Obrigado, Lula
- Detalhes
- Frei Betto
- 10/12/2010
Nunca antes na história deste país um metalúrgico havia ocupado a presidência da República. Quantos temores e terrores a cada vez que você se apresentava como candidato! Diziam que o PT, a ferro e fogo, implantaria o socialismo no Brasil.
Quanta esperança refletida na euforia que contaminou a Esplanada dos Ministérios no dia de sua posse! Decorridos oito anos, eis que a aprovação de seu governo alcança o admirável índice de 84% que o consideram ótimo e bom. Apenas 3% o reprovam.
O Brasil mudou para melhor. Cerca de 20 milhões de pessoas, graças ao Bolsa Família e outros programas sociais, saíram da miséria, e 30 milhões ingressaram na classe média. Ainda temos outros 30 milhões sobrevivendo sob o espectro da fome e quem sabe o Fome Zero, com seu caráter emancipatório, a tivesse erradicado se o seu governo não o trocasse pelo Bolsa Família, de caráter compensatório, e que até hoje não encontrou a porta de saída para as famílias beneficiárias.
Você resgatou o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e, através dos programas sociais e da Previdência, promoveu a distribuição de renda que aqueceu o mercado interno de consumo. O BNDES tornou as grandes empresas brasileiras competitivas no mercado internacional. Tomara que no governo Dilma seja possível destinar recursos também a empreendimentos de pequeno e médio porte e favorecer nossas pesquisas em ciência e tecnologia.
Enquanto os países metropolitanos, afetados pela crise financeira, enxugam a liquidez do mercado e travam o aumento de salários, você ampliou o acesso ao crédito (R$ 1 trilhão disponíveis), aumentou o salário mínimo acima da inflação, manteve sob controle os preços da cesta básica e desonerou eletrodomésticos e carros. Hoje, 72% dos domicílios brasileiros possuem geladeira, televisor, fogão, máquina de lavar, embora 52% ainda careçam de saneamento básico.
Seu governo multiplicou o emprego formal, sobretudo no Nordeste, cujo perfil social sofre substancial mudança para melhor. Hoje, numa população de 190 milhões, 105 milhões são trabalhadores, dos quais 59,6% possuem carteira assinada. É verdade que, a muitos, falta melhor qualificação profissional. Contudo, avançou-se: 43,1% completaram o ensino médio e 11,1%, o ensino superior.
Na política externa o Brasil afirmou-se como soberano e independente, livrando-se da órbita usamericana, rechaçando a ALCA proposta pela Casa Branca, apoiando a UNASUL e empenhando-se na unidade latino-americana e caribenha. Graças à sua vontade política, nosso país mira com simpatia a ascensão de novos governantes democrático-populares na América Latina; condena o bloqueio dos EUA a Cuba e defende a autodeterminação deste país; investe em países da África; estreita relações com o mundo árabe; e denuncia a hipocrisia de se querer impedir o acesso do Irã ao urânio enriquecido, enquanto países vizinhos a ele, como Israel, dispõem de artefatos nucleares.
Seu governo, Lula, incutiu auto-estima no povo brasileiro e, hoje, é admirado em todo o mundo. Poderia ter sido melhor se houvesse realizado reformas estruturais, como a agrária, a política e a tributária; determinado a abertura dos arquivos da ditadura em poder das Forças Armadas; duplicado o investimento em educação, saúde e cultura.
Nunca antes na história deste país um governo respaldou sua Polícia Federal para levar à cadeia dois governadores; prender políticos e empresários corruptos; combater com rigor o narcotráfico. Pena que o Plano Nacional dos Direitos Humanos 3 – quase um plágio dos 1 e 2 do governo FHC – tenha sido escanteado por preconceitos e covardia de ministros que o aprovaram previamente e não tiveram a honradez de defendê-lo quando escutaram protestos de vozes conservadoras.
Espero que o governo Dilma complemente o que faltou ao seu: a federalização dos crimes contra os direitos humanos; uma agenda mais agressiva em defesa da preservação ambiental, em especial da Amazônia; a melhoria do nosso sistema de saúde, tão deficiente que obriga 40 milhões de brasileiros a dependerem de planos de empresas privadas; a reforma das redes de ensino público municipais e estaduais.
