Correio da Cidadania

Os super-ricos ficam fora da Reforma Tributária?

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No Brasil, quem é pobre paga, proporcionalmente, mais impostos do que quem é rico. Este é o dado mais contundente de injustiça estrutural em um país que adota, em matéria de tributação, o imposto regressivo, concentrado sobre o consumo de bens e serviços. Agora, o presidente da Câmara, Arthur Lira, bolsonarista de carteirinha, insiste em deixar fora da reforma tributária os superbilionários, brasileiros que possuem fortuna superior a US$ 1 bilhão (= R$ 5 bilhões).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia anunciado que, para o governo aumentar a arrecadação, seria enviada ao Congresso proposta para tributar os fundos de investimentos exclusivos, conhecidos como “fundos dos super-ricos”. Nesse cassino financeiro só aplica dinheiro quem possuir, no mínimo, R$ 10 milhões. Atualmente, esses fundos acumulam R$ 877,4 bilhões! Eles pertencem a 3,5 mil cotistas.

Prevista pela Constituição de 1988 no inciso VII do artigo 153, a taxação de grandes fortunas nunca saiu do papel. E já se passaram 35 anos desde a aprovação. Desde 1989, mais de 40 projetos de lei foram apresentados ao Congresso para regulamentar o imposto. E tiveram como destino a gaveta...

O governo calcula que a taxação de fundos exclusivos renderia aos cofres públicos, por ano, mais R$ 10 bilhões. E tornaria o nosso sistema tributário menos regressivo e um pouco mais progressivo (quem possui mais, paga mais, especialmente sobre rendas, dividendos e patrimônio acumulado).

Qual a diferença entre aplicações bancárias normais e as dos super-ricos? A maioria dos investimentos está sujeita ao pagamento semestral do imposto de renda sobre os rendimentos. Já os fundos de investimentos exclusivos só pagam imposto no resgate de valores e de forma regressiva, ou seja, quanto mais tempo o dinheiro fica depositado no banco, menor o imposto devido. Com essa isenção tributária até o resgate, o rendimento da aplicação é integral, o que assegura ganhos muito superiores em relação a outros investimentos.

Mas os privilégios – termo que significa “lei privada”, que só vale para alguns – não cessam aí. Se o investidor sacar parte do dinheiro sem classificar como resgate, fica isento de pagar imposto. Outra vantagem é a isenção de cobrança para movimentações do dinheiro dentro do fundo, caso desista de determinada aplicação e decida migrar para outra ou ao comprar e vender ativos sem incidência de tributos. E essa bolada ainda tem uma cereja de ouro a ser exibida no topo: em mais uma manobra para adiar o pagamento do imposto de renda, as cotas dos fundos também podem ser repassadas a descendentes.

Vamos traduzir em miúdos. Os super-ricos pagam 5% de alíquota efetiva de imposto sobre sua renda e têm quase R$ 7 em cada R$ 10 da sua renda anual isenta de tributação. O 0,01% mais rico da população detém cerca de 20% da renda total do grupo. Neste grupo, a isenção pode atingir 90% da renda pessoal.

A reforma tributária só será efetiva e promotora de justiça fiscal se adotar medidas básicas como:

1) anular a maior parte dos 600 bilhões de reais de subsídios concedidos para empresas, praticamente sem transparência alguma;

2) simplificar o sistema, unificando taxas;

3) reduzir os impostos indiretos sobre consumo;

4) diminuir o imposto de renda para os mais pobres;

5) aumentar significativamente o imposto de renda para os mais ricos, inclusive com a taxação das grandes fortunas;

6) aprimorar o sistema de cobrança para inibir a evasão fiscal.

A EBC (Empresa Brasil de Comunicação), em mãos do governo federal, deveria fazer ampla campanha de justiça tributária. Mostrar, para toda a nação, as injustiças decorrentes dos privilégios dos beneficiários de isenções fiscais; como será aplicado o volume maior de dinheiro a ser arrecadado a partir da reforma; quem são os brasileiros com fortunas em paraísos fiscais.

A Receita Federal divulga anualmente os “Grandes Números do Imposto da Renda Pessoa Física”, uma precisa radiografia do topo da distribuição de renda no país. Estamos falando de 2.342 pessoas em 2021, com renda anual variando entre R$ 20 milhões e R$ 22 bilhões por ano. As rendas não tributáveis e aquelas sujeitas à tributação exclusiva representam 95% dos rendimentos desse 0,01% mais rico do Brasil.

O patrimônio declarado desse grupo soma R$ 2,33 trilhões. Lucros e dividendos declarados somaram, em 2021, R$ 555,7 bilhões. Deste total, R$ 411 bilhões ficaram nas mãos do 1% mais rico, e R$ 117 bilhões com 0,01% no topo, ou seja, com as 2.342 pessoas super-ricas. Como nem todo patrimônio tem valor de mercado atualizado, esses dados estão provavelmente subestimados.

A única maneira de inibir o “trator da isenção” deste Congresso majoritariamente fisiológico e direitista, é escancarar para o público a real situação tributária do Brasil: um paraíso fiscal para os ricos, um inferno de impostos para pobres e classe média.

E no mundo, quais são os dados? Como nosso planeta é, hoje, dominado pelo capitalismo, onde o dinheiro fala mais alto que os direitos humanos, a Oxfam denuncia que 1% das pessoas mais ricas acumula o dobro das riquezas do restante da população mundial. A Oxfam sugere a implementação de um imposto de até 5% sobre fortunas de multimilionários e bilionários, o que resultaria em ao menos 1,7 trilhão de euros (R$ 8,6 trilhões) anuais – o suficiente para tirar 2 bilhões de pessoas da pobreza. Além disso, quer introduzir impostos solidários e taxas sobre lucros excessivos.

Nos últimos dois anos, 2/3 de todas as novas riquezas geradas no mundo – o equivalente a 42 trilhões de dólares (R$ 214 trilhões) - foram acumulados por 1% da população mundial. O montante é quase o dobro da riqueza gerada por 99% dos habitantes do mundo. “As fortunas bilionárias estão crescendo 2,7 trilhões de dólares (R$ 13,8 trilhões) por dia, até mesmo com a inflação pressionando para baixo os salários de 1,7 bilhão de trabalhadores", alerta a Oxfam.

Para a Oxfam, as empresas de alimentos que aumentaram seus lucros com a subida da inflação mundial deveriam pagar impostos extraordinários para diminuir a desigualdade do planeta. Assim como as empresas de energia, a Oxfam critica as empresas de alimentos por usar as mudanças climáticas, o aumento do custo de vida, a guerra entre a Ucrânia e Rússia e a pandemia de Covid-19 como desculpas para aumentar os preços ao consumidor.

A Organização avaliou 95 empresas que tiveram lucros excessivos e diz que 84% dessa quantia foram pagos a acionistas, enquanto os preços maiores foram repassados a consumidores.

Alguns governos decidiram taxar empresas fornecedoras de combustíveis fósseis pelos lucros extraordinários depois que a guerra entre Ucrânia e Rússia (que, de fato, é entre EUA e Rússia) gerou aumento dos preços de petróleo e gás natural.

Uma boa ideia para o Brasil.

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Frei Betto

Assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior, ganhou por duas vezes o prêmio Jabuti (1982, com "Batismo de Sangue", e 2005, com "Típicos Tipos")

Frei Betto
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