Correio da Cidadania

Direito ao Aborto

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Embora contrário ao aborto, admito a sua descriminalização em certos casos, como o de estupro, e não apóio a postura do arcebispo de Olinda e Recife ao exigir de uma criança de 9 anos assumir uma gravidez indesejada sob grave risco à sua sobrevivência física (pois a psíquica está lesada) e ainda excomungar os que a ajudaram a interrompê-la.

 

Ao longo da história, a Igreja Católica nunca chegou a uma posição unânime e definitiva quanto ao aborto. Oscilou entre condená-lo radicalmente ou admiti-lo em certas fases da gravidez. Atrás dessa diferença de opiniões situa-se a discussão sobre qual o momento em que o feto pode ser considerado ser humano. Até hoje, nem a ciência nem a teologia têm a resposta exata. A questão permanece em aberto.

 

Santo Agostinho (séc. IV) admite que só a partir de 40 dias após a fecundação se pode falar em pessoa. Santo Tomás de Aquino (séc. XIII) reafirma não reconhecer como humano o embrião que ainda não completou 40 dias, quando então lhe é infundida a "alma racional".

 

Esta posição virou doutrina oficial da Igreja a partir do Concílio de Trento (séc. XVI). Mas foi contestada por teólogos que, baseados na autoridade de Tertuliano (séc. III) e de santo Alberto Magno (séc. XIII), defendem a hominização imediata, ou seja, desde a fecundação trata-se de um ser humano em processo. Esta tese foi incorporada pela encíclica Apostolica Sedis (1869), na qual o papa Pio IX condena toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez.

 

No século XX, introduz-se a discussão entre aborto direto e indireto. Roma passa a admitir o aborto indireto em caso de gravidez tubária ou câncer no útero. Mas não admite o aborto direto nem mesmo em caso de estupro.

 

Bernhard Haering, renomado moralista católico, admite o aborto quando se trata de preservar o útero para futuras gestações ou se o dano moral e psicológico causado pelo estupro impossibilita aceitar a gravidez. É o que a teologia moral denomina ignorância invencível. A Igreja não tem o direito de exigir de seus fiéis atitudes heróicas.

 

Roma é contra o aborto por considerá-lo supressão voluntária de uma vida humana. Princípio que nem sempre a Igreja aplicou com igual rigor a outras esferas, pois defende o direito de países adotarem a pena de morte, a legitimidade da "guerra justa" e a revolução popular em caso de tirania prolongada e inamovível por outros meios (Populorum Progresio).

 

Embora a Igreja defenda a sacralidade da vida do embrião em potência, a partir da fecundação, ela jamais comparou o aborto ao crime de infanticídio e nem prescreve rituais fúnebres ou batismo in extremis para os fetos abortados…

 

Para a genética, o feto é humano a partir da segmentação. Para a ginecologia-obstetrícia, desde a nidação. Para a neurofisiologia, só quando se forma o cérebro. E para a psicossociologia, quando há relacionamento personalizado. Em suma, carece a ciência de consenso quanto ao início da vida humana.

 

Partilho a opinião de que, desde a fecundação, já há vida com destino humano e, portanto, histórico. Sob a ótica cristã, a dignidade de um ser não deriva daquilo que ele é e sim do que pode vir a ser. Por isso, o cristianismo defende os direitos inalienáveis dos que se situam no último degrau da escala humana e social.

 

O debate sobre se o ser embrionário merece ou não reconhecimento de sua dignidade não deve induzir ao moralismo intolerante, que ignora o drama de mulheres que optam pelo aborto por razões que não são de mero egoísmo ou conveniência social, como é o caso da menina do Recife.

 

Se os moralistas fossem sinceramente contra o aborto, lutariam para que não se tornasse necessário e todos pudessem nascer em condições sociais seguras. Ora, o mais cômodo é exigir que se mantenha a penalização do aborto. Mas como fica a penalização do latifúndio improdutivo e de tantas causas que, no Brasil, levam à morte, por ano, de cerca de 21 entre cada 1.000 crianças que ainda não completaram doze meses de vida?

 

"No plano dos princípios – declarou o bispo Duchène, então presidente da Comissão Espiscopal Francesa para a Família -, lembro que todo aborto é a supressão de um ser humano. Não podemos esquecê-lo. Não quero, porém, substituir-me aos médicos que refletiram demoradamente no assunto em sua alma e consciência e que, confrontados com uma desgraça aparentemente sem remédio, tentam aliviá-la da melhor maneira, com o risco de se enganar" (La Croix, 31/3/79).

