Família virtual
- Detalhes
- Frei Betto
- 10/05/2010
A desinstitucionalização da família é um dos aspectos mais marcantes da crise da modernidade. O que é, hoje, uma família? Onde estão os vínculos inquebrantáveis da instituição agregadora de avós, pais, filhos, tios, primos e netos?
A reconfiguração dos papéis sexuais, a instabilidade dos laços conjugais, o divórcio, o recasamento, fragmentam o núcleo familiar. As crianças circulam entre vários lares autônomos em contato com diferentes adultos que lhes transmitem, como valores, tantas opiniões e atitudes divergentes que elas ficam absolutamente convencidas de que tudo é relativo.
A crise do modelo familiar tradicional decorre de fatores como a emancipação da mulher, que já não depende do marido para se sustentar; do desprestígio da autoridade paterna; da igualdade de direitos das pessoas; o que embaralha e mina a antiga hierarquia de papéis definidos entre avós, pais, mães, filhos e tios.
Essa atomização do núcleo familiar desordena o conceito de autoridade, o exercício da obediência, o patriarcalismo outrora dominante. A família é, agora, um agrupamento funcional de trocas afetivas e interesses econômicos. Nela, os deveres específicos de cada um perdem nitidez. Os rituais de entrelaçamento e consolidação – refeições em comum, frequência dominical ao culto religioso, férias conjuntas, celebrações de aniversários etc. – se esfumaçam sem que seja introduzida nova liturgia de estreitamento de vínculo familiar.
O que é hoje um lar? Um espaço de moradia onde cada um se locomove de acordo com seus interesses individuais. No lugar da mesa posta com a família em torno, a geladeira como provedora de abastecimento; no lugar da sala como espaço de convívio, o quarto individual como local de refúgio, onde cada um se esconde entretido com a parafernália eletrônica, como TV e internet, que substitui, pelo relacionamento virtual, a sociabilidade calcada na alteridade.
A solidão deixa de ser um recuo à ação solidária e nutrição cultural para funcionar como abrigo de evasão solitária.
Outra causa de desagregação da família tradicional é o poder exercido pelo império televisivo. A TV é o "terceiro pai" que desempenha forte influência na formação de crianças e adolescentes. Desloca o núcleo familiar da sua relação de alteridade (conversas em torno da mesa, na varanda, na calçada ou no quintal; jogos de tabuleiro ou baralho; recital de música ou teatro improvisado etc.) para a confluência de todos rumo à tela da TV.
A família real cede lugar à virtual. E em muitas famílias nem há mais justaposição; há um aparelho de TV em cada quarto, atomizando as relações e dificultando o diálogo.
A democracia neoliberal – essa que se baseia na aquisição de bens materiais e permite a todos avaliarem seu grau de liberdade segundo sua proximidade ou distância do mercado – impõe-se à família através da TV, anulando os rituais fundados no afeto e na cumplicidade de sangue.
Já não vigora a autoridade paterna a decidir o que, na TV, convém ou não às crianças. Nem há debate familiar. Cada um decide, a seu bel prazer, o tempo e o conteúdo de sua voluntária sujeição à TV, em detrimento de diálogo familiar, leitura, oração, diversão, exercício físico ou desempenho social (visitas, frequência ao clube, biblioteca, teatro etc).
A família atual tende a ignorar seus parentes, não se interessa por eles, embora alimente grande apreço pelos novos "parentes" a quem, quase diariamente, abre portas e corações: William Bonner e Fátima Bernardes; Hebe Camargo e Faustão; Luciano Huck e Luciana Gimenez; Datena e Boris Casoy; e toda a plêiade de heróis e heroínas de telenovelas, programas infantis e desenhos animados.
Esses novos tios e tias têm a vantagem de serem sempre divertidos e educados; não pedem dinheiro emprestado, não bebem as nossas bebidas nem comem a nossa comida; não ocupam espaço; não nos convocam às suas doenças; mostram-se sempre saudáveis e risonhos; são ricos e famosos. Como a realidade é cada vez mais virtual, podemos até sentir-lhes o perfume...
Freud ficaria confuso se voltasse hoje. Já não temos necessidade de "matar o pai" ou "odiar o irmão". Basta discar o número fatal que exclui um "brother" ou trocar de canal a cada vez que aquele chato ou aquela megera aparece no vídeo.
