Esportes: mais um ano que passou, e que perdemos
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- Gabriel Brito
- 22/12/2008
2008 já baixa suas cortinas e espera ansiosamente que seu sucessor permita arrancar de vez as folhas desse malfadado ano por que passou o planeta. Se nas análises dos temas mais proeminentes deste Correio se apontou que o Brasil não soube aproveitar a tal fase de bonança da economia internacional, no campo esportivo podemos dizer o mesmo. Até a cronologia dos fatos é semelhante, vejam só.
Após passar a vida inteira à margem dos programas e políticas de governo, a partir de 2003 o esporte nacional finalmente ganhou ferramentas que poderiam impulsionar seu desenvolvimento e colocá-lo na agenda do país. Com a Lei Piva e a Lei de Incentivo ao Esporte, além do até hoje tímido Bolsa-atleta, que significaram repasses de recursos muito mais elevados que antes, passaram a existir condições no mínimo razoáveis para que o Brasil de fato começasse seu processo de transformação em potência olímpica e esportiva.
No entanto, e tomando como referência o último ciclo olímpico (2004-2008), pouco ou nada se avançou em tal sentido. Foram cerca de 1,2 bilhão de reais despejados no esporte nacional, uma edição dos Jogos Pan-americanos sediada no Brasil (que consumiram outros 4 bilhões e são um capítulo à parte) e duas Olimpíadas disputadas no período. O saldo é que estamos basicamente no mesmo estágio em que nos encontrávamos antes de todo o referido processo.
O Comitê Olímpico Brasileiro segue apostando na política da ‘meritocracia’, como dito neste espaço anteriormente, e o governo brasileiro, através de seu Ministério dos Esportes, continua inoperante no que se refere a investimentos no esporte escolar, de base. Como tornar-se potência olímpica se apenas 12% das escolas brasileiras possuem quadra poliesportiva?
De fato, a meritocracia brasileira se prova quando vemos os resultados. Atletas talentosos e patrocinados conseguem brilhar aqui e ali em nome do país. A grande massa de atletas, pois nem todos podem ser de elite, no entanto, segue no abandono, no descaso e na falta de condições básicas, como denunciam os próprios nos segundinhos que a grande mídia, salvo honrosas exceções, por vezes lhes concede. Nossos resultados olímpicos são praticamente os mesmos há 20 anos, com pequenas variações – dentro da margem de erro, digamos.
Ou seja, dinheiro há. O problema é o direcionamento que se lhe dá. Investir no atleta formado, candidato a medalha olímpica, é fácil, dá cartaz. O duro é fazer um trabalho de longo prazo, silencioso, em que os resultados se verificam em até uma década, criando uma estrutura permanente que torne o país menos dependente de fenômenos individuais. Para isso não há coquetéis, viagens ao exterior ou festinhas ao lado de autoridades.
Prestar contas não é com eles
Como manda a tradição brasileira, prestar contas também não é o forte de nossas autoridades desportivas. Em meados deste ano, o Tribunal de Contas da União, após uma longa temporada estudando os gastos do Pan do Rio, rejeitou os números apresentados e exigiu esclarecimentos do Comitê Organizador.
Até hoje, não se deram explicações convincentes acerca dos motivos que elevaram os custos do evento de 400 milhões para 4 bilhões de reais. Capaz de ouvirmos que foi mero erro de digitação da secretária, outra tradição de nossas federações – principalmente quando se trata de má redação de regulamentos de campeonatos. Falando sério, é claro que não há explicações. E nem haverá.
Vejamos: a expansão do metrô da capital carioca inexistiu; praças esportivas e outras obras desrespeitaram leis de urbanismo; inaugurado em 2007, o parque aquático Maria Lenk foi declarado inapto para competições olímpicas, pois para tal deveria abrigar o dobro das seis mil pessoas de sua capacidade atual – descobriram agora?; o estádio levantado no Engenho de Dentro (programado para consumir 60 milhões, mas que saiu por 380) foi cedido ao Botafogo por uma ninharia em forma de aluguel mensal (36 mil reais por mês) que só será recuperada no século 28. Isso mesmo, século 28. E há ainda muito mais, principalmente se considerarmos os esforços que já se estão ‘empreendendo’ para a candidatura Rio 2016, que já consumiu 86 milhões de reais públicos somente para a confecção do caderno de encargos.
Público? Só se for o dinheiro
Como se não bastasse toda a farra pan-americana, também nos deparamos com um vergonhoso e obscurantista processo eleitoral do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), que coroou o despotismo de Carlos Arthur Nuzman. Realizada às escondidas no hall de um hotel da zona sul do Rio de Janeiro, a "eleição" foi descoberta pela Folha de S. Paulo, causando enormes constrangimentos na comunidade esportiva nacional. Até mesmo cartolas da velha escola preferiram tirar o corpo a defender Nuzman. Gente importante do comitê, como o conselheiro Alberto Murray, passou a fazer campanha contra o dirigente.
Por fim, toda a cartolagem e sua bancada política terminam o ano desdobrando-se nos corredores de Brasília para impedir que se instaure CPI a fim de investigar as contas do famigerado Pan, utilizando-se de lobistas que agora trabalham para persuadir senadores e deputados a não assinarem os requerimentos necessários.
Por esse rápido olhar - e até genérico, pois nem sequer entramos em modalidades específicas -, podemos verificar que 2008 novamente não pode ser considerado um ano positivo para nosso esporte. Para uns, foi um sucesso, inclusive em termos de resultados. Mas para os que não são ligados a cartolas, lobbies e comitês, seguimos em meio ao lamaçal.
E fiquemos atentos, pois em 2009 aumentará ainda mais a politicagem em torno da Copa de 2014, que promete também entrar para a história em termos de desperdício financeiro, obras faraônicas e outros descaminhos. Haverá também a decisão sobre a sede das Olimpíadas de 2016. Que as candidaturas de Chicago, Madri e Tóquio façam sua parte e poupem desde cedo nossos já combalidos cofres.
Gabriel Brito é jornalista.
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