Correio da Cidadania

Um estatuto deficiente

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Está em debate no Congresso Nacional o projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) de um Estatuto do Portador de Deficiência. Ora, a Constituição é o estatuto de todo brasileiro, inclusive a pessoa com deficiência. Um estatuto especial faria de cada deficiente um cidadão à parte. Por isso a sua aprovação é inoportuna, contraria as discussões e decisões desse segmento da população (cerca de 24 milhões de pessoas), e sua história e conquistas.

 

A idéia de um estatuto especial se justifica quando um determinado segmento da sociedade necessita de regramento jurídico específico. Foi assim com o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso. Ambos trouxeram novos paradigmas normativos, conceituais e políticos.

 

As instituições envolvidas com a questão da pessoa com deficiência adotam, como estratégia de luta contra a exclusão, a transversalidade do tema da deficiência no contexto das políticas públicas e das determinações legais. Por esta ótica, a temática tem sido inserida nas questões fundamentais da cidadania - saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social.

 

A aprovação de um estatuto específico seria um retrocesso, transformaria pessoa com deficiência em uma diferenciada categoria de cidadão brasileiro.

 

Contudo, a proposta do senador Paim provoca um fato inédito: o movimento de pessoas com deficiência, ativo na década de 80, e que depois se desarticulou, dando espaço a atividades e atitudes isoladas de ONGs, agora se une e ganha força através da luta contra o estatuto. Algumas instituições com representatividade e liderança integram o “Movimento Nacional pela Constituição e contra o Estatuto”.

 

Ressurge do susto causado pela intenção de se fazer um estatuto sem ampla e aberta discussão e participação do segmento um novo momento na luta por cidadania das pessoas com deficiência. A sociedade civil se organiza e busca atuar de forma independente para conquistar seus direitos.

 

A história da proposta do senador Paim pode ser resumida pelos seguintes fatos: Teresa Cruvinel publicou em sua coluna jornalística de 23 de setembro deste ano: “Deve ser difícil para Paim, engajado na defesa das minorias, lidar com a rejeição à proposta”. O senador reagiu: “São receios justos, devemos conversar, mudar o que não esteja claro. Mas, se apontarem um só ponto prejudicial aos deficientes, eu rasgo o Estatuto”.

 

As ONGs que atuam na área ressaltam, entre outros argumentos, estes quatro: Se aprovado, o projeto revogaria a Lei de Acessibilidade e, conseqüentemente, os prazos estabelecidos pelo seu regulamento. Determinando regulamentação futura, anularia a já existente e os prazos em curso. Como efeito imediato, os concessionários de transportes coletivos estariam desobrigados de adequá-los à utilização das pessoas com deficiência até a edição de novo decreto de regulamentação.

 

Da mesma forma, aprovado o projeto e revogada a Lei de Acessibilidade, e os prazos estabelecidos pelo seu regulamento, os entes federativos estariam desobrigados de construírem acessos aos logradouros e locais públicos, de uso coletivo da União, estados e municípios.

 

O projeto determina a intervenção obrigatória do Ministério Público em todas as ações judiciais em que figure, como parte, qualquer pessoa com deficiência, desvirtuando as atribuições do Ministério Público e incorrendo em inconstitucionalidade. Uma ação de despejo, por exemplo, envolvendo uma pessoa com deficiência totalmente capaz, passaria a exigir a intervenção do Ministério Público. A pessoa com deficiência tornar-se-ia, na prática, incapaz e obrigatoriamente tutelada pelo Estado.

 

Com a aprovação do projeto e a revogação tácita da Lei 7.853/89 - que determina a matrícula compulsória de pessoas com deficiência – e, em efeito, a perda de eficácia de parte da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, as escolas regulares ficariam desobrigadas de praticarem a política de educação inclusiva para pessoas com deficiência.

 

O PT nasceu e se elegeu com o propósito de defender os direitos dos pobres e das minorias, disposto a ouvi-los na formulação de seus projetos políticos. Seria uma lástima marcar a sua história com a aprovação de um estatuto que, além de inoportuno, é constitucionalmente deficiente. 

 

 

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Luís Fernando Veríssimo e outros, de “O desafio ético” (Garamond), entre outros livros.

 

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