O Brasil que sobrou dos megaeventos esportivos
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- Gabriel Brito, da Redação
- 23/12/2017
O primeiro ano após o processo que culminou nos megaeventos esportivos, que segundo o discurso oficial traziam a cidadania internacional ao país e um legado de cidades modernizadas e funcionais à população, representa um vazio tétrico.
É certo que durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro a crise generalizada já tinha feito enormes estragos e o país estava em profunda depressão.
De todo modo, ao menos em termos de equipamentos esportivos havia, de fato, um bom legado a ser preservado.
No entanto, a cultura liquidacionista do patrimônio público, radicalizada após entronização de governo ilegítimo, não permitiu que sequer almejássemos um plano consistente de manutenção das estruturas, agora largadas às traças.
É impressionante. Tanto o Parque Olímpico da Barra da Tijuca como o de Deodoro, após receberem excelentes estruturas para vários esportes estão fechados. O de Deodoro chegou a ser reaberto para uso público, mas a verdade é que não se sabe ao certo o que fazer com ambos os locais, cuja manutenção anual custa ao menos 80 milhões de reais.
Os valores são de fato altos, mas tornam-se inviáveis justamente pela ausência de políticas públicas voltadas ao esporte de maneira planejada, o que deveria ter sido engendrado há anos.
Fossem os Jogos Olímpicos um plano sério de desenvolvimento esportivo e social, o Rio seria hoje o grande e indiscutível polo desportivo da América do Sul.
Poderia continuar a sediar importantes torneios internacionais de variadas modalidades e ser base de treinamento e formação de inúmeros atletas (inclusive de países vizinhos).
E, claro, poderia garantir amplo acesso de seus moradores e estudantes, o que faria da cidade fantástico celeiro de atletas para todo o sempre, além de contribuir para o bem estar geral.
Mas tudo isso é um sonho pra lá de imprudente quando falamos desta patética colônia primário-exportadora. Pois, afinal, tal vocação se reflete até nos esportes.
A realidade é de uma cidade falida em todos os aspectos, desolada pela pobreza, violência e ódio, tendo dois de seus ex-governadores entrando e saindo da prisão e o prefeito, que tanta empáfia esbanjou, o mais escondido possível dos holofotes – aliás, mal pisa em solo nacional.
E, de acordo com a divulgação do sexto e último relatório da Autoridade de Governança do Legado Olímpico, órgão ligado tanto ao poder público como ao Comitê Olímpico Brasileiro, o custo total dos Jogos é de 41 bilhões de reais.
A pequena ampliação da malha viária e a chegada do metrô à Barra da Tijuca são, efetivamente, as únicas obras que deixam algo de bom à população. Já o Porto Maravilha, ficou mais no papel que na realidade, apesar da construção do Museu do Amanhã, revitalização urbanística de seu entorno e novos empreendimentos imobiliários.
Falando em COB, seu longevo presidente Carlos Arthur Nuzman foi preso pela Polícia Federal na Operação Unfair Play, espécie de desdobramento local da Lava Jato. Conseguiu habeas corpus dias depois, mas não evitou o fim de seu reinado de 22 anos à frente da entidade.
Além dele, outros “assessores” têm perdido seus postos.
No âmbito das modalidades em si, nada muito novo, nenhuma grande evolução. O Handebol lamenta sua descida de patamar em relação ao período anterior, quando o Brasil, em especial entre as mulheres, ameaçava se postar na elite.
Já na natação, a eleição da CBDA foi novamente suspensa pela justiça, dada a briga de novos e velhos grupos e um processo eletivo que a justiça entende como irregular.
"Até quando os interesses pessoais e políticos serão mais importantes que o esporte? Chega!", desabafou Cesar Cielo, maior nome da natação brasileira no século 21.
Por fim, nenhum aprofundamento de todos estes esportes no meio da população, que continua distante das modalidades menos populares.
Nossa cultura esportiva não avançou um milímetro após os Jogos Olímpicos e não há nada que sugira mudança neste quadro.
Como mostra esta matéria do site do Globo Esporte, ao analisar o desempenho geral dos países em 2017 numa projeção para Tóquio-2020, nosso retrocesso já está demonstrado em números e resultados.
Futebol
Já naquele que no Brasil é muito mais que um esporte, as coisas não vão nada melhor, apesar do mundo de cifras e holofotes que o cerca.
A CBF continua, inacreditavelmente, sob a presidência de Marco Polo del Nero, praticamente proibido de sair do país por ter mandado de prisão da Justiça de Nova York válido para quase qualquer lugar onde se meta a por os pés. Foi o único presidente de federação que não compareceu ao sorteio dos grupos da Copa do Mundo da Rússia.
