Ateísmo militante
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- Frei Betto
- 29/10/2010
No decorrer da campanha presidencial afirmei, em artigo sobre Dilma Rousseff, que ela nada tem de "marxista ateia" e que "nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar com violência os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte".
O texto provocou reações indignadas de leitores, a começar por Sr. Gerardo Xavier Santiago e Daniel Sottomaior, dirigentes da ATEA (Associação Nacional de Ateus e Agnósticos).
Desfruto da amizade de ateus e agnósticos e pessoas que professam as mais diversas crenças. Meus amigos ateus leram o texto e nenhum deles se sentiu desrespeitado ou comparado a torturadores.
O que entendo por "ateísmo militante"? É o que se arvora no direito de apregoar que Jesus é um embuste ou Maomé um farsante. Qualquer um tem o direito de descrer em Deus e manifestar essa forma negativa de fé. Não o de desrespeitar a crença de cristãos, muçulmanos, judeus, indígenas ou ateus.
A tolerância e a liberdade religiosas exigem que se respeitem a crença e a descrença de cada pessoa. Defendo, pois, o direito ao ateísmo e ao agnosticismo. Minha dificuldade reside em acatar qualquer espécie de fundamentalismo, seja religioso ou ateu.
Sou contrário à confessionalidade do Estado, seja ele católico, como o do Vaticano; judeu, como Israel; islâmico, como a Arábia Saudita; ou ateu, como a ex-União Soviética. O Estado deve ser laico, fundado em princípios constitucionais e não religiosos.
Não há prova científica da existência ou inexistência de Deus, lembrou o físico teórico Marcelo Gleiser no encontro em que preparamos o livro "Conversa sobre Ciência e Fé" (título provisório), que a editora Agir publicará nos próximos meses. Gleiser é agnóstico.
Assim como não tenho direito de considerar alguém ignorante por ser ateu, ninguém pode "chutar a santa" (lembram do caso na TV?) ou agredir a crença religiosa de outrem. Por isso, defendo o direito ao ateísmo e me recuso a aceitar o ateísmo militante.
Advogar o fim do ensino religioso nas escolas, a retirada dos crucifixos nos lugares públicos, o nome de Deus na Constituição e coisas do gênero, nada têm de ateísmo militante. Isso é laicismo militante, que merece minha compreensão e respeito.
O Deus no qual creio é o de Cristo, conforme explicito no romance "Um homem chamado Jesus" (Rocco). É o Deus que quer ser amado e servido naqueles que foram criados "à sua imagem e semelhança" – homens e mulheres.
Não concebo uma crença abstrata em Deus. Não presto culto a um conceito teológico. Nem me incomodo com os deuses negados por Marx, Saramago e a ATEA. Também nego os deuses do capital, da opressão e da Inquisição. O princípio básico da fé cristã afirma que o Deus de Jesus é reconhecido no próximo. Quem ama o próximo ama a Deus – ainda que não creia. E a recíproca não é verdadeira.
Ateísmo militante é, pois, profanar o templo vivo de Deus: o ser humano. É isso que praticam torturadores, opressores e inquisidores e pedófilos da Igreja Católica. Toda vez que um ser humano é seviciado e violentado em sua dignidade e direitos, o templo de Deus é profanado.
Prefiro um ateu que ama o próximo a um devoto que o oprime. Não creio no deus dos torturadores e dos protocolos oficiais, no deus dos anúncios comerciais e dos fundamentalistas obcecados; no deus dos senhores de escravos e dos cardeais que louvam os donos do capital. Nesse sentido, também sou ateu.
Creio no Deus desaprisionado do Vaticano e de todas a religiões existentes e por existir. Deus que precede todos os batismos, pré-existe aos sacramentos e desborda de todas as doutrinas religiosas. Livre dos teólogos, derrama-se graciosamente no coração de todos, crentes e ateus, bons e maus, dos que se julgam salvos e dos que se crêem filhos da perdição, e dos que são indiferentes aos abismos misteriosos do pós-morte.
Creio no Deus que não tem religião, criador do Universo, doador da vida e da fé, presente em plenitude na natureza e nos seres humanos.