Todas as noites milhões de telespectadores se nutrem abnegadamente dessa sopa de entretenimento – telenovelas, programas humorísticos, esportivos etc. – temperada de tudo isso que falta à sua vida real: o grande amor, a emoção, o desafio, o ideal, a beleza, a roda da fortuna...
E la nave va. A vida prossegue. Por dentro da TV. Do lado de fora, demitidos do papel de protagonistas, de sujeitos históricos, aceitamos ser meros espectadores instados a consumir. Ou melhor, a conjuntamente sumir. E deixar que ídolos virtuais vivam por nós.
Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/
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Comentários
Respondo: Pai paga pensão;
Mãe põe filho na creche;
e os filhos estão na rua ou na frente da TV, e cada vez menos sendo educados em escolas e igrejas.
A reconfiguração dos papéis sexuais, a instabilidade dos laços conjugais, o divórcio, o recasamento, fragmentam o núcleo familiar. As crianças circulam entre vários lares autônomos em contato com diferentes adultos que lhes transmitem, como valores, tantas opiniões e atitudes divergentes que elas ficam absolutamente convencidas de que tudo é relativo.
Respondo: Tudo é relativo, menos o fato do pai ter que pagar a pensão e a mãe trabalhar fora pra ganhar o pão;
A crise do modelo familiar tradicional decorre de fatores como a emancipação da mulher, que já não depende do marido para se sustentar; do desprestígio da autoridade paterna; da igualdade de direitos das pessoas; o que embaralha e mina a antiga hierarquia de papéis definidos entre avós, pais, mães, filhos e tios.
Respondo: Não existe hierarquia, na verdade quem manda é ela própria, ou seja, a criança decide o que, como e quando.
Essa atomização do núcleo familiar desordena o conceito de autoridade, o exercício da obediência, o patriarcalismo outrora dominante. A família é, agora, um agrupamento funcional de trocas afetivas e interesses econômicos. Nela, os deveres específicos de cada um perdem nitidez. Os rituais de entrelaçamento e consolidação - refeições em comum, frequência dominical ao culto religioso, férias conjuntas, celebrações de aniversários etc. - se esfumaçam sem que seja introduzida nova liturgia de estreitamento de vínculo familiar.
Respondo: Não existe vínculo familiar, mas vínculo monetário, ou seja, o pai é pai enquanto pagar a pensão; a mãe é mãe enquanto fizer a refeição; os avós são avós se houver herança, caso contrário asilo neles;
O que é hoje um lar? Um espaço de moradia onde cada um se locomove de acordo com seus interesses individuais. No lugar da mesa posta com a família em torno, a geladeira como provedora de abastecimento; no lugar da sala como espaço de convívio, o quarto individual como local de refúgio, onde cada um se esconde entretido com a parafernália eletrônica, como TV e internet, que substitui, pelo relacionamento virtual, a sociabilidade calcada na alteridade.
Respondo: O lar não é mais o ninho, o quarto tornou-se a refúgio para o individualismo. Antes, vários irmãos dividiam o mesmo espaço, que hoje abriga um único indivíduo cheio de bugigangas e solidão.
A solidão deixa de ser um recuo à ação solidária e nutrição cultural para funcionar como abrigo de evasão solitária.
Respondo: Pode haver solidão em meio a tanta gente, num entra e sai desenfreado e ritmado pelo correr das mil e uma atividades; Atividades que sobrecarregam um corpo sedento de paz interior.
Outra causa de desagregação da família tradicional é o poder exercido pelo império televisivo. A TV é o "terceiro pai" que desempenha forte influência na formação de crianças e adolescentes. Desloca o núcleo familiar da sua relação de alteridade (conversas em torno da mesa, na varanda, na calçada ou no quintal; jogos de tabuleiro ou baralho; recital de música ou teatro improvisado etc.) para a confluência de todos rumo à tela da TV.
Respondo: A TV é produto do marketing capitalista que estimula a demanda pelo consumo, através da desarticulação dos laços familiares; Pois cada um decide o que quer, como e quando quer o que bem quiser.
A família real cede lugar à virtual. E em muitas famílias nem há mais justaposição; há um aparelho de TV em cada quarto, atomizando as relações e dificultando o diálogo.
Respondo: O diálogo de lugar ao monólogo de consumidores ansiosos, havidos em compensar sua solidão.
A democracia neoliberal - essa que se baseia na aquisição de bens materiais e permite a todos avaliarem seu grau de liberdade segundo sua proximidade ou distância do mercado - impõe-se à família através da TV, anulando os rituais fundados no afeto e na cumplicidade de sangue.
