Teresa de Ávila no Brasil
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- Frei Betto
- 21/01/2016
Santa Teresa de Ávila en Brasil é o título da publicação bilíngue lançada, em fins de 2015, pela embaixada da Espanha em nosso país, em parceria com a Sociedad Cultural Brasil-España.
No ano de celebração dos 500 anos de nascimento da mística espanhola, que viveu entre 1515 e 1582, os editores enriqueceram a publicação com textos de excelente qualidade assinados por Nélida Piñon, Begoña Sáez Martínez, Lúcia Pedrosa-Pádua, Dante Marcello Claramonte Gallian, María de la Concepción Piñero Valverde, Roberta Bacellar Orazem, Silvia Fernandes e as irmãs carmelitas do Rio.
Teresa marca presença no Brasil desde 1742, ao ser fundado o primeiro mosteiro de monjas carmelitas descalças, no bairro carioca da Lapa. Inspirado na comunidade que ali se abriga, surgiu o famoso Bloco das Carmelitas, que anualmente desfila na abertura e no encerramento do carnaval.
Conta a lenda que alguns foliões cobrem o rosto com um véu para que ninguém reconheça a freira que todos os anos pula o muro da clausura para se juntar aos festejos de Momo...
A obra de Teresa só ganhou tradução em nosso país a partir do início do século 20, embora edições em espanhol do século 17 já existissem em nossas bibliotecas. Em 2010, sua autobiografia, Livro da vida, mereceu cuidadosa edição da Penguin/Companhia das Letras.
O Brasil conta, hoje, com 38 comunidades de carmelitas descalças, o que comprova que a vida contemplativa feminina ainda atrai jovens dispostas a uma entrega radical à intimidade amorosa com Deus.
Teresa se faz presente na arte brasileira, inspirando poetas, romancistas e dramaturgos. Murilo Mendes, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Adélia Prado e Bruno Tolentino beberam em suas fontes místicas. Rachel de Queiroz traduziu sua autobiografia. Deonísio da Silva homenageou-a com o romance Teresa, namorada de Jesus (A Girafa, 2005), adaptado para o teatro. Marisa Marega lançou, em 2015, Mulheres ousadas para além de seu tempo (Paulinas), relato da trajetória de Santa Teresa e de sua discípula do século 20, madre Teresa de Jesus, que se destacou por sua coerência evangélica no carmelo de Juiz de Fora.
Confessam influências de Teresa os escritores Nélida Piñon, Geraldo Mello Mourão, Guimarães Rosa e Ariano Suassuna. Em 2015, o premiado texto A língua em pedaços, do dramaturgo espanhol Juan Mayorga, no qual retrata os conflitos de Teresa com a Inquisição, mereceu montagem em São Paulo e teatro lotado em todas as apresentações. E entre a vasta bibliografia divulgada no Brasil a respeito da santa coroada com o título de Doutora da Igreja, destaca-se Teresa de Ávila – Mulher – Mística – Doutora, de Otger Steggink (Loyola, 2015).
O que tem Teresa de tão especial? Por que suscita tanto fascínio sobre psicanalistas, inclusive ateus? Ora, o itinerário da monja carmelita contraria toda a lógica eclesiástica.
Suas obras – best-sellers permanentes – foram escritas em uma época em que a Igreja calava as mulheres por mantê-las analfabetas. Sua mística vence todas as suspeitas inquisitoriais de que se tratava de um caso de perturbação mental.
Sua teologia surpreende por ter sido autodidata na matéria, e detalhadamente examinada e aprovada por renomados teólogos da época.
Seu entusiasmo místico não demonstra o menor pudor em se expressar pela mesma linguagem coloquial dos amantes, indiferente ao moralismo predominante na Igreja espanhola do século 16.
Nesse sentido, não há dúvida de que Teresa merece também o título de pioneira do feminismo.
Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano” (Fontanar), entre outros livros.