Seu antecessor, José Maria Marin, tal como acaba de suceder com seu antigo par político Paulo Maluf, está preso na referida cidade norte-americana, condenado em 6 dos 7 crimes pelos quais foi acusado.
Aliás, os julgamentos de Nova York têm condenado uma série de ex-dirigentes do futebol sul-americano, o que não abala em nada as carcomidas estruturas da região. Trocaram-se apenas as moscas, para não nos estendermos muito por aqui.
Já o futebol feminino, padece do histórico abandono. Após a demissão da treinadora Emily Lima, que disparou uma série de acusações sobre práticas internas da confederação, contratou-se o treinador Osvaldo Alvarez, criticado por todos que observaram seu trabalho à frente do time nas Olimpíadas do Rio. Como resposta, instituiu-se um grupo de trabalho que visaria corrigir rumos e elaborar novas ideias para a modalidade. Acaba de ser extinto, sem nada apresentar.
No entanto, se uma figura corrupta e desqualificada como del Nero permanece no trono é porque, talvez, seja rodeado de dirigentes ainda mais lastimáveis.
Ao mesmo tempo em que falam em modernização, novos padrões de gestão e cobram ingressos caríssimos de seus torcedores, os clubes brasileiros nada fazem para alterar a estrutura do futebol nacional.
Um calendário exaustivo como nenhum outro, campeonatos estaduais cada vez mais desprestigiados a ocupar um precioso período da temporada e a mesma ladainha da violência (inerente ao contexto social geral) no entorno ou dentro dos estádios continuam como eternos problemas, sem perspectiva alguma de superação.
No âmbito regional, uma das poucas boas notícias dos últimos anos foi o retorno e fortalecimento da Copa do Nordeste, que recupera um pouco do passivo dos times da região, preteridos de forma até ilegítima na divisão do bolo do dinheiro da televisão e, consequentemente, mais afastados do que nunca das possibilidades de sucesso no principal escalão.
No entanto, um dos grandes clubes da região, submisso à agenda da Globo (que não possui os direitos de transmissão da “Lampions League”) rompeu com o projeto. Não sabemos os próximos capítulos, mas é certamente um tiro no pé do conjunto.
Ao alegar que recebe menos do que mereceria da Liga do Nordeste, reproduz a lógica da desigualdade que faz os clubes do Sudeste-Sul se satisfazerem com sua superioridade econômica e ignorar a necessidade de fortalecimento de todo o “ecossistema do futebol”.
Pra fechar o ano, duas partidas decisivas de competições internacionais terminaram por deprimir de vez a todos nós a respeito do que, de fato, somos atualmente.
Na Copa Sul-Americana, Flamengo e Independiente decidiram o título em partida marcada por uma série de acontecimentos violentos, desde uma impressionante caça a torcedores argentinos na véspera (como alegada retribuição a provocações racistas da partida de ida, mas evidentemente um caldo de ódio superior a isso), com brigas de rua, depredações e dezenas de prisões, até a já célebre invasão do estádio por aproximadamente 8 mil pessoas minutos antes da partida.
No domingo seguinte à decisão que terminou com o troféu na mão dos argentinos, o Fantástico veiculou imagens da invasão do novo e privatizado Maracanã. Além de já tradicional para quem conhece o estádio carioca, foi amplamente combinada em fóruns virtuais e outros ambientes.
E, pelo que mostra o circuito interno, foi de considerável sorte, na falta de outra definição, que incidentes mais graves não tenham se registrado. Em situações como essas, pisoteamentos e esmagamentos não são incomuns.
Já como pano de fundo, fica, entre outras explicações, a malfadada elitização dos estádios brasileiros. Em linhas gerais, um clube popular e massivo como o Flamengo não pode elevar o preço de seus ingressos a patamares proibitivos para sua imensa torcida impunemente (recomendamos este artigo).
Pra fechar a temporada, o Grêmio, campeão da Libertadores, foi o representante sul-americano no Mundial de Clubes, no qual enfrentou o Real Madrid na final.
Após atuação opaca e inofensiva, a derrota para o clube mais rico do mundo baqueou toda a opinião pública, tamanho o abismo de competitividade que separa os outrora temidos clubes brasileiros dos europeus, donos da bola e de tudo na atual conjuntura do futebol globalizado, a emular os mesmos processos geopolíticos e econômicos neocoloniais.
E no dia do fechamento deste texto, o campeão brasileiro, Corinthians, perde o artilheiro do país, Jô, para o Nagoya, do Japão. Entre outras razões, o sequestro sofrido pela irmã do atacante em meados do ano. Aliás, o treinador do referido Independiente também deixou o clube por cansaço, no caso por ter de pagar segurança privada para sua família. Mesmo sendo torcedor e associado, se recusou a dar dinheiro para a barrabrava do time e não renovou o contrato.
É muito fracasso pra pouco ano.
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Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.