Os juros impagáveis
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- Gabriel Brito
- 18/06/2018
Texto publicado no diário da Copa que o editor deste Correio escreve para os parceiros da webrádio Central3, portal de podcasts com cobertura diária do Mundial da Rússia.
Sérvia 1-0 Costa Rica
Primeiro domingo da Copa, dia da estreia brasileira, coisa que em outros tempos despertava uma ansiedade desprovida de cinismo.
Começo leve de jornada, com um Costa Rica x Sérvia que cumpriu o modesto prognóstico.
O time centro-americano apostou na pura e simples repetição de 2014. Além de base e protagonistas iguais, manteve o linhão de cinco jogadores atrás que, se surpreendeu naquela Copa, deve mostrar-se obsoleto na Rússia.
Melhor, a Sérvia sempre esteve no comando das ações e mereceu a vitória. A bela cobrança de falta de Kolarov emoldurou uma partida na qual a melhor equipe só não estufou as redes também com a bola rolando porque debaixo dos paus os costa-riquenhos dispõem de seu atual melhor jogador.
Bryan Ruiz está veterano demais para fazer grande diferença e Campbell não é tão brilhante quanto chegou a dar impressão por aqui. Muito necessário ao Brasil amassar sem delongas o adversário da madrugada de sexta.
Os sérvios têm o típico time europeu com jogadores experientes nas melhores ligas e bem treinados, o que atualmente significa muito para o aculturado futebol brasileiro.
Alemanha 0-1 México – ganhando como nunca
Ao meio dia, o grande jogo do dia santo. Alemães e astecas jogaram como se deve, sem medo do amanhã.
Senhora de si, a campeã do mundo em nada respeitou a sub-sede da Copa de 2026 e partiu pra resolver desde o início. Espertos, os mexicanos voaram no contra-ataque e deitaram nas costas de Kimmich, por onde criaram diversas chances de gol e resolveram o jogo, no golaço de Lozano.
Fácil criticar o bom lateral direito por ter se atirado tanto à frente, mas considero admirável que ele e seu time tenham atuado dispostos a destruir o rival desde cedo e sufocar na ofensividade.
Do lado oposto, um time que sempre parece confortável na condição de franco atirador. O México, faz tempo, parece bom demais para se eternizar como coadjuvante, mas insuficiente para se bancar entre os maiorais. De todo modo, fez um jogaço.
Juan Carlos Osorio armou muito bem seu time, mas fez de tudo nas substituições para reeditar o ditado que de tão famoso nem precisa ser citado aqui.
A porra é que por lá também parece valer uma noção que tanto nos pauta: quanto mais grife, mais intocável. Assim, Carlos Vela, o melhor em campo, e Lozano, autor do gol memorável, saíram. Chicharito, que tudo fez pra enterrar o ataque tricolor, foi mantido, inclusive quando já não era nem de longe o último homem mais adequado para um time que tocava o terror no contra-ataque.
Quanto à Alemanha, é o “bom time comum” que já era em 2014. Poderia empatar, mas não fez nada realmente brilhante. Foi assim na campanha do tetra, exceto quando os adversários – da estreia e da semifinal – facilitaram demais o serviço. Quem não gostou dessa afirmação que um dia me encontre num boteco pra contra-argumentar.
Brasil 1-1 Suíça – queremos de volta aquilo que já matamos
Depois do indizível, um Brasil refeito, ao menos nas quatro linhas, voltou a jogar numa Copa do Mundo. O desastre do 7 a 1 é simplesmente o maior da história inteira do futebol, por isso chega a ser conveniente ignorá-lo de qualquer análise e projeção. Não faz parte do parâmetro. Não adianta exigirmos reparação, por mais razão que tenhamos.
Dessa forma, e contrariando o otimismo odioso da publicidade que às vésperas da Copa sempre vai às favas com os escrúpulos, não há redenção possível. Até porque estamos diante de uma padronização que na vitória ou na derrota faz o país do jogador de futebol mais parecido que igual aos demais.
Com seu lépido ataque, o Brasil não tardou em (levemente) se sobressair. Coutinho fez um golaço. A partir daí, a doutrina que nos apresentam como incontestável deu as cartas. Posse de bola, cautela, passo atrás para sair no contra-ataque.
A Suíça tem um time decente, que pelo contexto jogava sem peso, é verdade. Inclusive, conseguia aplicar razoavelmente a mesma cartilha de bola no chão. O histórico ferrolho não é a cara de mais esse time temperado pela imigração dos povos fodidos.
Mas entre os gols do jogo houve meia hora na qual o Brasil mais tratou de administrar do que qualquer outra coisa. Saudades de quando ganhar de 1-0 de um time do segundo escalão era visto como resultado modesto, senão decepcionante.
Além do mais, no lance que origina o escanteio do gol de empate a defesa verde-amarela teve duas chances de despachar a bola, mas segundo os novos acadêmicos da crônica esportiva estaria configurado o pecado.
Com um cientista no comando, nos orgulhamos de ver um time que segue à risca os conceitos mais bem amparados e estudados do futebol da ocupação de espaços e técnica mecanizada. O problema é que tudo aquilo que brotara da terra no século anterior parece descartável.
E agora nos deparamos com o dilema existencial de ver um jogador suíço se aproveitar da malícia mais primordial do jogo, que por aqui era tratada como patrimônio inigualavelmente brasileiro. A bola era de Alisson, o gol foi legal, sem falta.
No sábado, escrevi que na nova regra “o VAR é do ataque”. Mais que isso: o VAR e sua idiotice da objetividade escravizam quem o consulta. A impressão é que o árbitro notou o leve toque de Zuber nas costas de Miranda, mas ao mesmo tempo não o considerou fundamental para o gol. Além do mais, parece ter se dado conta de que se fosse para a consulta de vídeo seria obrigado a anular aquilo que sua sensibilidade tolerou.
Dito isso, foi só quando o empate já ameaçava se cristalizar que o Brasil voltou a sentir necessidade de gol. Foi pra cima, criou chances, parou no bom goleiro Sommer.
Tite foi conservador, como sempre foi, ao trocar os dois volantes por outros similares e dessa forma ficar refém de uma terceira troca que mantinha a disposição geral, já que seria tratado como louco se colocasse um Douglas Costa no lugar de Danilo e se virasse com William na linha de trás.
Mais uma vez, o selecionado canarinho apostou numa base forjada quase um ano antes. Ok, no duro não há muito mais a encontrar. O que podemos discutir é o colonialismo futebolístico, que faz Luan e Artur assistirem tudo pela TV pois decidir Libertadores não é mais o bastante. Dessa forma, um brilhante jogador acha certíssimo sair do campeão brasileiro para o todo poderoso e indiscutível Shakhtar Donetsk.
Não nos enganemos: a Seleção tem jeito, mas continua tudo errado, qualquer seja o desfecho da aventura.
Gabriel Brito é editor do Correio da Cidadania e colabora no podcast semanal Conexão Sudaca, programa de futebol, cultura e política sul-americana.