Correio da Cidadania

Esportes em 2012: uma prova de fogo e muitos descalabros

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No ano que acaba de começar, o Brasil terá pela frente desafios cada vez mais importantes em sua caminhada esportiva, especialmente entre 27 de julho e 12 de agosto, quando serão realizados os Jogos Olímpicos de Londres. Na edição que antecede à que sediaremos em 2016, o país colocará à prova todo o seu trabalho nas mais diversas modalidades, oferecendo um bom parâmetro de quais poderão ser as pretensões verde-amarelas daqui a quatro anos e meio.

 

Com o aumento dos investimentos, o Brasil deverá ter condições de apresentar resultados melhores que das últimas vezes, talvez até fazendo sua melhor Olimpíada na história. Não seria surpresa, e sim reflexo de um trabalho um pouco mais forte em cima de alguns atletas mais destacados de cada esporte.

 

No entanto, por mais que venham resultados mais animadores, não se deveria perder de vista o fato de que o país segue investindo ninharias no esporte de base e das escolas, de maneira que a formação de novos atletas continua extremamente limitada. Assim, resta investir pesado nos poucos heróis que conseguem superar os obstáculos que a vida brasileira impõe e esperar que de cada limão saiam muitas limonadas.

 

De resto, a situação é mais ou menos a mesma de sempre. A boa nova foi o retorno do basquete, pela primeira vez desde a aposentadoria de Oscar. O vôlei segue fortíssimo e deverá rechear nosso quadro de medalhas. O futebol tentará o único título que a seleção não possui. Na natação e atletismo, um pequeno punhado de bons atletas tentará fazer frente aos melhores do mundo nas pistas e quadras. São os dois esportes que mais colocam medalhas em jogo, de modo que daqui em diante o país precisará se fortalecer muito em ambos, ao menos se quiser uma colocação prodigiosa no quadro geral de 2016.

 

Será muito mais fácil esperar o desenrolar das competições para medir em melhor escala os resultados de tal política esportiva, que ainda tem claros problemas de coordenação entre o governo, através do Ministério dos Esportes, e as federações de cada modalidade.

 

Com Aldo Rebelo, o “comunista” mais querido pela direita, no comando de tal pasta, após a queda de Orlando Silva, é difícil vislumbrar tantas mudanças, apesar de Rebelo possuir muito mais intimidade com os esportes do que Silva, além de desfrutar razoável credibilidade no público esportivo. Isso porque nos inícios do século – vejam só! – comandou a famosa CPI da Nike e produziu brilhante livro a respeito das investigações sobre a empresa e a CBF de Ricardo Teixeira. Porém, o livro foi recolhido há tempos e hoje são todos amigos.

 

Fora dos cenários de competições, o país também seguirá seus preparativos para os dois megaeventos que abrigará, sendo o primeiro deles a Copa do Mundo de 2014. Seus organizadores terão de acelerar como ainda não se viu todas as obras necessárias, tanto esportivas como estruturais. Tais grandes obras continuarão, certamente, cercadas de polêmicas a respeito de seus custos exorbitantes.

 

Como o país ainda não tirou do papel o grosso desses encargos, haverá a enorme possibilidade de vermos licitações atropeladas e processos acelerados com poucos ou escusos critérios, de modo a descumprir progressivamente as obrigações assumidas diante da população sobre a transparência e lisura dos gastos.

 

Um grande indício de nova aparição desse “fenômeno” tipicamente brasileiro é a votação pendente da Lei Geral da Copa e a submissão do governo brasileiro a todos os caprichos e exigências da FIFA. Dessa forma, o país deixará de arrecadar impostos relativos à entrada de turistas e credenciados no evento e adotará leis de exceção para proteger os patrocinadores oficiais da nave mãe do futebol mundial.

 

Além do mais, ao contrário do que se imagina, a Copa pode significar grandes prejuízos financeiros aos brasileiros comuns, que não poderão exercer a tradicional economia informal e autônoma nas cercanias dos estádios, sob pena de incorrerem em crimes de pirataria, apropriação de marca e afins. Tudo para blindar os grandes anunciantes e eliminar a respectiva concorrência.

 

A liberação de cerveja nos estádios ofende a todos não por permitir a volta da bebida alcoólica mais relacionada ao futebol, mas por acontecer somente para atender aos interesses da Budweiser, parceira da FIFA de longa data. O mesmo valerá para a venda de comida e outros produtos relacionados à Copa, totalmente apropriada por uma entidade que assim potencializa e divide entre os seus parceiros os bilionários lucros de um evento financiado pela sociedade brasileira, tal como se deu na África do Sul em 2010.