Respondo: Justamente esse é o objetivo, pois anulando os chamados rituais fundados no afeto e na cumplicidade de sangue, permite uma liberdade egoísta, individualista e hedonista na busca da própria satisfação. Tudo causado pelo abandono paterno (pensão), materno (trabalho).
Já não vigora a autoridade paterna a decidir o que, na TV, convém ou não às crianças. Nem há debate familiar. Cada um decide, a seu bel prazer, o tempo e o conteúdo de sua voluntária sujeição à TV, em detrimento de diálogo familiar, leitura, oração, diversão, exercício físico ou desempenho social (visitas, frequência ao clube, biblioteca, teatro etc).
Respondo: Os debates são em torno de questões pertinentes a compra e recompra da confiança e da segurança, ou seja, use preservativo, traga seu parceiro para ter relações no seu quarto, se engravidar aborte etc.
A família atual tende a ignorar seus parentes, não se interessa por eles, embora alimente grande apreço pelos novos "parentes" a quem, quase diariamente, abre portas e corações: William Bonner e Fátima Bernardes; Hebe Camargo e Faustão; Luciano Huck e Luciana Gimenez; Datena e Boris Casoy; e toda a plêiade de heróis e heroínas de telenovelas, programas infantis e desenhos animados.
Respondo: Todos buscam seus pares, ou seja, seus afins, em bares, boates, clubes. Há necessidade de admirar e ser admirado por alguém, já que o pai só serve para pagar pensão e a mãe para ralar no trabalho e na cozinha.
Esses novos tios e tias têm a vantagem de serem sempre divertidos e educados; não pedem dinheiro emprestado, não bebem as nossas bebidas nem comem a nossa comida; não ocupam espaço; não nos convocam às suas doenças; mostram-se sempre saudáveis e risonhos; são ricos e famosos. Como a realidade é cada vez mais virtual, podemos até sentir-lhes o perfume...
Respondo: O virtual é muito melhor que o real, pois pode ser corrigido em um rápido delete. Muito diferente da chatice do pai e da mãe sempre ausentes mesmo que presentes.
Freud ficaria confuso se voltasse hoje. Já não temos necessidade de "matar o pai" ou "odiar o irmão". Basta discar o número fatal que exclui um "brother" ou trocar de canal a cada vez que aquele chato ou aquela megera aparece no vídeo.
Respondo: Freud teria muito campo de trabalho, pois naquela época tinha que garimpar por pessoas problemáticas, hoje material farto e abundante nas clínicas e igrejas prometedoras de curas, milagres e prosperidade.
Todas as noites milhões de telespectadores se nutrem abnegadamente dessa sopa de entretenimento - telenovelas, programas humorísticos, esportivos etc. - temperada de tudo isso que falta à sua vida real: o grande amor, a emoção, o desafio, o ideal, a beleza, a roda da fortuna...
Respondo: O que falta a vida real é cair na realidade e perceber que o ser humano não passa de objeto, pois se na época de Marx valia-se pela mais valia, hoje não vale nada.
E la nave va. A vida prossegue. Por dentro da TV. Do lado de fora, demitidos do papel de protagonistas, de sujeitos históricos, aceitamos ser meros espectadores instados a consumir. Ou melhor, a conjuntamente sumir. E deixar que ídolos virtuais vivam por nós.
Parabéns Frei Betto. Que sua visão realista sirva para retirar as viseiras que carregamos orgulhosos.
Faço minhas as palavras do Sérgio Guimarães S.V.: "fim dos texto e não entendi bulufas. por uma questão de lealdade, já que a ocasião se apresentou, devo dizer que não tomei conhecimento do aviso e prossigo copiando e repassando as matérias, sem fins lucrativos, claro!, como fazia antes. sou um não conformista, um heterodoxo e um rebelde, e defendo a tese de que todo trabalho intelectual é patrimônio da humanidade. deveras, não esperava uma atitude dessa tomada por um religioso dominicano. em que pese tal fato, a admiração e respeito permanecem, prosseguem. lamento. um cristão comunista ou um comunista cristão, como queiram".
Dora Prado Pecci
O impedimento da reprodução do artigo colocado em letras chamativas mostra que além de semear estrelas, podemos insinuar um pouco de estrelismo.
Um abraço cordial, Paulo Henrique
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