Creio no Deus da fé de Jesus, Deus que se aninha no ventre vazio da mendiga e se deita na rede para descansar dos desmandos do mundo. Deus da Arca de Noé, dos cavalos de fogo de Elias, da baleia de Jonas. Deus que extrapola a nossa fé, discorda de nossos juízos e ri de nossas pretensões; enfada-se com nossos sermões moralistas e diverte-se quando o nosso destempero profere blasfêmias.
Creio no Deus de Jesus. Seu nome é Amor; sua imagem, o próximo.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e Espiritualidade" (Vozes), entre outros livros.
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Comentários
Começou com o voto envergonhado, de alguns, em Dilma, citando apenas ser contra o Serra (não foi o caso do Frei Beto, que considero de um adesismo religioso ou militar- no sentido de disciplinado). Mesmo com as ressalvas que faz em linguagem cifrada, para não se exceder em críticas ao Lulla e tudo que ele gerou.
"Ateísmo Militante" é uma expressão incoveniente, discricionária e preconceituosa. E ponto final e sob qualquer exegese linguística ou filológica.
Mas, Frei Beto não se contenta com isso.
Diz que não se pode admitir que se "chute a santa". Como não? Podes não gostar, mas é uma forma de expressão como outra qualquer.
Pense em um artista que queira se expressar e escreve uma peça de teatro que tem uma cena em que uma santa é chutada e apresenta -a nas ruas. O Estado tem obrigação de proteger esta livre expressão.
ual o problema? Temos ou não a livre expressão assegurada na Constitução? Ou o que vale é o moralismo de cada um?
Outrossim, chutar a santa é tão inofensível quanto alguém achar outro ignorante, por ser ateu. Qual o problema? No mínimo se estabelecerá uma boa discussão de valores.
Chega de moralismo disfarçado! Sou amigo e interlocutor de várias pessoas que têm Fé Religiosa. Respeito cada um em sua Fé, e sou respeitado pelo meu Agnosticsmo Militante, pois sequer acho importante a discussão se Deus existe ou não. Na verdade, tenho outras preocupações, que considero mais importantes, do ponto de vista prático ou mesmo da divagação filosófica.
Com os que compartilho amizade e que têm Fé, nos encontramos em planos muito mais objetivos ou mesmo subjetivos, mas respeitosos em nossos foros íntimos, ao contrário deste deste doutrinarismo do Frei Beto pretende, a meu ver, de forma até arrogante.
E lembro que grande parte dos torturadores, corruptos, políticos e ladrões em geral, compartilham da Fé Religiosa, como o Frei Beto, e muitos sob a mesma Igreja. E sequer têm muito a ver uns com os outros e nem são diferenciados na Missa.
dom Pedro, e chenado lá o que ouviram de alguns presentes: voce são daquerle cidade que tem empresários e fazendeiros que mandam matar trabalhador por aqui. No massacre de carajás tem empre[arios dos frigoficos daqui que financiários varios assassinados. Padre Deusmar que acompanhaou a CPT diz na missa, tem muita gente aqui que toma confessão, rezam, comungam, e matam muita gente em ouros lugares. O relato desta luta esta em dois livros meus: Nossa Luta- 25 pt, e MST e CPT, nossa luta terra
Luiz Bento, um ateu convicto e fã parcial de algumas coisas que voce escreve
Define o “ateísmo militante” como a falta de respeito ao ser humano (“os templos vivos de Deus”), e atribui aos ateus os crimes daqueles que fazem parte da sua e de outras igrejas. Quem “chutou a santa” foi um pastor quem costuma agredir praticantes do camdomblé são os cristãos e com “bom cristão” o senhor agride a todos os ateus ao identificá-los como torturadores.
Sou atéia e respeito o próximo não por ele ser “o templo vivo de DEUS”, mas por reconhecer em cada vida um evento único e maravilhoso.
O senhor demonstra ser tão preconceituoso quanto qualquer inquisidor em cada pequena frase ("Dilma nada tinha marxista atéia" – e isto deve ser alívio para pessoas como o senhor)
Se ele disse que não pode provar a existência ou inexistência de deus, o mesmo pode ser a... papai noel!
Não esperava que tratasse os ateus dessa forma.
Além disso, quem foi que ensinou a ele o que é ´´deus`` ?
Se não foi a religião, me fale viu?!
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