Violências contra a mulher
- Detalhes
- Frei Betto
- 16/07/2010
O hediondo crime que envolve o goleiro Bruno – a mulher, após ser assassinada, teve o corpo destroçado e devorado por cães, segundo denúncia – é a ponta do iceberg de um problema recorrente: a agressão masculina à mulher.
Entre 1997 e 2007, segundo o Mapa da Violência no Brasil/2010, 41.532 mulheres foram assassinadas no país. Um índice de 4,2 vítimas por cada grupo de 100 mil habitantes, bem acima da média internacional. O Espírito Santo apresenta o quadro mais grave: 10,3 assassinatos de mulheres/100 mil.
O Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo identifica como assassinos maridos, ex-maridos e namorados inconformados com o fim da relação. Ao forte componente de misoginia (aversão à mulher), acresce-se a prepotência machista de quem se julga dono da parceira e, portanto, senhor absoluto sobre o destino dela.
A Central de Atendimento à Mulher (telefone 180) recebeu, nos primeiros cinco meses deste ano, 95% mais denúncias do que no mesmo período do ano passado. Mais de 50 mil mulheres denunciaram agressões verbais e físicas. A maioria é de mulheres negras, casadas, com idade entre 20 e 45 anos e nível médio de escolaridade. Os agressores são, em maioria, homens com idade entre 20 e 55 anos e nível médio de escolaridade.
Acredita-se que o aumento de denúncias se deve à Lei Maria da Penha, sancionada em 2006 pelo presidente Lula, e que aumenta o rigor da punição aos agressores. Apesar desse avanço, tudo indica que muitos lares brasileiros são verdadeiras casas dos horrores. A mulher é humilhada, destratada, surrada, por vezes vive em regime de encarceramento virtual e de semi-escravidão no trabalho doméstico. Sem contar os casos de pedofilia e agressão sexual de crianças e adolescentes por parte do próprio pai.
A violência contra a mulher decorre de vários fatores, a começar pela omissão das próprias vítimas que, dependentes emocional e financeiramente do agressor, ou em nome da preservação do núcleo familiar, ficam caladas ou dominadas pelo pavor frente aos efeitos de uma denúncia. Soma-se a isso a impunidade. Eliza Zamudio, ex-namorada do goleiro Bruno, teria recorrido à Delegacia de Defesa da Mulher, sem que sua queixa tivesse sido levada a sério. Raramente o poder público assegura proteção à vítima e é ágil na punição ao agressor.
A violência contra a mulher não ocorre apenas nas relações interpessoais. Ela é generalizada pela cultura mercantilizada em que vivemos. Basta observar a multiplicidade de anúncios televisivos que fazem da mulher isca pornográfica de consumo.
Pare diante de uma banca de revistas e confira a diversidade do "açougue" fotográfico! Preste atenção nos papéis femininos em programas humorísticos. Ora, se a mulher é reduzida às suas nádegas e atributos físicos, tratada como "gata" ou "avião", exposta como mero objeto de uso masculino, como esperar que seja respeitada?
Nossas escolas, de uns anos para cá, introduziram no currículo aulas que abordam o tema da sexualidade. Em geral se restringem a noções de higiene corporal para se evitarem doenças sexualmente transmissíveis. Não tratam do afeto, do amor, da alteridade entre parceiros, da família como projeto de vida, da irredutível dignidade do outro, incluídos os/as homossexuais.
Nas famílias, ainda há pais que conservam o tabu de não falar de sexo e afeto com os filhos ou julgam melhor o extremo oposto, o "liberou geral", a total falta de limites, o que favorece a erotização precoce de crianças e a promiscuidade de adolescentes, agravada pelos casos de gravidez inesperada e indesejada.
Onde andam os movimentos de mulheres? Onde a indignação frente às várias formas de violência contra elas?
Os clubes esportivos deveriam impor a seus atletas, como fazem empresas e denominações religiosas, um código de ética. Talvez assim a fama repentina e o dinheiro excessivo não virassem a cabeça de ídolos de pés de barro...
Frei Betto é escritor, autor de "Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira" (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter:@freibetto
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Comentários
Quando um movimento de mulheres, em especial o feminista, não está tendo o seu posicionamento alvoroçado na mídia, pode ter certeza que também a mídia hegemônica não deseja vender nada com esse posicionamento. Pois o posicionamento das mulheres que lutam por emancipação de mulheres e por uma sociedade não violenta geralmente é autônomo, empoderado e liberta demais, sem mais uma vez objetivar a imagem da mulher e sem fazer os sensacionalismos que os oportunistas de plantão fazem.
Sobre o comentário de que nunca existirá na Igreja uma Pastoral feminista, nesse momento provavelmente é verdade. Mas, temos tentado, e pelas mesmas razões expostas pelas comentaristas desse artigo, não somos vistas e não somos aceitas porque somos autônomas demais, livres demais, pensamos e falamos demais (para eles) e causamos problemas às diversas hierarquias impostas na sociedade patriarcal e capitalista.
Mas, \"nunca\" vai existir é uma expressão muito forte. Nós também, militantes cristãs, estamos em todas as partes, invisibilizadas, mas fazendo a nossa parte, à qual não nos furtamos e achamos que o espaço das pastorais e das igrejas são plenos para fazer crescer nossas redes de liberdade, justiça e autonomia, porque, pela dialética sabemos, são os lugares de maior violação dos direitos de livre pensar, livre manifestação das idéias, do acesso ao empoderamento e alternativas forma de poder por parte de mulheres simples, comuns, cotidianas.
