Correio da Cidadania

Vitória histórica

0
0
0
s2sdefault

 

 

Dia 27 de maio de 2015 jamais sairá da memória do futebol. Como torcedor, sem dúvida um dos mais felizes da minha vida, equivalente a um título do meu clube – por sinal, indiretamente envolvido no tema.

 

Ninguém aqui é bobo ou passou a vida acreditando no “destino manifesto” dos responsáveis pela operação que indiciou e pode enjaular os grandes mandatários e magnatas do futebol mundial, incluindo cartolas brasileiros de má fama imemorial.

 

Mas foi bonito as grandes tramas hollywoodianas ou algum desses seriados repletos de conspirações intra-poderes baixar naquele prédio de Zurique e propiciar imagens de furgões abastecidos de materiais com provas insondáveis, para arruinar a carreira de alguns Al Capones.

 

A sensação é de fazer aquele gol da classificação contra o maior rival no último minuto e poder gritá-lo no alambrado, com direito a por pra fora tudo que se sente e não se publica.

 

Um alento, um enorme sopro para todos que detestamos e jamais aceitaremos a ideia de que “futebol é negócio”, como fazem há décadas alguns discípulos de Goebbels, em sua sanha de transformar tudo em fortuna – e agora, com toda a cara de pau, tentam se desvencilhar do bando enfim criminalizado.

 

Sabemos que eles voltarão com suas ladainhas de “modernidade” e “boas práticas administrativas”. Eles não desistem. Se acabaram de produzir o maior desastre da economia planetária desde 1929, aumentaram o número de famintos e desempregados no mundo e ainda insistem com seus receituários, por que haverão de poupar um mero jogo de bola?

 

Assim como matar o chefe de uma biqueira do tráfico jamais reduzirá o número de chefes de biqueira, tirar meia dúzia de larápios do radar não livrará o futebol de seus mercadores.

 

No entanto, nesta quarta-feira, nós que dizemos não a essa gente e seus projetos fomos campeões do mundo. Andrew Jennings, aquele que não era credenciado pela FIFA, levantou a taça do mundo.

 

Teve Copa, é verdade. E olha o que era. Os ativistas que foram à rua protestar, ante milhares de militares e até uma nova lei de exceção, é que são os campeões morais.

 

Alguns antipáticos ao jogo do povo deverão se perguntar por que renovar os votos de fé quando a bandalheira sobre algo que não decide os rumos da vida e do mundo vem à tona de uma vez por todas.

 

Compreende-se. Mas é imensa a alegria de ver tudo mais escancarado do que nunca. De ver que não fomos o louco da fonte a enxergar o maior cavalo de troia da história do futebol brasileiro e querê-lo bem longe daqui, com seus sonhos de plástico, mármore, seus cachorros quentes e pipocas requentados a 10 reais (e dívidas, muitas dívidas).

 

Pelo menos por um dia, vencemos. E foi uma lavada histórica.

 

Aqueles que não paravam de jogar confetes diuturnos nessa gente, faziam como aquele ministro, indo às favas com tudo, defendendo ingresso a 500 reais, vomitando que torcedor sem grana deve se contentar com a TV do bar, quem quer ver em pé precisa se readaptar, quem não se encaixa no modelo é “bandido” e tem de dar lugar à “família” (sic), são obrigados a dar um passo atrás.

 

Agora vamos olhar os mercadores e seus meninos de recado com a fronte mais alta que nunca.

 

Nós que já vínhamos começando a torcer rodeados por uma estranha e hostil massa acrítica, talvez inocente útil desse neofutebol, ganhamos ar novo, pois até nosso colega de estádio está virando uma espécie de reacionário, a reprimir seus próprios pares pouco dispostos a comprar a ideia de que tudo no futebol é dinheiro e pelo dinheiro.

 

Não é. E jamais poderá ser. E já que mencionei o time de minha preferência no início deste brinde, ele também não é aquilo em que estão tentando transformá-lo, não é a imagem fria e apática do último domingo. Sua gente não pode ter virado um bando basbaque, que protagonizava as maiores festas do futebol e agora prefere tirar selfies, aparecer no telão e delatar os “rebeldes” que pecam contra o modelo perfeito do videogame e sua torcida de holograma.

 

Não há nada ganho, é certo. Evidentemente, trocar as raposas e manter a estrutura da granja não resolve muito. Mas é de se crer que pelo menos podemos voltar a questionar tudo e todos. Se não existe uma solução imediata, ao menos podemos refletir sobre todo esse sistema político do futebol, tão em crise como os modelos representativos mundo afora.

 

Continuaremos na marcação cerrada. Sem descanso, pois como bons amigos continuaremos avisando.

 

Enquanto isso, vamos nos divertir um pouco com o processo de 150 milhões de páginas acumuladas nas investigações da polícia do mundo, curtir um pouco dessa ficção que virou realidade. Ou será que não é o “futebol negócio” a mãe de todas as ficções?

 

PS: Logo após a finalização deste texto, o presidente da FIFA, Joseph Blatter, renunciou ao cargo. Outro brinde, por favor.

 

Leitura recomendada:

Admirável Futebol Novo

Crime político. Resta saber quem ganhará

 

 

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

0
0
0
s2sdefault