Governo Dilma e Brasil real
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- Frei Betto
- 16/11/2010
Findas as eleições e vitoriosa Dilma Rousseff, é hora de descer do palanque e encarar o Brasil real. Há muito a ser feito. Os dados abaixo são todos oficiais.
Em que pese os avanços sociais do governo Lula, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - PNAD 2009 -, do IBGE, divulgada a 8 de setembro, a renda média do brasileiro, calculada em R$ 1.106 em 2009, foi 2,2% inferior à de 2008.
Embora o rendimento real médio do trabalho tenha se elevado de R$ 1.082 (2008) para R$ 1.106 (2009) - alta de 2,2% -, esta variação ainda é inferior à da década de 1990, quando subiu, entre 1995 e 1998, de R$ 1.113 para R$ 1.121. Em 2009, a renda per capita dos 10% mais pobres cresceu apenas 1,5%, enquanto a média nacional foi de 2,4%.
Em 2009, trabalhavam no Brasil 101,1 milhões de pessoas. Metade na economia informal, sem carteira assinada. Comparado com o ano anterior, houve aumento do emprego com carteira assinada: de 58,8% (2008) para 59,6% (2009).
Porém, o desemprego teve alta de 18,5%. Em 2008, o índice foi de 7,1 milhões de desempregados. Em 2009, 8,4 milhões, acréscimo de 1,3 milhão de pessoas fora do mercado de trabalho.
O número de crianças no mercado de trabalho mereceu a significativa redução de 1 milhão. Em 2009, encontravam-se no mercado de trabalho 4,25 milhões de brasileiros entre 5 e 17 anos de idade. Comparado a 2008, menos 202 mil crianças e adolescentes. Embora no Nordeste tenha ocorrido um pequeno aumento entre jovens de 14 a 15 anos.
O índice de analfabetos de 2009 ainda é alto: 8,9% da população. Reduziu-se o número de analfabetos com mais de 15 anos de idade: de 10% da população (2008) passou para 9,7% (2009). E 1 em cada 5 brasileiros é analfabeto funcional, incapaz de redigir uma carta sem graves erros de concordância e sintaxe, e também sem condições de interpretar um texto.
Com o governo Lula, o Brasil avançou na redução da pobreza e da desigualdade social. Cerca de 20 milhões de pessoas deixaram a extrema miséria. Porém, houve queda, nos últimos anos, do ritmo de aumento da renda dos 10% mais pobres.
Em 2009, encontravam-se em extrema pobreza 8,4% dos brasileiros (15,96 milhões de pessoas), numa população de 190 milhões. No ano anterior a 2009, a pobreza extrema caiu 0,4%. De 2007 a 2008, havia decrescido 1,5%, três vezes mais. Portanto, o ritmo de desempobrecimento dos brasileiros foi reduzido.
É verdade que, graças à facilidade de crédito (o volume chegou a R$ 1 trilhão) e à crise financeira mundial, que obrigou muitos exportadores a destinarem seus produtos ao mercado interno, houve significativo aumento do consumo de bens duráveis: máquinas de lavar roupa, televisores, microcomputadores, celulares e aparelhos de DVD.
Hoje, 72% das moradias possuem tais equipamentos. O curioso é esta contradição: 59,1% dos domicílios brasileiros não dispõem de rede de esgoto, o que equivale a 34,6 milhões de moradias.
No governo Lula, aumentou o número de casas com abastecimento de água, coleta de lixo e energia elétrica. Mas recuou o índice das que são servidas por rede de esgoto (saneamento): de 59,3% (2008) caiu para 59,1% (2009). À falta de saneamentos são atribuídos 68% dos casos de enfermidades.
Após sete anos de queda, a taxa de fecundidade voltou a subir no Brasil. Passou de 1,89 filho por mulher (2008) para 1,94 (2009).
O Brasil tende a um perfil populacional acentuadamente de idosos. Em 2009, 11,3% dos brasileiros tinham 60 anos de idade ou mais. Isso significa aumento do custo da Previdência (que é um dos mecanismos de distribuição de renda) e da saúde pública.
Quem se deu muito bem na gestão Lula foram os bancos. Os lucros dos três maiores – Banco do Brasil, Itaú e Bradesco – somam R$ 167 bilhões na era Lula, alta de 420% comparada à era FHC (quando o lucro foi de R$ 32,262 bilhões).
As mazelas do Brasil têm razões estruturais. Nenhum governo, desde o fim da ditadura, em 1985, ousou promover reformas como a agrária, a tributária, a política, nem dos sistemas de saúde e educação. Enquanto não se mexer nessas estruturas e serviços, o país estará, como diz Jesus, pondo remendo novo em pano velho.
Espera-se que Dilma Rousseff mexa na estrutura da casa brasileira, sobretudo na fundiária e na tributária. A primeira, para dar fim à imensidão de terras ociosas e à miséria e ao êxodo rurais. A segunda, para que o peso maior dos impostos não continue recaindo sobre os mais pobres.
