Socialismo e liberdade
- Detalhes
- Frei Betto
- 08/06/2010
O socialismo é estruturalmente mais justo que o capitalismo. Porém, em suas experiências reais não soube equacionar a questão da liberdade individual e corporativa. Cercado por nações e pressões capitalistas, o socialismo soviético cometeu o erro de abandonar o projeto originário de democracia proletária, baseado nos sovietes, para perpetuar a maldita herança da estrutura imperial czarista da Rússia, agora eufemisticamente denominada "centralismo democrático".
Em países como a China é negada à nação a liberdade concedida ao capital. Ali o socialismo assumiu o caráter esdrúxulo de "capitalismo de Estado", com todos os agravantes, como desigualdade social e bolsões de miséria e pobreza, super-exploração do trabalho etc.
Não surpreende, pois, que o socialismo real tenha ruído na União Soviética, após 70 anos de vigência. O excessivo controle estatal criou situações paradoxais, como o pioneirismo dos russos na conquista do espaço. No entanto, não conseguiram oferecer à população bens de consumo elementares de qualidade, mercado varejista eficiente e uma pedagogia de formação dos propalados "homem e mulher novos".
Nesse cenário, Cuba é uma exceção. Trata-se de uma quádrupla ilha: geográfica, política (é o único país socialista da história do Ocidente), econômica (devido ao bloqueio imposto criminalmente pelo governo dos EUA) e órfã (com o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim, em 1989, perdeu o apoio da extinta União Soviética).
O regime cubano é destaque no que concerne à justiça social. Prova disso é o fato de ocupar o 51º lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) estabelecido pela ONU (o Brasil é o 75º) e não apresentar bolsões de miséria (embora haja pobreza) nem abrigar uma casta de ricos e privilegiados. Se há quem se lance no mar na esperança de uma vida melhor nos EUA, isso se deve às exigências, nada atrativas, de se viver num sistema de partilha. Viver em Cuba é como habitar um mosteiro: a comunidade tem precedência sobre a individualidade. E é preciso considerável altruísmo.
Quanto à liberdade individual, ela jamais foi negada aos cidadãos, exceto quando representou ameaça à segurança da Revolução ou significou empreendimentos econômicos sem o devido controle estatal. É inegável que o regime cubano teve, ao longo de cinco décadas (a Revolução completou 50 anos em 1º de janeiro de 2009), suas fases de sectarismo, tributárias de sua aproximação com a União Soviética.
Porém, jamais as denominações religiosas foram proibidas, os templos fechados, os sacerdotes e pastores perseguidos por razões de fé. A visita do papa João Paulo II à Ilha, em 1998, e sua apreciação positiva sobre as conquistas da Revolução, mormente nas áreas de saúde e educação, o comprovam.
No entanto, o sistema cubano dá sinais de que poderá equacionar melhor a questão de socialismo e liberdade através de mecanismos mais democráticos de participação popular no governo, a flexibilização do monopartidarismo, maior rotatividade no poder, de modo que as críticas ao regime possam chegar às instâncias superiores sem que sejam confundidas com manifestações contra-revolucionárias. Sobretudo na área econômica, Cuba terá de repensar seu modelo, facilitando à população acesso à produção e consumo de bens que englobam desde o pão da padaria da esquina às parcerias de empresas de economia mista com investimentos estrangeiros.
No socialismo não se trata de falar em "liberdade de" e sim em "liberdade para", de modo que esse direito inalienável do ser humano não ceda aos vícios capitalistas que permitem que a liberdade de um se amplie em detrimento da liberdade de outros. O princípio "a cada um, segundo suas necessidades; de cada um, segundo suas possibilidades" deve nortear a construção de um futuro socialista em que o projeto comunitário seja, de fato, a condição de realização e felicidade pessoal e familiar.
Frei Betto é escritor, autor de "A mosca azul – reflexões sobre o poder" (Rocco), entre outros livros.Website: http://www.freibetto.org/
Twitter - @freibetto
Copyright 2010 – FREI BETTO - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)
{moscomment}
Comentários
Que bom que \"o sistema cubano dá sinais de que poderá equacionar melhor a questão de socialismo e liberdade\"!!!!!!! Concordo, principalmente, quando foi ressaltado, com muita sabedoria neste artigo: \"sobretudo na área econômica, Cuba terá de repensar seu modelo (...)\" Tais possibilidades nos traz uma imensa alegria - inexplicável sentimento, para alguém, como eu, que nunca vivi essa realidade, nem sequer conheço esse país, mas que um dia me apaixonei pela história do seu povo...
Cuba reabriu economicamente o país para o mundo, desde o fim da União Soviética - devido a falta do subsídio e declínio da sua economia. Mas com o bloqueio econômico dos EUA - alegando desrespeito contínuo de direitos humanos pelo regime castrista, embora a ONU não reconheça tais violações - o país vive isolado economicamente, passando por muitas dificuldades. O embargo, na realidade, é pressão de comunidades anti-cubanas residentes em Miami...
Assim sendo, essas dificuldades fazem com que o povo cubano seja sacrificado, privando a população ao acesso à produção e ao consumo de bens de primeira necessidade - exemplo disso é o racionamento do pão, leite(liberado apenas p/ crianças até 5 anos e idosos, se não me engano...)dentre outros.
Apesar de nossos sonhos humanitários - que promovam a igualdade social, política e jurídica para todos os cidadãos - não podemos mudar a realidade: vivemos em um mundo capitalista... E,no nosso caso, em um país onde a direita e esquerda é bastante discutível... Nos resta, então, conquistarmos a verdadeira DEMOCRACIA que sonhamos e a EDUCAÇÃO desejada, para que aprendamos a diminuir o consumo exagerado - já conquistada em muitos países europeus...
Mas é certo, para mim, que precisam ser complementados por uma análise das condições reais em que a prática de um governo socialista se deixou permear pelos reclamos de liberdade e pluralismo, para finalmente, dar no que deu... O exemplo da experiência de Allende, no Chile, é o mais emblemático.
João Carlos Bezerra de Melo
Assine o RSS dos comentários