Seu governo ousou criar, no ensino superior, o sistema de cotas; o ProUni e o ENEM; a ampliação do número de escolas técnicas; maior atenção às universidades federais. Mas é preciso que o governo Dilma cumpra o preceito constitucional de investir 8% do PIB em educação.
Obrigado, Lula, por jamais criminalizar movimentos sociais; preservar áreas indígenas como Raposa Serra do Sol; trazer Luz para Todos. Sim, sei que você não fez mais do que a obrigação. Para isso foi eleito. Mas considerando os demais governantes de nossa história republicana, tão reféns da elite e com nojo do "cheiro de povo", como um deles confessou, há que reconhecer os avanços e méritos de sua administração.
Deus permita que, o quanto antes, você consiga desencarnar-se da presidência e voltar a ser um cidadão militante em prol do Brasil e de um mundo melhor.
Frei Betto é escritor, autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros. Página e twitter do autor: http://www.freibetto.org/ - twitter:@freibetto
Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
{moscomment}
Comentários
São os paradoxos de fim de mandato: jornalistas mercenários, banqueiros avarentos, empresários tironassuros e sindicalistas pelegos, gatunos e oportunistas, todos são também imensamente gratos aos 8 anos de governo Lula.
Que Dilma não repita os erros, e acerte na condução de um país com menos desigualdade, mais justiça, trabalho e renda. E menos demagogia do crédito fácil (e extremamente caro).
Crescimento por si só não significa desenvolvimento, tampouco redistribuição de renda.
Renda advém da valorização do trabalho, do salário, e da classe trabalhadora. Bandeiras que, inexplicavelmente, o PT se esqueceu.
Wendell
1- É verdade que havia o temor e terror da parte da burguesia de um operário como Presidente da República. Mas esse sentimento, há muito, foi superado e hoje as elites estão satisfeitíssimas com a performance de Lula e do PT. Eles demonstraram-se ser não só inofensivos como ainda mais servis ao capital do que a própria direita tradicional. A eleição da Dilma é prova disso.
2-Você sabe, como ninguém, que estatísticas sempre foram instrumento de manipulação dos dominantes para transmitir falsidades e distorcer a realidade. Só para ficar no país, a ditadura varguista, militar, Sarney, Collor, FHC, alcançaram também índices de aceitação enormes. A verdade é que as aceitações massivas de políticos e governos neste país, em todas as esferas do poder, sempre foram e continuam sendo alavancadas por políticas de fachadas que, mais cedo ou mais tarde, caem em descrédito, demonstrando o seu engodo. Cada governo no país faz fama imprimindo uma marca, seguindo a boa orientação dos marqueteiros. Collor foi o “caçador de marajás”, FHC foi o “técnico”, Lula é o novo “pai dos pobres”.
3- Você mesmo sempre disse que o povo brasileiro não precisa de migalhas e sim de ser respeitado em seus direitos. O bolsa família é reprodução dessa política secular dominante que sempre submeteu as massas à situação de eterna dependência de favores das elites burguesas. Além disso, serve, sobretudo como outros programas sociais paliativos do passado, para encobrir e legitimar a transferência acintosa da verba pública para o bolso dos banqueiros, empreiteiros, grandes empresários. Verba essa que deveria ser utilizada para a criação de condições da auto-sobrevivência popular. Você omite no seu texto, Frei Betto, que Lula, nos 8 anos de governo, disponibilizou cerca de R$ 150 Bi de bolsa-familia para atender 40 milhões de brasileiros enquanto pagou SÓ DE JUROS E AMORTIZAÇÃO para os banqueiros e especuladores (representando nada mais que 40 mil famílias) cerca de R$ 2 TRILHÕES!
4- Você sempre disse que o principal papel de todo governo sério e popular, que o país tanto almeja e precisa, era o resgate da auto-estima da população através do incentivo à sua intervenção nas questões sociais coletivas que lhe dizem respeito, inclusive na elaboração do modelo de economia que se quer ter na sociedade. Nada disso ocorreu no governo Lula. Muito pelo contrário: o povo, nesse governo, tornou-se ainda mais distante e passivo de tudo o que se refere ao seu próprio destino, totalmente entregue nas mãos dos especuladores, submetido à mesma política econômica de sempre que o enxerga como mera cifra, objeto próprio do lucro do grande capital. Frei Betto, que tipo de “desenvolvimento” é esse a que você se refere?
