Ensino religioso nas escolas
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- Frei Betto
- 26/03/2007
O tema do ensino religioso na rede pública retorna à pauta do MEC através da Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade). Previsto na Constituição e na LDB, o ensino religioso deve ser facultativo, embora integrado ao horário normal das escolas públicas. Na rede estadual de São Paulo, ele é ministrado na 8ª série, dentro da grade curricular, desde 2002. A freqüência dos alunos é facultativa.
Numa nação tão religiosa, e multi-religiosa, como o Brasil, este é um tema delicado. Daí a importância de debatê-lo com serenidade, sobretudo considerando que a LDB assegura a matrícula facultativa e exige “respeito à diversidade cultural religiosa, vedadas quaisquer formas de proselitismo”. Ora, como falar de religião sem fazer proselitismo? O proselitismo – a conquista de adeptos ou fiéis – é inerente à convicção religiosa. A questão reside no modo como se faz isso. No Império Romano, o cristianismo se disseminou via pregação e testemunho; na Idade Média, via imposição e repressão; hoje, via persuasão e meios de comunicação.
As escolas confessionais têm o dever de, não apenas incluir no currículo o ensino religioso, como evangelizar os seus alunos. Estranha-me ver um colégio católico cuja direção não se empenha para que os alunos conheçam os fundamentos da fé cristã, participem de atos litúrgicos e, ao menos uma vez ao ano, façam retiro espiritual. Melhor seria desadjetivar-se como católico e assumir-se como laico.
A escola pública é, à imagem e semelhança do Estado brasileiro, intrinsecamente laica. Não tem o direito de privilegiar esta ou aquela denominação religiosa. Porém, não pode ignorar as vertentes religiosas praticadas em nosso país. Essa é uma questão cultural. Depõe contra si a escola cujos alunos se formam sem noções elementares de cristianismo, islamismo, judaísmo e espiritismo; tradições afro-brasileiras (candomblé, umbanda etc.), indígenas (Santo Daime, União do Vegetal etc.) e orientais (budismo etc.).
Se a aula é de cultura religiosa, deveria ser obrigatória, assim como o são as de cultura histórica, geográfica, química, matemática etc. O que me parece incongruente é inserir no currículo uma disciplina facultativa centrada em denominação religiosa específica. O lugar da catequese é na família, no colégio religioso e na comunidade confessional, não na escola pública.
O que todo o nosso ensino precisa adotar, como tema transversal em todas as disciplinas, do ensino fundamental à universidade, são os valores éticos. É um dos caminhos para reduzir o número de padres pedófilos, pastores achacadores, médicos irresponsáveis, advogados cumpliciados com bandidos, políticos corruptos etc.
A Espanha acaba de inserir no currículo escolar a disciplina de Educação Cidadã. Equivale às nossas antigas Educação Moral e Cívica e OSPB (Organização Social e Política Brasileira) sem o viés da ditadura. Como tornar religiosa uma geração educada sem os valores básicos do bem comum, da solidariedade, do cuidado do outro? Como tornar melhor uma nação sem um povo dotado de consciência cidadã e empenhado no
aprimoramento da democracia?
O fundamento da religião é a ética. A raiz da ética é a educação. Resta saber se a educação quer formar cidadãos ou consumistas, pessoas íntegras ou apenas mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, de “Essa escola chamada vida” (Ática), entre outros livros.