 

Dessa forma, soam risíveis as negociações a respeito da permissão de venda de entrada pela metade do preço para estudantes e aposentados. Mesmo que louvável a briga por esse direito estabelecido em lei, o dinheiro que a FIFA deixaria de arrecadar por conta da meia-entrada é uma ínfima parcela do bolo. Ou seja, o governo brasileiro deveria impor a meia entrada e pronto - assim como inúmeras outras decisões, aliás. Mas é melhor jogar para a platéia ao dizer que briga pelos interesses públicos. Como se o presidente do país fosse Joseph Blatter...

 

Não fica atrás a grotesca hipocrisia de oferecer ingressos gratuitos a indígenas ou outras vítimas preferenciais do Estado brasileiro, justamente num momento em que os primeiros ainda não conseguiram uma única conversa com a presidente da República, que por sua vez já se mostrou decidida a massacrá-los com obras de hidrelétricas e a expansão do agronegócio, “revogando” o direito à livre consulta que nossa Constituição lhes reserva.

 

Também cairá como uma luva a presença do ex-centroavante da seleção, Ronaldo, no Comitê Organizador Local, após o crescente desgaste do sempre desmoralizado Ricardo Teixeira. Com um ídolo do futebol nacional à frente dos trabalhos, a credibilidade do órgão crescerá, até porque contará com o inestimável apoio da rede Globo, sempre ávida por mostrar os “bons cuidados” com a coisa pública e uma realidade concreta do famoso “legado”. No mais, são todos sócios e quanto a Ronaldo já se nota sua vocação mais de Edson (não confundir com Pelé) que de Sócrates (ou pelo menos Romário)... Aliás, tal assunto mereceria uma abordagem à parte.

 

Portanto, os líderes desses dois grandes empreendimentos capitalistas (o grande e verdadeiro mote de se organizar tais eventos no Brasil sob as condições vigentes) tratarão acima de tudo de refinar a cortina de fumaça. A FIFA ficará em suas eternas chantagens; prefeitos e governadores serão submissos às exigências de prazos para as obras, que por sua vez serão cartelizadas entre as empreiteiras que os financiam; e o governo federal, Dilma à cabeça, fingirá que luta arduamente contra a corrupção e abusos durante os preparativos e competições.

 

Entretanto, é o governo federal quem banca a festa toda desde o começo, caso contrário sequer teríamos sido “abençoados” com a escolha de nosso país como sede. Dessa forma, não se pode atribuir a estados e municípios as falcatruas que veremos nos gastos e na condução de grandes obras, que muito obviamente afetarão milhares e milhares de famílias pobres – na verdade, já estão afetando... Bilhões de reais serão escoados naquilo que será apropriado como continuidade e legado do PAC, evidenciando a influência e interesse do Planalto em todo esse processo.

 

Fora isso, há uma enorme possibilidade de um novo boom de privatizações, devido ao fato de que numerosas instalações recém construídas terão suas gestões (e lucros) repassadas à iniciativa privada, sempre sob a mentira goebbeliana de que o mercado faz e cuida melhor. Até o Maracanã pode virar casa de Eike Baptista, e não dos clubes, que o alugariam certamente a preço maior que antigamente, via Suderj.

 

A concessão dos principais aeroportos do país é uma evidência gritante dessa nova onda de assaltos ao patrimônio público que se anuncia. Serão linhas de trem, ônibus, VLTs, ginásios, estádios, novos hotéis, todos novinhos em folha e bancados pelo erário, o que na visão dos nossos administradores dá muito trabalho e prejuízo... Mais detalhes no futuro, quando algum abnegado publicar o “Privataria Petista”...

 

Assim, iniciamos mais uma temporada dentro de todos os moldes nacionais, isto é, com a pequena e espúria política tomando conta dos bastidores e noticiários, deixando as grandes questões nacionais relegadas e escondidas do grande público. O povo, por sua vez – salvo uma minoria afetada diretamente – fica inerte diante de tais fatos, sob a cruel crença fabricada pela mídia de que todos faturaremos e nos beneficiaremos com essas duas grandes festas.

 

Resumindo, 2012 terá tudo para representar a intensificação implacável dos inadiáveis preparativos para a Copa e os Jogos Olímpicos. Como os interesses políticos, econômicos e empresariais são prioridade máxima, ainda que não declaradamente, depararemos com inúmeros atropelos aos procedimentos legais, sociais e éticos. Como já se vê claramente.

 

 

Gabriel Brito é jornalista.

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