As ameaças de calar a Pastoral Feminista em diáspora são grandes...mas resistimos, muitas vezes abandonadas e sofendo preconceitos dos próprios movimentos de mulheres. Precisamos caminhar juntas nos valorizando, nos visibilizando, nos querendo bem e nos empoderando umas às outras porque desistir de ocupar esses espaços eclesiais é também desistir das mulheres que ainda creem e fazem parte deles.
NÃO ÀS FORMAS MORAIS E PSICOLÓGICAS DE VIOLÊNCIA àS MULHERES.
Bernadete
Os movimentos de mulheres, frei Betto estão em todas as partes. Estão nos quilombos, nas comunidades, nos foruns sociais, nas porcarias dos partidos políticos, nas bandas punk, no hip hop, nos assentamentos, nas ocupações, nas salas de aula.
Se não têm uma presença midiática como você é porque os patriarcas detentores do poder de mostrar o que querem que seja visto odeiam que mulheres tornando-se agentes sociais, donas do próprio discurso sejam vistas – e assim passem a ter uma “existência” e um “onde estar” dentro dos critérios do império midiático do que seja um “real” existir.
Mas apesar de “mulheres” não serem propriamente um sujeito político, a ideologia que move esses movimentos extrapola a luta por igualdade racial, por creches, por moradia, por terra, contra os desertos verdes e os transgênicos, pelo direito ao próprio corpo. As ideologias maiores que os movem chamam-se feminismos, ainda que muitas das mulheres desses movimentos não se intitulem feministas.
O que você tem que perguntar, frei Betto, é por que a mídia boicota sistematicamente as mulheres que não estejam posando nuas ou fazendo o jogo dos dominadores.
O que você tem que perguntar, frei Betto, é por quê as mulheres desses movimentos, muitos deles sem dúvida herdeiros das comunidades eclesiásticas de base, não sabem que são feministas e por isso não radicalizaram ainda mais suas práticas cotidianas e suas agendas políticas.
Uma das respostas `a sua arrogante pergunta seria : estão ainda debaixo das saias dos padres, por isso não têm uma força revolucionária capaz de fazer tremer ainda mais os pilares dessa sociedade racista, patriarcal e feminicida em que- exiladas de nós mesmas- resistimos.
O que vale, frei Beto é que uma Pastoral Feminista nunca há de existir.
De minha arte, cumpro o dever cidadão de denunxciar que uma delas (ou várias) é erpetrada secularmente pelas instituições religiosas, mesmo aquelas que têm setores chamados progressitas em seu seio.
A Igreja Católica, de forte influência na nossa cultura, a meu ver, tem grande responsabilidade, nesta situação, é bom que ressalte-se.
Creio também, que as escolas como são cosntituídas hoje, como meros balcoes de correição das crianças, na reprodução do nosso modelo de sociedade, não tem como abordar algo sobre o Amor, a não ser por iniciativas individuais e abnegadas de aguns de seus funcionários e professores.
Mas, o chato é que as Famílias também estão abandonar as práticas amorosas iunterfamiliares e interpessoais.
O imbróglio é grande, mas acho que a parte boa é a consciência de todos, que as crianças e adolescentes (cada faixa com as suas necessidades e alcance específico)necessitam ouvir falar e falar sobre sexo nas aulas, mesmo que seja pelo lado da saúde pública, desde que não descambe pelo asceticismo e "higienização" social.
E também acho que não existe apenas o abandono total dos limites ou a alienação ao assunto. Existem também os pais que praticam abertamnente a Repressão Sexual (a maioria incentivados pelas suas Igrejas), mas há ambém ais razoáveis que não "desandam" com o assunto.
O caminho conra o "liberou geral", certamente não é o "censurou geral", ou o reconceito contra o prazer sexual consentido sob quaiquer formas e em pessoas adultas e donas dos seus próprios.........narizes.
Dec outra forma, caímos na ladainha doutrinária.
É que está NO TEXTO da Lei que ela só é válida para vítimas se forem da família ou de uma união estável, portanto não sendo aplicável para as chamadas (não por mim) vagabundas da difícil vida fácil.
Como a Elisa Samudio declarou que apenas tinha "ficado" e ter tido uma relação de natureza apenas sexual com o jogador, foi mandada cantar (denunciar) em outra freguesia, pois a Lei Maria da Penha, pelo visto, é só para "gente decente".
Assim, indo para uma delegacia comum, entrou na fila e seu caso não foi sequer avaliado, terminando esta moça, provavelmente, em uma agressão macabra, levada a cabo por heróis psicopatas.
A Lei Maria da Penha, assim como a maioria das chamadas Leis Compensatórias, de forma covarde faz a compensação, mas só para quem é "direito" ou tem lobby nos poderes do país.
É uma boa tática que o Sistema usa, a do rebaixamento das abrangências, quando vê que é inevitável algumas medidas de proteção aos mais fracos e desamparados.
A Lei Maria da Penha, na verdade, transforma-se assim apenas em mais um Remendo Moralista, para algo que TODAS as pessoas deveriam ter acesso automático, rápido e permanente, isto é, à sua integridade física e moral.
Admiro muito que a própria sra. Maria da Penha não ter, ela mesma, se insurgido contra esta hipocrisia legal, que leva o seu nome.
Parafraseando Einstein: Eu não sei se o Universo é Infinito, mas a estupidez humana, tenho a certeza que não tem fim"
*Raymundo Araujo Filho é médico veterinário homeopata e lamenta que fiquemos ao sabor do moralismo, travestido de protetor, mas só de pessoas "decentes".
Se quiser visualizar bela ilustração - Maria Madalena de Leonard Da Vinci - vá em http://titaferreira.multiply.com/market/item/1828
P.S. - è horrível alguém impor copy right para artigos políticos e de opinião. Publicarei em outros sítios, sem pedir licensa.
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