O abalo dos muros
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- Frei Betto
- 07/10/2008
Em 2009 faz 20 anos a queda do Muro de Berlim, símbolo da bipolaridade do mundo dividido em dois sistemas: capitalista e socialista. Agora, assistimos ao declínio de Wall Street (Rua do Muro), na qual se concentram as sedes dos maiores bancos e instituições financeiras.
O muro que dá nome à rua de Nova York foi erguido pelos holandeses em 1652 e derrubado pelos ingleses em 1699. New Amsterdam deu lugar a New York.
O apocalipse ideológico no leste europeu, jamais previsto por qualquer analista, fortaleceu a idéia de que fora do capitalismo não há salvação. Agora, a crise do sistema financeiro derruba o dogma da imaculada concepção do livre mercado como única panacéia para o bom andamento da economia.
Ainda não é o fim do capitalismo, mas talvez seja a agonia do caráter neoliberal que hipertrofiou o sistema financeiro. Acumular fortunas tornou-se mais importante que produzir bens e serviços. A bolha especulativa inflou e, de súbito, estourou.
Repete-se, contudo, a velha receita: após privatizar os ganhos, o sistema socializa os prejuízos. Desmorona a cantilena do "menos Estado e mais iniciativa privada". Na hora da crise, apela-se ao Estado como bóia de salvamento na forma de US$ 700 bilhões (5% do PIB dos EUA ou o custo de todo o petróleo consumido em um ano naquele país) a serem injetados para anabolizar o sistema financeiro.
O programa Bolsa Fartura de Bush reúne quantia suficiente para erradicar a fome no mundo. Mas quem se preocupa com os pobres? Devido ao aumento dos preços dos alimentos, nos últimos dozes meses o número de famintos crônicos subiu de 854 milhões para 950 milhões segundo Jacques Diouf, diretor-geral da FAO.
Quem pagará a fatura do Proer usamericano? A resposta é óbvia: o contribuinte. Prevê-se o desemprego imediato de 11 milhões de pessoas vinculadas ao mercado de capitais e à construção civil. Os fundos de pensão, descapitalizados, não terão como honrar os direitos de milhões de aposentados, sobretudo de quem investiu em previdência privada.
A restrição do crédito tende a inibir a produção e o consumo. Os bancos de investimentos põem as barbas de molho. Os impostos sofrerão aumentos. O mercado ficará sob regime de liberdade vigiada: vale agora o modelo chinês de controle político da economia, e não mais o controle da política pela economia, como ocorre no neoliberalismo.
Em 1967, J.K. Galbraith chamava a atenção para a crise do caráter industrial do capitalismo. Nomes como Ford, Rockefeller, Carnegie ou Guggenheim, exemplos de empreendedores, desapareciam do cenário econômico para dar lugar à ampla rede de acionistas anônimos. O valor da empresa deslocava-se do parque industrial para a Bolsa de Valores.
Na década seguinte, Daniel Bell alertaria para a íntima associação entre informação e especulação, apontando as contradições culturais do capitalismo: o ascetismo (acumulação) em choque com o estímulo consumista; os valores da modernidade destronados pelo caráter iconoclasta das inovações científicas e tecnológicas; lei e ética em antagonismo quanto mais o mercado se arvora em árbitro das relações econômicas e sociais.
Se a queda do Muro de Berlim trouxe ao leste europeu mais liberdade e menos justiça, introduzindo desigualdades gritantes, o abalo de Wall Street obriga o capitalismo a se repensar. O cassino global torna o mundo mais feliz? Óbvio que não. O fracasso do socialismo real significa vitória do capitalismo virtual (real para apenas um terço da humanidade)? Também não.
Não se mede o fracasso do capitalismo por suas crises financeiras, mas sim pela exclusão - de acesso a bens essenciais de consumo e direitos de cidadania, como alimentação, saúde e educação - de dois terços da humanidade. São 4 bilhões de pessoas que, segundo a ONU, vivem entre a miséria e a pobreza, com renda diária inferior a US$ 3.
Há sim que buscar, com urgência, um outro mundo possível, economicamente justo, politicamente democrático e ecologicamente sustentável.
Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros.
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Comentários
A história mostra que sempre houve pobre e sempre haverá pobre. O capitalismo sofreu um baque mas o seu muro continua sólido. Varridos os "efeitos colaterais" da crise o capitalismo continuará como sempre foi: a verdade inconteste de que a igualdade socialista do velho Marx foi uma fantasia da sua mente, fantasia esta que custou muito caro a humanidade do século XX. Cento e dez milhões de pessoas morreram de fome e de tiro na Rússia e na China para provar que a teoria de Marx estava errada. Rússia e China hoje são economias capitalistas e continuarão assim.
Quanto maior se tornar a população no planeta maior será o contingente de miseráveis e pobres. Independente da existência do capitalismo. O ser humano ainda no atingiu a competência de gerir as crises que cria de forma adequada. Os regimes de governos, independente da ideologia que professam, jamais conseguirão construir casas e criar empregos para todos os necessitados. O futuro continuará demonstrando isso da mesma forma que os últimos 2000 anos têm demonstrado
De todas as opiniões há a unanimidade, que a crise é muito grande.
Mas para a população até onde isto pode chegar? Já são consumidos menos 30% de carros novos no país e dólar acima de dois reais.
Os efeitos parecem que serão percebidos a longo prazo. Fica então a espectativa de menos dinheiro do bolso e falta de estrutura pública para fornecer os serviços básicos para o cidadão.
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