Correio da Cidadania

Che, militante da justiça

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Neste ano, comemoram-se 40  anos da morte de Ernesto Che Guevara nas selvas da Bolívia. Nascido em Rosário, Argentina, a 14 de junho de 1928, foi capturado e assassinado, a 8 de outubro de 1967, aos 39 anos de idade.

Filho de um renomado arquiteto, Guevara, ainda adolescente, percorreu 4.700 km de estradas argentinas em sua bicicleta e, mais tarde, viajou por quase toda a América  Latina em companhia de seu amigo Alberto Granados, quando conheceu a miséria  do continente. Esta fase está magnificamente documentada por Walter Salles no filme “Diários de motocicleta” (2004).

Formado em medicina, em  1953 Che foi para a Venezuela, onde se dedicou à pesquisa da cura da hanseníase. Em dezembro do mesmo ano transferiu-se para a Guatemala. Ali, o governo progressista de Jacobo Arbenz implantava a reforma agrária, à qual ele  se integrou. No ano seguinte, um golpe militar patrocinado pelos EUA derrubou  o presidente Arbenz e obrigou Guevara a se mudar para o México, onde chegou a  21 de setembro de 1954.

Na Cidade do México, conheceu a peruana  Hilda Gadea Acosta, com quem se casou e teve uma filha, Hildita. Para  sobreviver no México, Che trabalhou de fotógrafo ambulante e vendedor de livros. Através de concurso, ingressou num hospital como médico de doenças  alérgicas, onde conheceu o paciente Raúl Castro.

Em meados de  1955, Raúl convidou-o ao apartamento de Maria Antonia Figueroa, onde os exilados cubanos se reuniam, e apresentou-o a seu irmão, Fidel. Ali se tramava  a expedição do iate "Granma", que levaria à Cuba os guerrilheiros decididos a  libertá-la da ditadura de Batista. Após desembarcar em Cuba em dezembro de  1956, Che ingressou como médico na guerrilha de Sierra Maestra, da qual se  tornou Comandante. Vitoriosa a Revolução, a 1º de janeiro de 1959, exerceu  importantes funções no Governo Revolucionário. Em Havana, casou-se com Aleida March, com quem teve quatro filhos.

Em 1961, foi condecorado com  a Ordem do Cruzeiro do Sul, em Brasília, pelo presidente Jânio Quadros. Cinco  anos depois abandonou Cuba para lutar no Congo Belga. Ali permaneceu até março  de 1966. Após passar por Praga, Frankfurt, São Paulo e Mato Grosso do Sul,  disfarçado de executivo da OEA e sob o nome de Adolfo Mena, ingressou na  Bolívia em novembro de 1966, disposto a acender o estopim que libertaria toda  a América do Sul.

O que marca a vida de Che é a utopia  revolucionária. Em 1952, aos 24 anos, ao percorrer o Chile, a 12 de março  chegou ao povoado de Baquedano, rumo às minas de cobre de Chuquicamata.  Convidado a hospedar-se em casa de um casal de mineiros, impressionou-se com o  que viu e ouviu: à luz de velas, o jovem trabalhador narrou-lhe os três meses  que passara na prisão junto com sua mulher; a solidariedade dos vizinhos que  acolheram os filhos; os companheiros misteriosamente desaparecidos e dos quais  se dizia terem sido atirados ao mar... À hora de deitar-se, Guevara percebeu que o casal não tinha manta para cobrir-se do frio. Cedeu a que trazia consigo  e, mais tarde, recordaria que, naquela noite, malgrado seu corpo enregelado,  sentiu-se irmão de todos os oprimidos do mundo.

Em junho, chegou  ao Peru, em companhia de seu amigo Alberto Granado. No dia 7, foram ao leprosário de San Pablo, junto aos rios Yaveri e Ucayali. Ficaram desolados ao  ver que ali viviam famílias de enfermos sem roupa, alimentos e remédios.  Trataram delas com os poucos recursos de que dispunham e, à hora de partir,  foram surpreendidos com um show organizado pelos próprios hansenianos, que  cantaram ao som da música de violões, flautas, saxofone e bandoleón.

Quando Fidel e Che se conheceram na Cidade do México, o líder do Movimento 26 de Julho iniciava seu exílio após sair da prisão em  Cuba, em decorrência do fracasso do assalto ao Quartel Moncada, em Santiago de Cuba. A conversa entre os dois mudaria para sempre o rumo da vida do jovem  argentino, pois os guerrilheiros cubanos andavam à procura de um médico que  pudesse acompanhá-los à Sierra Maestra.

Em plena onda neoliberal que assola o planeta, a figura de Guevara emerge como alento de esperança e exemplo a todos que, como ele, acreditam que - como escreveu à sua filha  Hilda, ao despedir-se de Cuba - enquanto houver uma só pessoa faminta,  oprimida, excluída, é preciso seguir lutando.

Se a atual  conjuntura exige outras formas de luta diferentes das adotadas por Che, é  inegável que a causa de sua opção revolucionária - a clamorosa miséria da  população da América Latina – infelizmente segue aumentado. Daí o imperativo  ético que se impõe àqueles que priorizam em sua vida uma radical entrega à  construção de um futuro onde todos possam partilhar, como irmãos, "os bens da  Terra e os frutos do trabalho humano", como rezam os cristãos na eucaristia.

Com muita razão disse-me Fidel em maio de 1985, "se  Che fosse católico e pertencesse à Igreja, teria todas as virtudes para que se fizesse dele um santo." Suas virtudes e a força moral de seu exemplo justificam a veneração que em todo o mundo se nutre por ele.

Só  um homem de muita grandeza moral seria capaz de escrever isto: "Deixe-me  dizê-lo, sob o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é  guiado por grandes sentimentos de amor. É impossível imaginar um autêntico  revolucionário sem esta qualidade. (...) É preciso lutar todos os dias para  que esse amor à humanidade existente se transforme em fatos concretos, em atos  que sirvam de exemplo e mobilizem" (Che, "El Socialismo y el hombre en Cuba", Editora Politica, La Habana, 1988).


Frei Betto é escritor, autor de “Entre todos os homens” (Ática), entre outros livros.

 

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