, para não citar um rosário de calamidades estruturais na saúde pública sem qualquer perspectiva de solução.
E basta ligar a questão da saúde pública a outras falhas infra-estruturais para se ter a dimensão da tragédia a que esse modelo de destruição do Estado na área social nos conduz. Por exemplo: 51,5% dos domicílios brasileiros não têm acesso à rede de esgoto. Segundo a FGV, no ritmo atual de investimentos, apenas em 2112 todos os domicílios do país estariam devidamente cobertos em termos de saneamento básico! E se é para falar em números, sabem quanto é o investimento público em saneamento, segundo o IBGE? Ridículos 0,22% do PIB! Comparem com os números que são discutidos nas esferas da classe dominante e do governo federal em relação ao que se deve reservar apenas para pagar juros da dívida pública por ano.
Campanhas socialistas e auditoria da dívida
Esta questão não pode passar à margem na disputa eleitoral, até porque é nas cidades que o drama da população se concretiza. É onde é mais precária a estrutura dos serviços públicos.
Por essa razão, muitas e autênticas campanhas socialistas, no âmbito dos partidos da frente de esquerda, que são os que não estão comprometidas com a defesa da atual política econômica vigente no país, estão apresentando a idéia de auditar a dívida pública dos municípios e suspender o pagamento de juros. Assim, seria possível, ao menos no âmbito municipal, romper com a lógica neoliberal e não enganar os trabalhadores nas eleições a respeito de onde vai sair o dinheiro para investimentos para valer em serviços públicos e sociais.
Fernando Silva, jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Eitorial da revista Debate Socialista.
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