Correio da Cidadania

Juntando os cacos

0
0
0
s2sdefault

 

Campanha eleitoral, apurado o resultado das urnas, funciona como abalo sísmico: súbito, o que era findou, a estrutura política se encontra alterada e o que será ainda não se firmou (o que só ocorrerá após 1o de janeiro de 2011).

 

Deveria existir uma psicanálise do poder, à qual Shakespeare e Machado de Assis dariam excelentes contribuições. Talvez exista. Eu é que, em minha sobeja ignorância, não a conheço.

 

Não é fato que o processo eleitoral tudo desarruma? É um festival de contradições e contrariedades: amigos se tornam inimigos; inimigos viram correligionários; irmãos discutem com irmãos; princípios ideológicos cedem lugar a interesses eleitoreiros; propostas são encobertas por meras promessas; o discurso ético quase nunca coincide com o modo como se financia a campanha...

 

E ainda há cidadãos que se recusam a votar, têm raiva de políticos, vociferam contra tudo e contra todos, esquecendo o elementar, meu caro Watson: o ódio destrói quem odeia e não quem é odiado. Este nem sequer fica sabendo das repetidas ofensas proferidas ao seu nome.

 

Terminado o pleito para as funções legislativas, cada candidato tem o direito de se olhar no espelho. Há eleitos que estufam o peito aliviados, sentem o doce beijo de Narciso – nem tanto como belo, e sim como poderoso – e se esquecem de reparar que, no fundo do espelho, há uma multidão de pessoas, seus eleitores, a quem devem a vitória eleitoral e a quem estão obrigados a não decepcionar.

 

Os derrotados se dedicam ao triste balanço: tanto esforço, tantas viagens e reuniões; tantos apertos de mãos e cafezinhos; e, sobretudo, tanto dinheiro despendido para... nada! Epa, não é bem assim! Para nada não. E o investimento eleitoral a longo prazo? Afinal, mereci uns tantos votinhos, tornei-me conhecido, criei uma potencial base de sustentação política. Claro, esperava mais, julgava-me mais elegível que outros concorrentes... Mas sei que não sou de se jogar fora. Quem sabe nas próximas eleições...

 

De fato, gastos eleitorais são pesados. Deus meu, quantas dívidas! Alguns candidatos derrotados sofrem de DPE: Depressão Pós-Eleitoral.

 

Mas não nos enganemos. Uns tantos derrotados fizeram seu pé de meia. É a tal "sobra de campanha". Sobra? Na verdade, quinhão retirado do milhão. Nada como um dinheirinho extra caído do céu. Ou melhor, das mãos dos eleitores. Com a vantagem de dispensar prestação de contas ou pagamento de tributos.

 

Após o bate-boca de quem foram os responsáveis pela derrota (a vitória é quase sempre exclusivamente do candidato), o prêmio de consolo de uns tantos é a tradicional boquinha assegurada por quem foi eleito. Não virei deputado ou senador, mas, felizmente, o companheiro ali agora é governador; aquele se elegeu senador; o outro, deputado. Quem sabe me consolam com uma nomeação! O dinheiro não sai mesmo do bolso deles. Vem dos cofres públicos. Se for preciso, até topo assinar receber 5, embolsar 3 e deixar 2 para o companheiro que agora me estende a mão...

 

Muitos vitoriosos não se agüentam de tanto convencimento. Adeus patrão, adeus relógio de ponto, adeus rotina! Agora é não pisar em falso para não cair do palanque. O que mais importa, desde hoje, é tratar de garantir a reeleição daqui a quatro anos.

 

Quem foi eleito para o Executivo trata de montar sua equipe de governo atento às alianças, aos correligionários bem votados, porém não eleitos, às promessas mais repetidas.

 

Os derrotados amargam a boca de fel. Como aconteceu? Tudo indicava que eu seria eleito. Cadê as pesquisas fajutas, os puxa-sacos, o coro do "já ganhou"? Ganhei foi experiência. E perdi meses dando braçadas, engolindo água, para na hora H morrer na praia.

 

E nós, eleitores? Votamos por votar ou estamos dispostos a cobrar duro de quem elegemos? Sim, sei que alguns foram às urnas porque a lei obriga. É o time do voto facultativo. Estou fora! Darei meu apoio a tal bandeira no dia em que pagar imposto também for facultativo. Por que devo sustentar economicamente a máquina do Estado e não decidir quem a ocupa?

 

Não basta delegar e se sentir representado. É preciso participar: fazer todo tipo de pressão sobre os eleitos, nossos servidores. E reforçar os movimentos sociais, a sociedade civil organizada, para que haja permanente controle social do poder público. Sobretudo, exigir transparência e competência.

 

Ah, a política...

 

Frei Betto é escritor, autor de "Cartas da Prisão" (Agir), entre outros livros.

Website: http://www.freibetto.org/

Twitter:@freibetto

 

Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).

