Raposa Serra do Sol: questão de justiça
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- Frei Betto
- 09/05/2008
Em 15 de abril de 2005, o presidente Lula assinou a homologação em área contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Este ano, a Polícia Federal, em cumprimento da lei, mobilizou-se para retirar da reserva seis arrozeiros. Os invasores da área, convencidos de que "índio atrapalha o progresso", reagiram com violência, inclusive bombas. Criaram o fato político capaz de induzir o STF a suspender a medida legal e reiniciar o atribulado percurso já transitado pelos três poderes da República.
Roraima abriga pouco mais de 400 mil habitantes num território de 224.298 km² (pouco menor que o Equador). Raposa Serra do Sol é uma área de 1,67 milhão de hectares, situada no nordeste do estado, nas fronteiras com a Venezuela e a Guiana. A área foi demarcada pelo Ministério da Justiça, através da Portaria 820/98, em 1998, durante o governo FHC.
Da área de Roraima, 46,35% são reservadas aos indígenas. Ali eles somam 46.106, distribuídos em 152 aldeias dos povos Yanomami (15 mil), Macuxi, Wapixana, Wai-Wai, Ingaricó, Taurepang, Waimiri-Atroari e Patamona.
Políticos e arrozeiros queriam a demarcação em área descontínua, "ilhas" onde pudessem permanecer com suas terras (invadidas) e propriedades (ilegais). Três municípios foram criados dentro da reserva indígena: Normandia, Uiramutã e parte de Pacaraima.
Raposa Serra do Sol não é apenas uma selva salpicada de tribos. Ali atuam 251 professores indígenas em 113 escolas de ensino fundamental e três de ensino médio. Os indígenas manejam um rebanho de 27 mil cabeças de gado. Funciona dentro da reserva a Escola Agropecuária de Surumu, que profissionaliza técnicos de nível médio. Conveniados com a Funasa, há 438 Agentes Indígenas de Saúde e 100 indígenas técnicos em microscópio, trabalhando em 187 postos de saúde e 62 laboratórios. Valoriza-se a medicina tradicional indígena.
Dentro do território demarcado, seis rizicultores ocupam 6 mil hectares, com lavouras irrigadas, nas margens dos rios Cotingo, Tacutu e Surumu. Todos grileiros em terras da União. Utilizam agrotóxicos, destroem a mata ciliar, soterram lagoas e igarapés, abrem valas para canalizar a água dos rios às suas lavouras. A mesma água, poluída com agrotóxico e inutilizável para o consumo, retorna ao rio, matando os peixes.
No verão, impedidas de fazer uso da água dos rios, as comunidades indígenas são obrigadas a cavar poços. Com a destruição das lagoas e da mata ciliar, as caças desaparecem. Os vilarejos dentro da reserva dão apoio ao garimpo ilegal e ali circulam bebidas alcoólicas, muitas vezes oferecidas às jovens indígenas.
Os direitos dos povos indígenas estão garantidos pelo artigo 231 da Constituição; este assegura-lhes a posse permanente e o uso exclusivo de suas terras. Uma demarcação fracionada da área favorecerá a invasão de forasteiros, aumentará a incidência de conflitos e porá em risco a sobrevivência de culturas milenares.
Na primeira semana de janeiro de 2004, o Jornal Nacional mostrou a mobilização de arrozeiros e latifundiários interrompendo estradas na tentativa de evitar a homologação de Raposa Serra do Sol. Com o apoio de lideranças indígenas cooptadas, seqüestraram três missionários católicos da Missão Surumu: os padres Ronildo Pinto França, brasileiro; Cézar Avellaneda, colombiano; e o irmão espanhol Juan Carlos Martinez, todos membros do Instituto Missão Consolata.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, advertiu o governador Flamarion Portela, de Roraima, de que o governo federal tomaria providências para liberar os reféns e desmobilizar o protesto. A Polícia Federal agiu e libertou os seqüestrados.
Eram seis horas da manhã de 23 de novembro de 2004 quando a comunidade Jauari foi despertada por tiros, gritos, roncos de máquinas. Quarenta homens armados mataram galinhas, porcos, cães e deram dois tiros no macuxi Jocivaldo Constantino, um deles na cabeça. De lá, marcharam para destruir as comunidades indígenas Brilho do Sol, Retiro São José e Homologação. Nas quatro aldeias derrubaram, com tratores, 37 casas e incendiaram os escombros, sem poupar a igreja, a escola e o posto de saúde; isolaram as áreas e fecharam as estradas. Ficaram desabrigadas 131 pessoas.
Retroagir a homologação de Raposa Serra do Sol para área não-contínua representa grave precedente jurídico em relação aos demais processos demarcatórios e poderá estimular grileiros e oportunistas a realizarem invasões nos mesmos moldes das que ocorrem em Roraima.
Quanto à Segurança Nacional, lembro que os povos indígenas têm, historicamente, desempenhado papel fundamental na preservação e defesa de nossos atuais limites territoriais. Não são os índios que promovem degradação ambiental, contrabando, garimpagem de minérios preciosos e derrubada de madeiras nobres. A hipótese de se criar uma faixa de 10 a 20 km de largura ao longo de nossas fronteiras abre o risco de atrair intenso movimento migratório de não-índios para a região, causando degradação ambiental e social, desmatamento e contaminação dos rios.
Cabe ao STF fazer cumprir a Constituição, ou seja, confirmar a homologação em área contínua, e, ao governo, deslocar a sede do município de Uiramutã para as margens da rodovia BR-401 (que liga à Guiana); promover a regularização fundiária de Roraima e reassentar os posseiros em áreas definidas pelo Incra, com pagamento das justas indenizações; preservar as atuais rodovias, como bens públicos, para uso de cidadãos indígenas ou não.
Retalhar Raposa Serra do Sol é retalhar a Constituição Brasileira, reforçar a discriminação aos indígenas e premiar o faroeste dos que apóiam os interesses de apenas seis arrozeiros.
Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de "A Mosca Azul – reflexão sobre o poder" (Rocco), entre outros livros.
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Comentários
E os arrozeiros contribuem bastante para nossa economia roraimense, pois com a produção aqui em roraima o arroz fica mais barato, e se for trazido de outros estados fica absurdo de caro, e as pessoas que vivem nesses municipio vao ser retirados de suas moradias que sabe-se lá, quanto tempo vive lá. Então eu lanço uma pergunta! Que soberania é essa que deixas nossas fornteira nas maos de indios que não tem nacionalidade? Mas quem realmente vai "cuidar" sao os americanos que vão usurfluir de nossas riquesas!
A amazonia é nossa de nós brasileiro!
obrigado pelo espaço
A demarcação de Terras Indígenas é necessária para assegurar o ambiente para as tribos remanescentes do Brasil e que possam dar continuidade a cultura pré-colombiana.
Porém, a maioria dos índios não residem mais nessas áreas, mas sim em cidades, o que já é uma contradição, pois acabam adotando inúmeros costumes e valores da população branca.
Quanto a não marcação de faixa contínua de parte da Raposa Serra do Sol sou favorável a essa solução para se evitar o promíscuo relacionamento que acontecem em fronteiras, quanto mais numa imensa linha em que é praticamente impossível fiscalizá-la.
É necessário que se forme uma comissão multi-institucional para avaliar que indígenas ocuparão essas terras e como será seu relacionamento com o seu entorno, economia regional e nacional, devido termos sérios riscos de criarmos castas como no mundo árabe que esfacelou o Império Turco-Otomano no século XX e propiciou o contrôle pelo Império Britânico e seu sucedâneo, os EUA.
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