 

O caso do Recife exige uma profunda análise quanto aos direitos do embrião e da gestante, a severa punição de estupros e violência sexual no seio da família, e dos casos de pedofilia no interior da Igreja e, sobretudo, como prescrever medidas concretas que socialmente venham a tornar o aborto desnecessário.

 

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com L.F. Veríssimo e outros, de "O desafio ético" (Garamond), entre outros livros.

 

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Comentários   

0 #13 RE: Direito ao AbortoWanderley 23-08-2014 09:31
Embora seja uma reportagem-escrito- texto antigo, vale a pena a gente rever. Este senhor não tem nenhuma autoridade para falar em nome da Igreja. Sendo assim, comentários como: dentro da própria Igreja há divergências sobre o assunto, não procede, uma vez que, aqueles que estão em sintonia com o Vaticano, mantém unidade nas decisões. Este senhor deveria parar de assinar em seus escritos a palavra frei para não enganar os acham que ele fala em nome da nossa Igreja.
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0 #12 Estamos mudando..Rosa maria da Costa e Silva de 25-09-2009 17:01
A Igreja Católica, aminha igreja podia aproveitar para
entender que nao consegue mais fazer o mundo cristão engolir o seu lado negro..sob a capa da misericórdia e defensora da vida...princípios morais éticos que ela nao praticou em seu passado negro.
A igreja somos todos nós, vamos exigir que nos respeitem como seres de inteligencia e livre arbítrio nos dado por Deus quando na nossa crição Divina.
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0 #11 o aborto deve ser \"perspectivado\"moralCornelius Okwudili Ezeokeke 24-09-2009 05:34
A pergunta se é justo a interrupção da gravidez sob ponto de vista moral não deve ser levantada, pois nem toda moral é ética. É indubitável que haja argumentos prós e contras, no entanto, deve-se rechaçar a cultura reinante de confusão entre as várias classificações do aborto. A mulher não tem o direito de vida ou morte sobre o ser concebido como querem as feministas e simpatizantes, tampouco a igreja tem poder de decisão acerca do assunto. Há a necessidade de se ter o maior cuidado em taxar todo aborto como imoral e “aético”.
A vida pode até começar na concepção, mas nem por isso embriões podem ser chamados de “pessoas”. Os animais e plantas têm vida e nem por isso configuram-se como “pessoas”-nessa acepção, para nós, os embriões e fetos não são “pessoas”. O que torna um ser uma pessoa humana é o conjunto de três estágios de Aristóteles, no qual estão presentes os elementos da vida nutritiva, o da vida sensível e o da vida racional. Há realmente diferença entre um embrião, um feto e uma criança recém-nascida. Um recém-nascido já tem em si um processo de formação. Os três estágios rumo à pessoa humana, e jamais poderia ser confundido com um zigoto. Portanto, não se pode posicionar contrário ao aborto com argumento de que a vida começa na concepção. A vida animal irracional e vegetal pode ter começado na concepção, mas a do ser humano só se torna tal com a presença concomitantemente dessas tripulas formas de vida, o que implicará a verdadeira existência humana.
As idéias da igreja católicas foram tomadas do pensamento de Tomás de Aquino que optou por considerar o feto pessoal humana, ao duvidar a possibilidade de se estabelecer, precisamente, o momento da entrada desses estágios no embrião. A base da rejeição do aborto da igreja católica se pautou na opinião de uma pessoa que não tinha o conhecimento técnico-científico que temos hoje.
A perspectiva que devemos ter do aborto não é no sentido moral, mas no ético. A ética de ser reconhecer que, quanto à interrupção da gravidez, ela pode ser da ordem eugênica (o que repudiamos), da ordem voluntária (o que rejeitamos também). Aqueles que são totalmente contra e aqueles que são totalmente a favor. É perigoso qualquer um desse extremo sem reconhecimento das implicações existentes. A moral condena qualquer tipo de aborto fechando-se na clausura da condenação exacerbada de quem o praticou, enquanto a ética parte do princípio de que cada caso é um caso, devendo-se analisar separadamente aos casos de acordo com a evolução da sociedade, ouvindo o que a ciência tem a dizer. A ética nos faz entender que o aborto terapêutico é para salvar a vida da gestante. Na mesma perspectiva ética fomos confrontados da necessidade do aborto seletivo para identificar, selecionar e interromper gravidez com formações fetais. Isso se dá a partir da constatação dos casos de anencefalia, ou seja, quando se sabe perfeitamente que o feto não possui cérebro. É imoral e aético prosseguir com esse tipo de gravidez só pra massagear o ego dos religiosos cauterizados pela hipocrisia.
O aborto voluntário na perspectiva ética configura-se quando não se queira a gravidez nos casos reconhecidamente forçados (estupros). A moral católica baseada na opinião de Tomaz de Aquino não pode ser a última palavra acerca desse assunto tão complexo e espinhoso. Devemos estar abertos para tecer reflexões que nos façam pessoas conscientes, educadas para a vida. Quando se fala de vida, as pessoas logo pensam que a igreja defende vidas ao se posicionar contrária ao aborto na sua totalidade (sem exceções), pois o contrário é verdadeiro. A igreja legitima “não-vida” com essa atitude miópica: Que vida é essa que expõe ao feto anencefálico a mercê do acaso? Ou que obriga uma mãe estuprada de ter um filho, fruto da violência sexual? É impossível sustentar a vida face essa realidade inautêntica, isso não passa de métodos de controle social, a fim de intrometer na vida individual dos fieis. A igreja tem que entender que acabou o casamento entre ela e o Estado. A temática do aborto é demasiado difícil para ser discutido no sentido moral da igreja, por ser antiquado e fora da realidade social que vivemos.
Para ser dinâmica, a igreja há de reconhecer que, em alguns casos, a melhor saída é o aborto, uma vez que aceita métodos naturais de se evitar a gravidez. Ora, se aceita um dos métodos supostamente natural, é por que não considera moralmente errado métodos não-abortivos. Porém indaga-se: Que diferença faz se o objetivo é impedir a gravidez? Por que não podemos impedir a gravidez fruto duma violência? Devemos fechar os olhos á realidade das crianças e mulheres, marcadas pela violência sexual só porque a igreja acha moralmente inaceitável o aborto nesses casos? Essa temática se deslize para o campo ideológico-religioso, ao invés de ser uma questão social-política que repudia a vaguidade eclesiástica, da condenação. Se quisermos melhorar a relação moral do aborto com visão ética do mesmo, a questão da legalização do aborto deve ser discutida amplamente num diálogo sério baseado na realidade social (aborto clandestino). Nesse sentido, a questão da antropologia deve ser abordada nesse diálogo. Nas palavras do Pe. Léo Pessíni em “qual antropologia como fundamento da defesa da vida”? Afirma que: nas antropologias antropocêntricas, a dignidade consiste num atributo socialmente conferido pelos indivíduos a si próprio ou pelos outros. É definida com base em certos atributos de personalidade que podem ser perdidos com a doença, a deficiência mental, o estado de consciência e assim por diante. Um exemplo de dissonância em relação a esse ponto é a atribuição, por parte dos católicos, de dignidade pessoal para o embrião, desde a concepção e sua negação categórica pelas outras. Alguns defendem o “respeito” pelo embrião, mas não como pessoa. Paradoxalmente, sustentam que o embrião pode ser sacrificado pelo bem do outros, como no caso de obter células-tronco para pesquisa com o objetivo de curar determinadas doenças de cunho genético que infernizam a vida de muita gente.
Tendo em vista não existir a única forma que nos auxilie para uma completa compreensão do ser humano ou enquanto, o que seja pessoa humana, a igreja não detém “a verdade moral” universal sobre a questão do aborto. Convém salientar que ela deve ter a sapiência de querer aprofundar a reflexão sobre a temática e não procurar fechá-la conceituando-a como “pecado”, senão permanecermos na ignorância moral quando não reconhecemos a necessidade do aborto em alguns casos específicos.