 

{moscomment}

Comentários   

0 #4 A Batuta do BatuteiroRaymundo Araujo Filho 16-11-2010 09:59
Frei Beto, achando-se garantido elo copy right capitalista e usuroqdor de construções coletivas, como são as idéias, vocifera seu ódio cotra aqueles que, segundo a sua visão distorcida pela raiva, votaram Nulo "com ódio".

De minha parte, foi com muito amor que votei Nulo no segundo turno, tendo votado em uma pequena e mal conduzida (a meu ver) campanha do Ivan Pinheiro, no dep. Marcelo Freixo, apesar de sua assessoria polpitica junto ao Movimento Social de Niterói ser prá lá de aparelhista e na legenda para dep. federal.

Para nós, que somos livres de preconceitos e doutrinas seculares conservadoras, existem muitas formas de amar e manifestar o Amor. "Toda a maneira de amar vale a pena", desde que seja genuíno (e não Genoíno) Amor.

Tive avó materna católica ´raticante, mas na prática, frequrntadora de Igreja, e que nunca instou qualquer dos seus netos a terem Fé Religiosa. Tão somente nos mostrou em ATOS (e não em papo furado) o que significa o tão propalado Amor de Cristo. Independente da Fé Religiosa de cada um.

Ah! Sobre a ignorância assumida pelo Frei Beto sobre a tal análise Sheakesperiana-Machadista sobre Análise do Poder.

Na minha extrema benevolência intelectual faço-lhe aqui algumas recomendações, sem cobrar copy right e nem assessoriua...

A Psicologia de Massas do Fascismo - Wilhem Reich, psicanalista que foi durante 20 anos secretário do Instituto de Psicanálise de Freud, e que rompeu teoriucamente com ele, tendo sido assassinado em uma prisão dos EUA, sob a acusação de charlatanismo. Escreveu também, entre outros, A Função do Orgasmo, além de O Assassinato de Cristo.

Toda a Propriedade é Um Roubo - Joseph Proudhon, considerado o percurssor do Anarquismo como Teoria e Prática Política.

Aconselho a leitura destes dois livros, ouvindo a música O Menino da Porteira, em homenagem a eleita PresidentA DiLLma, pela decisão de doarem os ministérios para os aliados "com a porteira fechada", para facilitar a acomodação dos apaniguados. É a perfeita MeninA da Porteira....

P.S. - Dando destaque, é óbvio, à crítica que faço a mais este artigo do Frei Beto, comunco que estarei infringindo a Lei do Copy Right e estarei publicando, divulgando-a onde eu achar que devo.Quem sabe conhecerei Frei Beto em algum Tribunal, por ter sido processado por ele? Eu ia me divertir muito, tenho a certeza.
Citar
0 #3 Ivan 13-11-2010 18:32
Frei Betto,
acho então que você poderia começar nos falando como participar mais..já que nossa democracia restringe ao máximo a nossa participação nas tomadas de decisões da sociedade. Acho que é essa a grande barreira. De um lado, nós militantes lutando para que a população participe mais, e acima de nós, um sistema político excludente, que enraiza na população a visão de que votando a cada dois anos estamos cumprindo nosso dever de cidadão;como mudar essa cultura? Existem realmente esses mecanismos de maior participação popular?? o problema esta na população ou no sistema democratico? ou em ambos? para refletir e ajudar..valeria um artigo sobre os possiveis canais de participação..nao excluindo os partidos, mas indo p alem deles..um abraço!
Citar
0 #2 Juntar cacos.Paulo Renan Finholdt 11-11-2010 16:53
Se Mariana não proibe, nem faz obstrução, as palavras dela serão também minhas, até porque estou entendendo que, conforme ela colocou, ideias não são exclusivas e muitas vezes apreciadas pela beleza de sua apresentação, onde nossa sobeja ignorância dificilmente faria melhor.Frei Betto, sem freio seria extremamente simpático, cordial e difundido fraternalmente. Brilhe sempre sua luz, na paz de Cristo.
Citar
0 #1 Perfeito, mas....Mariana Freitas 10-11-2010 10:02
Ótimo artigo, como todos do Frei Betto. Claro, bem escrito, com uma certa cadência crítica que encanta. É o tipo de texto que você lê e pensa: "poxa vida, todas as pessoas deveriam ler esse texto!". Enfim...

Só uma coisa me entristece. Já ia copiá-lo para distribuir a meus contatos de e-mail quando li: "Copyright. Ah, uma pessoas tão libertárias ainda crê, em plea Era Digital, nessa coisa de direitos autorais? Tudo bem, a coisa não pode virar bagunça, mas podia pelo menos deixar o texto em Creative Commons e permitir sua perpetuação pelos jornalistas mais progressistas desse meu Brasil.

Vamos lá, Frei Betto. Sem ressentimentos, sou sua fã, mas...
Citar
0
0
0
s2sdefault