5- O “desenvolvimento” que você diz que o governo Lula foi indutor é aquele mesmo já há muito produzido pelos governos brasileiros, inclusive os da Ditadura Militar, sempre a serviço dos grandes grupos econômicos. Todos eles, rigorosamente, deixaram também marcas de acessibilidade, a contingentes cada vez maiores, ao crédito e ao mercado de consumo. Basta lembrar o último presidente – FHC - que “domou” a inflação, “estabilizando” a economia, permitindo tantos milhões de pessoas (certamente até mais do que no governo Lula) ao (re)ingresso às compras e a retomada do giro do capital financeiro que fez aumentar estrondosamente os empréstimos bancários ao consumidor ávido por bens de consumo até então inacessíveis por culpa da inflação. Mas é bom não esquecer que esse “milagre econômico” de FHC (como os demais “milagres econômicos” anteriores) produziu, na prática, mais miséria. A mesma miséria que Lula tenta agora combater de um lado, com medidas paliativas, mas, de outro lado, reproduz e alimnenta, na perspectiva do médio e longo prazo, ao adotar o mesmo modelo econômico de sempre (os bancos nunca tiveram tanto lucro como no governo Lula), com o mesmo conceito de “desenvolvimento econômico” que, por exemplo, Delfin Netto, conselheiro econômico do governo Lula, sempre defendeu e praticou ainda nos tempos em que era braço forte da ditadura militar.
6- Você sabe que os números apresentados pelo Governo Lula de crescimento de emprego e renda não são percentuais verdadeiros. São números MAQUEADOS como sempre os governos burgueses fizeram. É notório que o desemprego estrutural no país, nos últimos 10 anos, cresceu assustadoramente e, convenhamos, não apenas por “culpa” da política desastrosa e omissa do governo Lula, por exemplo, na questão do sucateamento gritante do parque industrial nacional e do avanço do domínio do agronegócio, mas sobretudo por conta do próprio modelo criminoso capitalista aqui implementado que na última década consolidou a predominância do capital especulativo sob o próprio capital produtivo, por ser, por hora, mais rendoso e menos honeroso aos ditos investidores. Em segundo lugar, você, Frei Betto, simplesmente ignora na sua análise que tipo e nível de salário esses supostos novos trabalhadores empregados estão recebendo. É salário mínimo, que continua, como antes, sendo salário de fome, que esses supostos novos empregos criados, em sua esmagadora maioria, estão oferecendo.
7- Frei Betto, que importa ser tão “soberano”, “independente”, “de esquerda” como supostamente dizem ser o governo Lula na política externa (há controvérsias), se na POLÍTICA INTERNA – que é o que define o seu verdadeiro perfil político-ideológico – o atual governo é totalmente servil, dependente e conservador como os outros governos anteriores? Afinal, os principais personagens da ditadura militar aí estão na condição de líderes, conselheiros, assessores, ministros, etc. desse governo. Os partidos do arco de aliança são todos oriundos da ditadura militar e que, ainda hoje, praticam a velha política de direita fascista. Os bancos privados, “nunca na história deste país”, lucraram tanto quanto no atual governo. Dentro dessa situação, utilizar o argumento de que o governo Lula tem uma “política externa” progressista para traçar o seu perfil político de esquerda beira à comédia.
8- Que auto-estima é essa que Lula incutiu no povo? O bolsa-família é mais uma HUMILHAÇÃO, e o povo sabe disso, apesar de omitir esse sentimento e ficar agradecido pela migalha recebida, como um mendigo, tratado pela sociedade como um animal, fica também agradecido ao receber prato de comida de um grupo de caridade, não deixando nem por isso de saber que está sendo tratado ali também, não como um ser humano que tem dignidade, mas como um ser “carente”, inferior. Tratar o povo pobre com dignidade é reconhecer-lhe os seus direitos e não fazer “favor”. Frei Betto, você diz que “poderia ter sido melhor” se o governo Lula tivesse investido mais em educação, saúde e cultura. Esse investimento – que não ocorreu – não é complemento da promoção da auto-estima popular: é o centro dessa promoção humana, sem o qual não há possibilidade do crescimento da auto-estima. O governo Lula foi CRIMINOSO nesse aspecto do investimento nos serviços essenciais à população, na medida que transferiu grande parte dessa verba pública para os cofres dos grandes grupos econômicos (p.ex. somente de juros, rolagem e amortização da dívida pública aos banqueiros, Lula pagou cerca de R$ 2 TRILHÕES. Dinheiro que faltou para o atendimento às demandas populares).
