Correio da Cidadania

Governo bicéfalo

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Temos agora um governo bicéfalo. A presidente Dilma, indicada por Lula, indica Lula para ocupar a Casa Civil e, assim, dividir com ela o governo do Brasil.

 

Lula e Dilma são atores políticos com estilos diferentes. Ela anda em linha reta, apressada. Ele, em curvas, cauteloso. Ele prefere negociar. Ela, que cumpram suas ordens. Ele encara a mesma proposta por diferentes óticas. Ela se apega à própria. Ele adora o cheiro de povo. Ela, mantém certa distância...

 

Temo que a canção do Ultraje a Rigor, “O monstro de duas cabeças”, se reflita na nova conjuntura. Diz a letra: “Tem uma que manda / outra obedece”.

 

Quem dará as cartas se, a respeito dos rumos do governo, Dilma e Lula têm propostas diferentes? Dilma insiste no ajuste fiscal dentro do figurino neoliberal de penalizar sobretudo os mais pobres, incluída a reforma da Previdência.

 

Lula prefere atenuar a posologia das medidas econômicas e, quem sabe, lançar mão das reservas cambiais para estimular o consumo interno e, assim, reativar a produção.

 

E se acontecer uma discordância intransponível entre os dois?

 

Eleito Lula para o primeiro mandato presidencial, um bispo insistia em ser nomeado ministro. Lula me disse: “Eu poderia nomeá-lo. Mas não demiti-lo. Demitir um bispo é criar problemas com a Igreja.”

 

“Se pelo menos elas duas concordassem”, canta o Ultraje a Rigor. Tomara que sim. Caso contrário, haverá um inusitado impasse: Dilma demitir Lula, desabrigá-lo do foro privilegiado e entregar-lhe um atestado de incompetência. Ou convencê-lo a renunciar e, portanto, levá-lo a admitir sua antinomia com os rumos que ela imprime ao governo.

 

A terceira opção não cabe em nossa Constituição: Dilma renuncia e Lula assume, de direito, o que, a partir de hoje, tentará fazer de fato.

 

 

Frei Betto é escritor, autor de “Minas do ouro” (Rocco), entre outros livros.

 

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