Correio da Cidadania

E a reforma agrária?

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Lula prometeu à Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), em 12 de abril,  atualizar os índices de produtividade rural, defasados há 32  anos. Esta é uma  antiga reivindicação dos pequenos agricultores e dos  sem-terra. Esses índices, baseados no censo agropecuário, servem de base ao Incra para vistoriar imóveis  rurais sujeitos à desapropriação para fins de reforma agrária.  

Lula e o PT ganharam  projeção política e assumiram o governo federal comprometidos com a  reforma agrária. A nação espera que, agora, sejam coerentes, não  troquem uma bandeira histórica por um prato de lentilhas eleitorais. Das três Américas, o Brasil é o único país que jamais mexeu em sua estrutura fundiária. Ou melhor, mexeu para saciar a cobiça do andar de cima ao ser retalhado em Capitanias Hereditárias, paradigma do  latifúndio improdutivo.  

Falta beneficiar o andar de  baixo. O governo traçou um Plano Nacional de Reforma Agrária que, até  hoje, não saiu do papel. A Bolívia fez sua primeira reforma agrária em 1953. Promove agora a segunda, apoiada pelo Brasil. Lula aprovou-lhe um crédito de US$ 20 milhões.

Uma das reivindicações vitais para modernizar a nossa agricultura é atualizar os índices de  produtividade agropecuária. O artigo 6 da Lei 8.629/93 dá ao Executivo o poder de fixar os índices. O Planalto delegou ao Incra essa  responsabilidade.

A bancada ruralista no Congresso, entretanto, pressiona no sentido contrário. O latifúndio não suporta ouvir falar disso. Os ruralistas mobilizam cerca de 200 parlamentares para que não se toque no assunto. E ameaçam boicotar o PAC (Programa  de Aceleração do Crescimento). Por quê?

A atualização traria à lume o número de propriedades que não alcançam os parâmetros de eficiência e produtividade, ou seja, os latifúndios que não atingem os índices mínimos do Grau de Utilização da Terra (GUT) e do Grau de Eficiência da Exploração (GEE). Não bastariam os números para determinar a desapropriação. Esta dependeria de vistoria do poder público.

Para a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) “o  produtor é quem deve decidir sobre o quê, quando e quanto plantar diante dos fatores de produção (trabalho, tecnologia, capital e terra)”. Ora, isso fere o preceito constitucional de função social da terra. E seria o mesmo que chamar a raposa para tomar conta do galinheiro.

As terras cultiváveis do Brasil estão em mãos de 5 milhões de proprietários. Quase metade (49%) sob a posse de apenas 26 mil proprietários. Gente que possui amplas extensões de terra com baixo índice de produtividade – o que tornaria suas fazendas expropriáveis para a reforma agrária.

Desde 1975 os índices de produtividade estão congelados. O IBGE já se mobiliza para um novo censo  rural, felizmente. Em fevereiro de 2006, concluiu-se um  ato administrativo, resultado de estudos do governo e da Unicamp, visando à atualização, mas ficou no papel. A bancada ruralista tenta revogá-lo e, sobretudo, impedir que o Executivo o assine.  

No primeiro mandato de Lula, os ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário – que não falavam a mesma língua – não sancionaram a medida. E o presidente não quis desagradar a bancada ruralista, sobretudo porque, na época, o agronegócio, em pânico com a crise do setor, pressionou o governo bloqueando estradas com tratores.

O latifúndio não tem função nem responsabilidade social. A CNA avalia que, se os novos índices forem aprovados, cerca de 100 mil propriedades rurais ficariam sujeitas à desapropriação para fins de reforma agrária. Diante disso, chovem propostas no Congresso para sabotar o ato administrativo que atualizaria os índices.

Passará à história o presidente que ousar alterar a estrutura fundiária brasileira – arcaica, injusta, concentradora de terras e de renda, e socialmente excludente. Sem  reforma agrária, problemas que tanto inquietam a população brasileira  – desemprego, violência urbana, favelas, fluxo migratório, trabalho escravo, desmatamento florestal e desequilíbrio ambiental  – tendem a se agravar. E a perdurar a nossa  posição de país periférico, distante do grau de desenvolvimento das nações socialmente menos injustas.


Frei Betto é escritor, autor  de “O  gosto de uva” (Garamond), entre outros livros.

 

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