9- Frei Betto, nunca antes na história deste país o povo brasileiro poderia imaginar que um governo dito de esquerda, que iria resgatar a ética na política, pudesse se atolar tanto na corrupção quanto o que foi esse atual governo.
10- Você usa a palavra “completar” de propósito para confirmar o seu parecer de que o governo Lula foi muito bom, mas não sendo perfeito (como ninguém é perfeito), deixou naturalmente algumas lacunas que o próximo governo precisará preencher. Não foram lacunas deixadas pelo governo Lula e sim ROMBOS, BURACOS, não fruto da falta de tempo hábil para saná-los e sim fruto da sua política omissa, em relação aos verdadeiros interesses populares, e à serviço dos interesses dos grandes dominantes destruidores e exploradores do nosso país.
11- Frei Betto, os professores e educadores, que conhecem de perto a realidade da educação, sabem que a educação nunca foi tão maltratada e abandonada, justamente por um governo que chegou ao poder com o forte apoio e influência de grandes educadores libertários, como Paulo Freire. Se havia um setor que esse governo poderia atuar profundamente era o setor da educação. Mesmo assim, preferiu, como nos demais setores, tratá-lo também sob a ótica distorcida e desumana do mercado.
12- Você sabe que os movimentos sociais não foram tão criminalizados, como nos governos anteriores, não por virtude do atual governo, mas porque nesse não houve necessidade, pois foram praticamente todos COOPTADOS politicamente. A triste ironia do destino está sendo vermos esse governo, com os seus personagens principais surgidos do meio popular, conseguir fazer o que 30 anos de ditadura militar não conseguiu, apesar de toda a repressão: controlar e, na prática, desmantelar as organizações dos trabalhadores e dos diversos segmentos sociais. Esse é um dos grandes motivos – junto ao motivo econômico - por que esse governo vem tendo uma ótima aceitação pelos grupos dominantes ao ponto de conseguir manter-se tanto tempo no poder, como está sendo tudo programado para ocorrer.
13- Você também sabe, como ninguém, sabe que Deus não está nada satisfeito com esse governo. É só ler as duras denúncias que Ele fez, na Bíblia (cf 1Reis 11,9-13 e 14,7-16), aos governos dos Reis de Israel Salomão e Jeroboão que, como Lula, decidiram TRAIR o projeto de libertação preferindo adotar a mesma política dos inimigos do seu povo, fazendo alianças com eles, o que, no final, acabou por fragilizá-lo e prejudicá-lo ainda mais.
Para terminar, conhecendo a sua obra e sua história, acho, Frei Betto, que teria sido mais coerente com elas um texto com ideias que girassem em torno do título: Você me paga, Lula!
Eliane é apenas uma cidadã.
"É uma vergonha o sucateamento do SUS e do ensino público. De 190 milhões de brasileiros, apenas 30 milhões se agarram esperançosamente na bóia de salvação dos planos privados de saúde. Osdemais são tratados como cidadãos de segunda classe, abnegados penitentes de filas hospitalares, obrigados a adquirir remédios onerados por uma carga tributária de 39% em média.
Segundo o MEC, há 4,1 milhões de brasileiros, entre 4 e 17 anos de idade, fora da escola. Portanto, virtualmente dentro do crime. Nossos professores são mal remunerados, a inclusão digital dos alunos é um penoso caminho a ser percorrido, o turno curricular de 4 horas diárias é o verniz que encobre a nação de semianalfabetos. (...)
Voto no candidato disposto a mudar a atual política econômica que, em 2008, canalizou R$ 282 bilhões para amortizar dívidas interna e externa e apenas R$ 44,5 bilhões para a saúde. Em termos percentuais, foram 30% do orçamento destinados ao mercado financeiro e apenas 5% para a saúde, 3% à educação, 12% a toda a área social. (...)
ET - obrigado novamente, Frei Beto !!!
Assine o RSS dos comentários