Cornelius Okwudili Ezeokeke
INSTITUTO DE CIÊNCIAS RELIGIOSAS (ICRE).
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0 #10 Bruna 23-06-2009 09:04
Infelizmente, a Igreja Católica tem suas contradições, é claro que todos nós sabemos, que a Igreja influencia muito, muito mesmo na opinião de seus fiés, mas acredito no bom senso das pessoas, e mesmo crendo na essencia que é a fé Católica, não podemos permitir que Ela fique a favor dos que exploram diariamente, pessoas inocentes, pesosas honestas, crianças que não sabem o motivo de sua forma desnutrida, nós como fiés não podemos ficar no comodismo de nossos lares, para assim vê pessoas, crianças morrendo, não tendo o mínimo, o básico para viver dignamente, simplesmente viver. O que custa para a sociedade uma criança viver dignamente???porque ainda hoje existe tal crueldade?? porque o Estado não cumpri o que tem no papel, o que é sua responsabilidade? Eu lhes respondo: Simplesmente não traz lucro para os grandes empresários. Apenas se faz "solidariedade" para dar um ar de bonzinhos.
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0 #9 Minha opinião sobre a questão do abortoNoemia 25-04-2009 14:45
Comugo da opnião do senhor Frei Beto,que ainda se carece de muita discussão a respeito do assunto, mas na qualidade de profissional de saúde (Psicóloga), sinto que quem descute e define moralmente o direito do outro, pelo o outro, quase sempre comete um erro gravíssimo, não está, nunca esteve e jamais estará comungando de verdade do sofrimento deste outro... e que a falsa moral o coloca com defensor da vida.
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0 #8 Reflexões além da muralhaLopes 23-03-2009 16:32
... o mais importante penso eu não é concordar ou discordar nesse caso ... é na verdade saber que mesmo dentro da igreja o assunto pode ser examinado sobre diversos prismas, fora da santa igreja então são mais possibilidades do que podemos em todos anos de vida estudar.
Acho que tanto os que são contra como os que são a favor, da despenalização - descriminalização - e o aborto em si - nas suas diversas hipoteses(notem bem que existe diferenças nas formas propostas)devem se pautar na sua maioria com mais coerência.

