Irã: quem atira a primeira pedra?
- Detalhes
- Frei Betto
- 02/06/2010
O presidente Lula empreendeu uma delicada operação diplomática para evitar que o Irã utilize a energia nuclear para fins bélicos. As nações mais poderosas do mundo, capitaneadas pelos EUA, logo expressaram sua indignação e discordância: como um "paiseco" como o Brasil ousa querer ditar regras na política internacional?
Marx, Reich e Erich Fromm já nos haviam prevenido que preconceito de classe costuma ser um tabu arraigado. Como alguém que nasceu na cozinha tem o direito de ocupar a sala de jantar?
Pelo critério de George Bush, lamentavelmente preservado por Obama, o Irã faz parte das nações que integram o "eixo do mal". Não morro de amores pela terra dos aiatolás, considero o governo iraniano uma autocracia fundamentalista e discordo do modo patriarcal que o Irã trata as suas mulheres, como seres de segunda classe. Diga-se de passagem, assim também faz o Vaticano, razão pela qual as mulheres são impedidas de acesso ao sacerdócio.
Mas não custa questionar o cinismo dos senhores do mundo com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU: por que Israel tem o direito de possuir arsenal nuclear e o Irã não? Ele jogaria uma bomba nuclear sobre outras nações? Ora, isso os EUA já fizeram, em 1945, sacrificando milhares de vidas inocentes em Hiroshima e Nagasaki.
O Irã desencadearia uma guerra mundial? Ora, o Ocidente civilizado já promoveu duas, a segunda vitimando 50 milhões de pessoas. O nazismo e o fascismo surgiram no Oriente? Todos sabemos: foram criação diabólica de dois países considerados altamente civilizados, Alemanha e Itália.
Os árabes, ao longo de 800 anos, ocuparam a Península Ibérica. Deixaram um lastro de cultura e arte. A Europa ocupou e saqueou a África e a Ásia, e o lastro é de miséria, mortandade e extorsão. O Irã é uma ditadura? Quantas não foram implantadas na América Latina pela Casa Branca? Inclusive a do Brasil, que durou 21 anos (1964-1985). Há pouco, a Casa Branca apoiou o golpe militar que derrubou o governo democrático de Honduras.
Fortalecido belicamente o Irã poderia ocupar países vizinhos? E o que dizer da ocupação usamericana de Porto Rico, desde 1898, e agora do Iraque e do Afeganistão? E com que direito os EUA mantêm uma base naval, transformada em cárcere clandestino de supostos terroristas, em Guantánamo, território cubano?
Respaldado em que lei internacional os EUA implantaram 700 bases militares em países estrangeiros? Só na Itália existem 14. Na Colômbia, 5. E quantas bases militares estrangeiras há nos EUA?
Há que se admitir: o Irã não está preparado para se integrar ao seio das nações civilizadas... Nações que financiam, pelo consumo, os cartéis das drogas, tratam imigrantes estrangeiros como escória da humanidade, fazem do consumismo o ideal de vida.
E convém lembrar: fundamentalismo não é apenas uma síndrome religiosa. É, sobretudo, uma enfermidade ideológica, que nos induz a acreditar que o capitalismo é eterno, fora do mercado não há salvação e que a desigualdade social é tão natural quanto o inverno e o verão.
Lula candidato era discriminado pelo elitismo brasileiro por não dominar idiomas estrangeiros. Surpreendeu a todos por falar a linguagem dos pobres e revelar-se exímio negociador em questões internacionais.
Sem o apoio do Brasil não avançaria essa primavera democrática que, hoje, semeia esperança de tempos melhores em toda a América Latina. Os eleitores dão as costas às velhas oligarquias políticas e escolhem governantes progressistas.
Essa nova geopolítica latino-americana, que oficializará em 2011 a União das Nações Latino-Americanas e Caribenhas, certamente preocupa Washington. A crise financeira bate as portas das nações mais poderosas do mundo e a Europa entra num período de recessão. O livre mercado, o Estado mínimo, a moeda única (euro), a ciranda especulativa, mergulham numa crise sem precedentes.
Tudo indica que, daqui pra frente, o mundo será diferente. Se melhor ou pior, depende do resultado do embate entre duas forças contrárias: os que pensam a partir do próprio umbigo, interessados apenas em obter fortunas, e os que buscam um projeto alternativo de sociedade, menos desigual e mais humano. É a antiética em confronto com a ética.
Frei Betto é escritor, autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/
Copyright 2010 – FREI BETTO - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)
{moscomment}
Comentários
Maria Virgínia: todo governo tem algo de narcisista e quer permanecer no poder. Quanto a ditadura, só se for a ditadura do voto. Por outro lado, a corrupção, além de histórica e cultural, e até por isso mesmo, é uma responsabildade de todos nós, brasileiros.
Adilson Dias: com todo o respeito por vc e demais missivistas, quero dizer que todos nós, oriente e ocidente, ainda tratamos muito mal as mulheres, impondo-lhes restrições tanto na vida pessoal quanto profissional, variando isso de cultura para cultura.
Frei Betto: o articulista fez a síntese de um balanço que nos coloca a todos no mesmo barco: ocidente e oriente fizeram grandes coisas e erraram barbaramente muitas vezes, e a força bruta foi o denominador comum para impor uma cultura à outra. Já sabemos que a guerra sempre foi uma estupidez, mas como instrumento para a busca do futuro é cada vez mais inútil, e a única saída é a tolerância e o diálogo. É difícil, mas é a única saída para um mundo cada vez mais consciente de sua vulnerável humanidade.
Quanto à conduta popular e populista do nosso governo, dita tão diplomática e resolutiva, tenho lá minhas dúvidas se, de fato, por trás de tanta diplomacia não existe a mesma intenção ditatorial e narcizista de se manter no poder a qualquer preço.Inclusive do altíssimo custo que pagamos pela corrupção solta pelo país, cujos impostos já não dão conta de cobrí-la! temos seríssimos problemas sociais que se avolumaram nos últimos tempos, independentemente de qualquer legenda partidária! Nosso umbigo é o nosso cenário que está de fora há muito tempo!Quantas vidas não se perdem pela extorção dos recursos do povo, e quantos corruptos têm suas cabeças alisadas e SALVAS por intenções políticas que não compreendemos de imediato? Seria a lei de Maquiavel na qual os fins justificam quaisquer meios?
Fica aí a minha pergunta.
Abraços, Frei.
So fã do FREI BETTO!
Parabéns, acertou a mão de novo. Muito bom!
NOME:Jackeilson felismino da silva Nº27 SÉRIE 1º'A'
Portanto Frei não somos nós muçulmanos, que tratamos as mulheres como seres de segunda, mas gostaria de lembrá-lo que "Deus" a fez da costela do Adão, que já existia como homem primeiro.
Mas parabenizo o pelo brilhante artigo.
Geane Fernandes dos Santos nº22
Maria Auxiliadora nº33
Quem atira a primeira pedra?
O presidente Lula empreendeu ao Irã uma operação diplomática para que o Irã não utiliza-se enrgia nuclear.Um dos critérios usados por George Bush foi usado como um levantamento preservado por Obama que faz parte do eixo do mal.O Irã desencadiou duas guerras mundiais.
Os Arábes ocupavam a penísula Ibérica que deixaram lastros de cultura e de artes.A europa ocupou e saqueou a Ásia e a África com lastros de miséria,mortandade e exorção.A nova geopolítica latino-americana vai surgir no ano de 2011, com a união dos latino-americanas e Caribenhas.Isso indica que o mundo vai ser diferente.Melhor ou pior, vai depender da força dos embates.
Assine o RSS dos comentários