E a reforma agrária?
- Detalhes
- Frei Betto
- 03/05/2007
Lula prometeu à
Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), em
12 de abril, atualizar os índices de produtividade rural, defasados
há 32 anos. Esta é uma antiga reivindicação dos pequenos agricultores
e dos sem-terra. Esses índices, baseados no censo agropecuário,
servem de base ao Incra para vistoriar imóveis rurais sujeitos à
desapropriação para fins de reforma agrária.
Lula e o PT ganharam projeção política e assumiram o governo federal
comprometidos com a reforma agrária. A nação espera que, agora, sejam coerentes,
não troquem uma bandeira histórica por um prato de lentilhas eleitorais.
Das três Américas, o Brasil é o único país que jamais mexeu em sua estrutura
fundiária. Ou melhor, mexeu para saciar a cobiça do andar de cima ao ser
retalhado em Capitanias Hereditárias, paradigma do latifúndio
improdutivo.
Falta beneficiar o andar de baixo. O governo traçou um Plano Nacional de
Reforma Agrária que, até hoje, não saiu do papel. A Bolívia fez sua primeira
reforma agrária em 1953. Promove agora a segunda, apoiada pelo Brasil. Lula
aprovou-lhe um crédito de US$ 20 milhões.
Uma das reivindicações vitais para modernizar a nossa agricultura é
atualizar os índices de produtividade agropecuária. O artigo 6 da Lei
8.629/93 dá ao Executivo o poder de fixar os índices. O Planalto delegou ao
Incra essa responsabilidade.
A bancada ruralista no Congresso, entretanto, pressiona no sentido
contrário. O latifúndio não suporta ouvir falar disso. Os ruralistas mobilizam
cerca de 200 parlamentares para que não se toque no assunto. E
ameaçam boicotar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Por quê?
A atualização traria à lume o número de propriedades que não alcançam os
parâmetros de eficiência e produtividade, ou seja, os latifúndios que não
atingem os índices mínimos do Grau de Utilização da Terra (GUT) e do Grau de Eficiência
da Exploração (GEE). Não bastariam os números para determinar a desapropriação.
Esta dependeria de vistoria do poder público.
Para a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) “o produtor é quem deve
decidir sobre o quê, quando e quanto plantar diante dos fatores de produção
(trabalho, tecnologia, capital e terra)”. Ora, isso fere o preceito
constitucional de função social da terra. E seria o mesmo que chamar a
raposa para tomar conta do galinheiro.
As terras cultiváveis do Brasil estão em mãos de 5 milhões de proprietários.
Quase metade (49%) sob a posse de apenas 26 mil proprietários. Gente que possui
amplas extensões de terra com baixo índice de produtividade – o que tornaria
suas fazendas expropriáveis para a reforma agrária.
No primeiro mandato de Lula, os ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário – que não falavam a mesma língua – não sancionaram a medida. E o presidente não quis desagradar a bancada ruralista, sobretudo porque, na época, o agronegócio, em pânico com a crise do setor, pressionou o governo bloqueando estradas com tratores.
O latifúndio não tem função nem responsabilidade social. A CNA avalia que, se os novos índices forem aprovados, cerca de 100 mil propriedades rurais ficariam sujeitas à desapropriação para fins de reforma agrária. Diante disso, chovem propostas no Congresso para sabotar o ato administrativo que atualizaria os índices.
Passará à história o presidente que ousar alterar a estrutura fundiária brasileira – arcaica, injusta, concentradora de terras e de renda, e socialmente excludente. Sem reforma agrária, problemas que tanto inquietam a população brasileira – desemprego, violência urbana, favelas, fluxo migratório, trabalho escravo, desmatamento florestal e desequilíbrio ambiental – tendem a se agravar. E a perdurar a nossa posição de país periférico, distante do grau de desenvolvimento das nações socialmente menos injustas.
Frei Betto é escritor, autor de “O gosto de uva” (Garamond), entre outros livros.
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