frei Beto ao meu ver é uma autoridade sócio - teológica !!!
Obrigado.
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0 #7 Thais Lage 19-03-2009 16:49
Frei Beto, sou professora de ciências e educação religiosa em escola publica de minas gerais. No inico da campanha da fraternidade usei um artigo escrito pelo Sr no jornal Estado de Minas, e hj procurando mais alguma coisa para levar e apresentar aos alunos carentes de boa informação, me deparei com esse excelente artigo. Concordo com todas as colocações feitas e agradeço a Deus por colocar na nossa igreja pessoas abençoadas como o Sr que defende a vida sem ipocrisia. Parabéns, e continue nos dando a graça de seus textos.
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0 #6 A Igreja Católica já é a favor do abortoEder Fernando dos Santos 18-03-2009 10:35
A questão de a mulher ter o livre direito de escolher e decidir sobre seu corpo não tem relação direta com o ser favorável ou contra o aborto, principalmente numa instituição onde o masculino predomina que o caso da Igreja Católica. Além disso desde seu advento a Igreja Católica foi a favor do aborto, que significa interromper a vida, pois já o fez com seres humanos de várias faixas etárias, durante o período Medieval assassinou milhões de pessoas. Nos períodos de transição aliou-se às classes dominantes opressoras e assassinas de crianças, adultos e idosos. E continua a fazê-lo quando permanece aliada ao Capital que condena à miséria e à morte milhões de seres humanos. Ou seja, a Igreja não só defende como pratica o aborto diariamente. Mas segudo sua lógica não pode deixar de ser hipócrita.
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0 #5 MUNYR 17-03-2009 09:22
olha só como é que uma instituição que não sabe punir os seus, que foi amiga da ditadura, da escrevidão, santa inquisição, que tem mebros que dizem que o holocausto não existiu, que agora posar de moralista e defender os principios eticos, quais são?
Frei Betto nos mostra a relaidade da Igreja no trecho:"Se os moralistas fossem sinceramente contra o aborto, lutariam para que não se tornasse necessário e todos pudessem nascer em condições sociais seguras. Ora, o mais cômodo é exigir que se mantenha a penalização do aborto. Mas como fica a penalização do latifúndio improdutivo e de tantas causas que, no Brasil, levam à morte, por ano, de cerca de 21 entre cada 1.000 crianças que ainda não completaram doze meses de vida?"
então primeiro começamos a organizar, limpar de dentro pra fora e não de fora pra dentro.
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0 #4 Vamos deixar de hipocrisiaRosa Maria Miranda 16-03-2009 15:47
Vamos deixar de usar o nome de Jesus ou de seu pai para justificar a intolerância..
Disse Jesus um dia e em algum lugar: Eu vim para que todos tenham vida.. com dignidade, sim senhor..
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