O novo ‘poser’ da bola
- Detalhes
- Gabriel Brito
- 18/04/2009
O futebol, e sua violência, estão prestando mais um serviço como palanque para alavancagem de carreiras: graças a ele, o promotor de justiça Paulo Castilho não sai mais das manchetes, mesmo sem ter qualquer ligação prática ou passada com o ramo. E seu pavonismo, involuntária ou voluntariamente, é diariamente estimulado pela mídia, que agora publica até suas opiniões sobre o esquema da seleção, caso o dito cujo as tenha.
Responsável pela patética idéia de reduzir a 5% a carga de ingressos de visitante, piorando o cerco sofrido por essa minoria e acirrando o clima de bandos inimigos vigente no futebol paulista, é daqueles seres embebidos da crença de serem os salvadores dos ambientes em que adentram.
"No começo, as torcidas estranharam a pequena cota de ingressos para o visitante. Mas reduzimos ainda mais e reforçamos a segurança do setor. Eu sabia o que estava fazendo". Um disparate, mas se interpretada a fundo, a frase é muito reveladora da personalidade e mentalidade do promotor (e de todos que o bancam por trás). E reveladora de que tal sujeito é mais um que enganará a todos na luta que supostamente empreende pela paz no futebol.
Vamos tentar analisar a frase e suas entrelinhas. "No começo, as torcidas estranharam". Em primeiro lugar, as torcidas não estranharam nada, e sim detestaram, pois está se matando a cultura do clássico de duas torcidas, de forma desproporcional, com os visitantes sendo encurralados em número ínfimo. Em termos de espetáculo, uma queda brutal.
"Reduzimos ainda mais (a cota de ingressos para a visita) e reforçamos a segurança do setor". Nada mais paulista. Restrição, proibição, aumento da repressão, nervos à flor da pele para lidar com o público. Não somos a terra da lei anti-fumo, dos despejos dos pobres para recantos abandonados da periferia, do Psiu de sábado à noite, da ROTA, do povo chato e mal humorado, do céu cinzento e poluído? Portanto, normal que nossos parâmetros de convivência se guiem por aversão ao próximo, rixas, ódios, vedações.
"Eu sabia o que estava fazendo". Ah, é? Foram três clássicos sob tais orientações. Dois terminaram em pancadarias, somando dezenas de feridos, especialmente no famigerado São Paulo x Corinthians do Morumbi. Só o último (mesmos times, no Pacaembu) não registrou incidentes graves. Ou seja, o saldo é muito, mas muito, negativo. Fracasso total na verdade, pois ficou evidente que tal diminuição do público eleva os ânimos da parcela minoritária a níveis estelares, pois se sente acuada e vulnerável – a torcida do São Paulo precisou de uma escolta monumental para chegar ao estádio, parando Paulista, Consolação e o que mais estivesse em volta. Mesmo assim, o promotor se permitiu tal arrogância. Mas pelo menos revelou que as agressões, fraturas e acirramento de ânimos estavam no script.
No mais, Castilho agora está em todas. Vai a jogos da seleção, recepciona a delegação do Sport Recife em São Paulo, fala que prenderia Cristian pelo seu gesto obsceno na comemoração de um gol, assiste jogo da divisa de torcidas. Uma agenda agitadíssima. Pelo jeito, o MP o dispensou de todas as suas demais atribuições. E tudo sob o papinho de estar trabalhando pela paz, mas que é só a desculpa para circular permanentemente no tentador mundo da notoriedade pública e do trânsito nos corredores do poder no ramo. Como dito em outra coluna, já vimos o filme com Fernando Capez. E a resposta está no nosso nariz: São Paulo é a praça mais violenta do país nos espetáculos esportivos. E exatamente a que ‘revelou’ para o futebol a dupla citada.
Um amigo meu foi ao Rio e, não o primeiro, se disse encantando com o clima que se vive na cidade em torno de um jogo. A mídia, ao contrário da amargura paulistana, conclama o público a ir ao Maracanã. Os torcedores adversários se misturam no metrô, na ida e na volta; toma-se cerveja muito mais à vontade (pena que lá também entraram nessa de proibir dentro e vender a um palmo fora); leva-se toda sorte de instrumentos e adereços de festa. Resultado: públicos maiores e menos violência, pois seus causadores também se inibem em meio a um ambiente desfrutado pela população comum que apenas foi ao jogo.
