Correio da Cidadania

Opção pelos pobres e volta ao latim

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Com o rosto visivelmente cansado, o papa Francisco celebrou, nesta quarta-feira, missa na basílica de Aparecida sem fazer eco, em sua homilia, ao apelo de cardeal Raymundo Damasceno por “uma Igreja comprometida com os pobres”.

 

A homilia do Pontífice, dirigida aos jovens, restringiu-se a exaltar a esperança, a entrega a Deus e a alegria como marcas da fé cristã. Nada teve, porém, de moralismo, e ressaltou que “aquilo que é pecado se transforma em vinho novo na amizade com Deus”.

 

Na quinta-feira (25), papa visitou, pela manhã, a favela de Varginha. Este roteiro não constava da agenda do papa Bento XVI, que estaria no Rio caso não tivesse renunciado. Foi incluído por exigência de Bergoglio, que insiste em sinalizar uma Igreja mais próxima dos pobres.

 

Há quem julgue a “opção pelos pobres” uma proposta da Teologia da Libertação. Nada mais equivocado. Nos quatro evangelhos, a condição para se aderir a Jesus é, primeiro, defender o direito do pobre a uma vida digna. “Pai Nosso” e “Pão Nosso” são os refrões da oração ensinada por Jesus. Só deve se sentir no direito de chamar Deus de “Pai” quem não busca apenas para si o pão, símbolo das condições materiais de vida, mas para todos.

 

A pobreza é um mal que resulta da injustiça social. Não há um único versículo na Bíblia que afirme ser a pobreza agradável aos olhos de Deus. O pobre, sim, é bem-aventurado, porque Deus assume a sua causa, como proclama o Sermão da Montanha. Na verdade, o que existe são pessoas empobrecidas, levadas involuntariamente a uma vida de carências e sofrimentos.

 

Às 19h, Francisco teve o primeiro grande encontro com os jovens, na Praia de Copacabana. Na celebração, foi lido o evangelho da Transfiguração de Jesus (Lucas 9, 28b-36) — uma crítica à acomodação da Igreja e ao espiritualismo farisaico.

 

Pedro, Tiago e João subiram a montanha com Jesus e o viram em toda a sua glória divina, em companhia de Moisés e Elias. Sugeriram armar tendas e ali permanecer, proposta prontamente rejeitada por Jesus: “Pedro não sabia o que dizia”. Queria fugir da missão.

 

A bênção final será em um idioma que, com certeza, pouquíssimos jovens compreendem: latim!

 

O que significa essa sutil volta ao latim na liturgia da Igreja? Um anacronismo. Desde o Concílio Vaticano II, o latim foi extinto da liturgia católica, que passou a adotar a língua vernácula. Isso provocou forte reação da ala conservadora da Igreja, que considera o abandono do latim uma “profanação” da instituição bimilenar.

 

Bento XVI cedeu às pressões e autorizou as “missas tridentinas”, em latim, sem, no entanto, impedir o vernáculo. O fato de Bergoglio proferir, no Rio, várias orações em latim pode sinalizar uma respeitosa concessão ao papa renunciante, com quem ele convive no mesmo território do Vaticano, ou, na pior das hipóteses, certa simpatia pela restauração tridentina na liturgia.

 

O latim na liturgia é como os símbolos da monarquia britânica. Quase ninguém sabe o que significam, mas causam bom efeito para revestir a nobreza de respeitável auréola. Nesse mundo globalizado, o inglês é, hoje, a língua internacional, como foram o grego no mundo dominado por Alexandre Magno e o latim no mundo governado pelo Império Romano.

 

Jesus falava aramaico. Talvez soubesse hebraico, por frequentar a sinagoga, e um pouco de latim, por viver numa região sob jugo dos romanos. Quando a liturgia da Igreja se prende a seus aspectos exteriores, ganha o senso estético e perde a profundidade espiritual.

 

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Frei Betto é escritor, autor do romance "Aldeia do Silêncio” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org- twitter:@freibetto.


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