Che, militante da justiça
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- Frei Betto
- 31/05/2007
Neste
ano, comemoram-se 40 anos da morte de Ernesto Che Guevara nas selvas da
Bolívia. Nascido em Rosário, Argentina, a 14 de junho de 1928, foi capturado
e assassinado, a 8 de outubro de 1967, aos 39 anos de idade.
Filho de um renomado arquiteto, Guevara, ainda adolescente, percorreu 4.700 km de estradas argentinas
em sua bicicleta e, mais tarde, viajou por quase toda a América Latina em
companhia de seu amigo Alberto Granados, quando conheceu a miséria do
continente. Esta fase está magnificamente documentada por Walter Salles no
filme “Diários de motocicleta” (2004).
Formado em medicina, em 1953 Che foi para a Venezuela, onde se dedicou à
pesquisa da cura da hanseníase. Em dezembro do mesmo ano transferiu-se
para a Guatemala. Ali, o governo progressista de Jacobo Arbenz implantava
a reforma agrária, à qual ele se integrou. No ano seguinte, um golpe
militar patrocinado pelos EUA derrubou o presidente Arbenz e obrigou
Guevara a se mudar para o México, onde chegou a 21 de setembro de 1954.
Na Cidade do México, conheceu a peruana Hilda Gadea Acosta, com quem se
casou e teve uma filha, Hildita. Para sobreviver no México, Che trabalhou
de fotógrafo ambulante e vendedor de livros. Através de concurso, ingressou num
hospital como médico de doenças alérgicas, onde conheceu o paciente Raúl
Castro.
Em meados de 1955, Raúl convidou-o ao apartamento de Maria Antonia
Figueroa, onde os exilados cubanos se reuniam, e apresentou-o a seu irmão,
Fidel. Ali se tramava a expedição do iate "Granma", que levaria
à Cuba os guerrilheiros decididos a libertá-la da ditadura de Batista.
Após desembarcar em Cuba em dezembro de 1956, Che ingressou como médico
na guerrilha de Sierra Maestra, da qual se tornou Comandante. Vitoriosa a
Revolução, a 1º de janeiro de 1959, exerceu importantes funções no
Governo Revolucionário. Em Havana, casou-se com Aleida March, com quem
teve quatro filhos.
Em 1961, foi condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul, em Brasília, pelo
presidente Jânio Quadros. Cinco anos depois abandonou Cuba para lutar no
Congo Belga. Ali permaneceu até março de 1966. Após passar por Praga,
Frankfurt, São Paulo e Mato Grosso do Sul, disfarçado de executivo da OEA
e sob o nome de Adolfo Mena, ingressou na Bolívia em novembro de 1966,
disposto a acender o estopim que libertaria toda a América do Sul.
O que marca a vida de Che é a utopia revolucionária. Em 1952, aos 24
anos, ao percorrer o Chile, a 12 de março chegou ao povoado de Baquedano,
rumo às minas de cobre de Chuquicamata. Convidado a hospedar-se em casa
de um casal de mineiros, impressionou-se com o que viu e ouviu: à luz de
velas, o jovem trabalhador narrou-lhe os três meses que passara na prisão
junto com sua mulher; a solidariedade dos vizinhos que acolheram os
filhos; os companheiros misteriosamente desaparecidos e dos quais se
dizia terem sido atirados ao mar... À hora de deitar-se, Guevara percebeu
que o casal não tinha manta para cobrir-se do frio. Cedeu a que trazia
consigo e, mais tarde, recordaria que, naquela noite, malgrado seu corpo
enregelado, sentiu-se irmão de todos os oprimidos do mundo.
Em junho, chegou ao Peru, em companhia de seu amigo Alberto Granado. No
dia 7, foram ao leprosário de San Pablo, junto aos rios Yaveri e Ucayali.
Ficaram desolados ao ver que ali viviam famílias de enfermos sem roupa,
alimentos e remédios. Trataram delas com os poucos recursos de que
dispunham e, à hora de partir, foram surpreendidos com um show organizado
pelos próprios hansenianos, que cantaram ao som da música de violões,
flautas, saxofone e bandoleón.
Quando Fidel e Che se conheceram na Cidade do México, o líder do
Movimento 26 de Julho iniciava seu exílio após sair da prisão em Cuba, em
decorrência do fracasso do assalto ao Quartel Moncada, em Santiago de
Cuba. A conversa entre os dois mudaria para sempre o rumo da vida do
jovem argentino, pois os guerrilheiros cubanos andavam à procura de um
médico que pudesse acompanhá-los à Sierra Maestra.
Em plena onda neoliberal que assola o planeta, a figura de Guevara emerge
como alento de esperança e exemplo a todos que, como ele, acreditam que -
como escreveu à sua filha Hilda, ao despedir-se de Cuba - enquanto houver
uma só pessoa faminta, oprimida, excluída, é preciso seguir lutando.
Se a atual conjuntura exige outras formas de luta diferentes das adotadas
por Che, é inegável que a causa de sua opção revolucionária - a clamorosa
miséria da população da América Latina – infelizmente segue aumentado.
Daí o imperativo ético que se impõe àqueles que priorizam em sua vida uma
radical entrega à construção de um futuro onde todos possam partilhar,
como irmãos, "os bens da Terra e os frutos do trabalho humano",
como rezam os cristãos na eucaristia.
Com muita razão disse-me Fidel em maio de 1985, "se Che fosse
católico e pertencesse à Igreja, teria todas as virtudes para que se
fizesse dele um santo." Suas virtudes e a força moral de seu exemplo
justificam a veneração que em todo o mundo se nutre por ele.
Só um homem de muita grandeza moral seria capaz de escrever isto:
"Deixe-me dizê-lo, sob o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro
revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor. É impossível
imaginar um autêntico revolucionário sem esta qualidade. (...) É preciso
lutar todos os dias para que esse amor à humanidade existente se
transforme em fatos concretos, em atos que sirvam de exemplo e
mobilizem" (Che, "El Socialismo y el hombre en Cuba",
Editora Politica, La
Habana, 1988).
Frei Betto é escritor, autor de “Entre todos os homens” (Ática), entre
outros livros.
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