São Paulo caminha há 15 anos na direção contrária, e no que continuar dependendo do promotor continuará, optando por um modelo de segurança que se referencia na violência, não no convívio. Entendo como uma derrota da sociedade, algo como ‘o medo venceu a esperança’. Como disse Mano Brown, que conhece cruamente a cabeça e o comportamento das classes populares, "você tira os instrumentos, a bandeira, a faixa, encurrala as pessoas num cantinho, proíbe cerveja e vende qualquer salgadinho por 4 reais, o que sobra? Violência, claro."
Enquanto não se buscarem vias construtivas, que incentivem a convivência mútua, livre, chegando mesmo a forçar que todos se misturem, só veremos mais vitórias da intolerância. Como também dito em uma coluna anterior, noves fora a tradição, um clássico paulista hoje fica muito abaixo como espetáculo do que qualquer outro pelo Brasil. Nisso, o Rio de Janeiro, e os outros estados, estão anos luz adiante dos paulistas, cujo estado (mais uma vez) mostra-se como a locomotiva (do atraso) nacional.
Figuras como essa de Castilho precisam ter vida curta no futebol. Roubam a cena, concentram a atenção de todos com novas idéias mágicas que não levam a nada, criam falsas esperanças e no final vê-se que todo o processo foi favorável somente a uma pessoa, que vocês já podem imaginar. As propostas do promotor são todas de linha conservadora, retrógrada, iguais às que vimos fracassar nesses anos todos. Não há porque dar ‘moral’ para que tal sujeito continue em sua falsa cruzada.
O fato de se meter na recepção da diretoria do Sport Recife, alegando cuidar da segurança dos pernambucanos apenas mostra o showzinho e a sede por notoriedade do promotor. Desde quando diretorias que se recepcionam em jantares formais e assistem o jogo de cabines privilegiadíssimas precisam disso? Sendo assim, proponho que nossas autoridades subam em ônibus e trens saídos da periferia (e passem um tempo por lá) a fim de averiguarem como anda a segurança do povão. Nesse caso, aplaudiria de pé tamanha ciosidade.
Castilho é mais um embuste midiático, símbolo de autoridades que não possuem respostas verdadeiras para essa cólera da violência no esporte e acham que tiram coelhos da cartola ao (re)aparecerem com suas novas e supostas soluções. Como uma vez disse a socióloga Vera Malaguti, "ficaremos a mercê dos deputados (ou outras autoridades, no caso) que também não estudam, não lêem e precisam aparecer no jornal com uma solução mágica". Pois, ‘the poser’ é assim. Que percebamos mais rápido, e não deixemos que se comprometam, negativamente, outros 15 anos.
Gabriel Brito é jornalista.
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Comentários
Gostoi muito da análise e - muito especialmente - da desconstrução da frase do promotor, para demonstrar o que realmente ele diz. Parabéns! Quero levar meu filho ao estádio sem medo e acredito na idéia coletiva de segurança, tal como você descreveu em outras cidades. Só isso fará com que superemos o clima violento que tomou conta do futebol paulista. As atitudes do promotor apenas perpetuam esse clima. E, infelizmente, o promovem. Não divide se logo-logo ele estiver ocupando cargo eletivo ou cartolando por ai. Imagine a final do Paulistão, Santos e Corinthians, com 5% de corinthianos no primeiro jogo e 5% de santistas no segundo... Muito mais emocionante seria com as torcidas dividindo os espaços (espaços públicos por excelência, por sinal).
Parabéns por seu artigo \"O novo poser da bola\", em que critica a intervenção de um membro do ministério público de São Paulo, na tentativa de se tornar o \"salvador da pátria\" dos problemas do futebol profissional paulista. A abrangência da sua crítica aos integrantes do Ministério Público de todo o País, pois também se acham os mais puros na apuração de fatos que intrigam a opinião pública. O pior são os espaços oferecidos a esse tipo de exibicionismo. O comportamento desse promotor é muiito parecido com os colegas dele aqui no Ceará - seja estadual ou federal. Todos - com as honrosas exceções - querem aparecer e ganhar minutos ou horas de fama, com a pseuda idéia de defender a sociedade.
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