Frei Betto é escritor, autor de "A mosca azul – reflexão sobre o poder" (Rocco), entre outros livros. Blog: http://www.freibetto.org Twitter: @freibetto
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Comentários
A era Lula foi boa para a área econômica,embora o Bolsa Família tenha ajudado,deveria ser usado,para sueprir nec essidades do povo e não ser usado como unica fonte de renda durante o ano
Criar cursos técnicos e fornecer mão de obra aos brasileiros,tambem é uma forma de melhorar a educação e diminuir o desemprego.
a área ecaonômica
A fisionomia eleitoral que o Brasil acabou de revelar das urnas eletrônicas permite várias leituras e releituras nos mais variados campos do conhecimento e da ação humana.
Não fiz campanha contra a Dilma e na hora do voto, a foto do vice Michel Temer na urna eletrônica, somado a outros aspectos da vida partidária e dos enfrentamentos possíveis que não foram viabilizado pelo atual governo, me levou a votar mais uma vez no 50.
Mas confesso que fiquei contente com o embate político/teológico que tomou conta da campanha eleitoral. De um lado a mobilização da igreja progressista tendo a frente Leonardo Boff, Frei Beto, Pe José Geraldo e um militante de base da igreja José Antônio Moreira (Chininha), operário da Mercedes Benz que expressa seguramente a pureza e o encantamento que esse setor da igreja católica historicamente vem construído, denominada de Teologia da Libertação, que continua resistindo ao poder central do vaticano e a aliança com o capital. Do outro lado, A TFP(Tradição, Família, Propriedade), OPUS DEI, Bispos reacionários e até o Papa tentaram criminalizar e diretamente influenciar nas decisões dos fies católicos e eleitores do Brasil , favoravelmente a campanha tucana.
Há algumas décadas atrás o Cardeal Joseph Ratzinger impôs e silenciou o grande teólogo brasileiro Leonardo Boff, por conta de suas reflexões questionadoras de um modelo de igreja e da defesa intransigente dos empobrecidos pelo capitalismo. Era o período de efervescência das comunidades eclesiais de base, que desempenhou importante papel no processo de capilarização e politização do nosso povo. O Referido Cardeal tornou-se Papa, afastando ainda mais a igreja da libertação material que os pobres tanto necessitam. Durante a campanha troquei correspondência com o padre José Geraldo, da Arquidiocese de São Paulo, que por escrito expressou solidariedade a injusta condenação e inclusão no rol dos fichas sujas a que fui submetido, dando seu testemunho da nossa conduta ética ao longo da história de luta e compromisso junto a classe trabalhadora. Chegou até a questionar o posicionamento do partido Psol, pela negação na prática da defesa dos movimentos criminalizados , e pela troca do vice nas condições apresentadas.
Nesse embate eleitoral onde o pano de fundo foi à defesa ou não da descriminalização do aborto, enquanto os candidatos faziam a me- culpa, esse setor da teologia da libertação sai na defesa da razoabilidade eleitoral, recolocando o caráter republicano do estado Laico, tomando partido ao lado dos avanços do governo Lula e da continuidade do mesmo através de sua candidata Dilma Russef.
Nesse confronto político/teológico a teologia da libertação saiu fortalecida e vitoriosa, enquanto os outros setores embalados pela “nova canção nova” foram derrotados, conforme expressou os dados numérico do resultado eleitoral.
Tenho inúmeros amigos que militam na Igreja e sinto que esse resultado foi animador para eles, pois os “derrotados e condenados” de ontem foram os vencedores dessa batalha e do processo eleitoral em curso.É claro que do ponto e vista das referencias ideológicas, a síntese dessa disputa se manifestou e materializou-se na pessoa do Camarada-Cristão Plínio de Arruda Sampaio. Plínio nunca negou sua militância religiosa, porém expressa em profundidade o inconteste compromisso com as causas dos pobres e tomando partido ao lado do Socialismo e da Revolução Proletária. É uma figura que preserva seus princípios pessoais, porém, se submete a defesa das resoluções partidárias como é no caso do próprio aborto e outros temas onde ele explicita seu pensamente, porém, como homem de partido o pensamento majoritário e coletivo se sobrepõe ao seu. Entendo que a “revanche dos de baixo” em sintonia com os setores que enfrentaram a instituição religiosa, tendo a frente o próprio Papa, seguramente dará um passo a frente na busca de uma nova sociedade igualitárias de homens e mulheres renovados pela utopia de justiça, da verdade, da igualdade revolucionaria Socialista.
Nesse contexto, a vitória desse setor é algo muito importante e significativo, em que pese às diferenças de projetos estratégicos que professamos. Não Somos defensores da teoria do quanto pior melhor, tão pouco, não somos animadores de um continuísmo muito aquém das reais necessidades da classe trabalhadora. A libertação política de nosso povo a rigor não nega a teologia da libertação, porém, a teologia da libertação não pode corroborar permanentemente com o continuísmo neoliberal “mais do mesmo”. Essa aliança é fundamental na America latina e no mundo inteiro, pois revolucionar é preciso.
Aldo Santos. Sindicalista, Ex-vereador SBC, Coordenador da corrente política TLS, Presidente da Associação dos professores de filosofia e filósofos do Estado De São Paulo, membro da Executiva Nacional do Psol. (13/11/2010)
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