Correio da Cidadania

Saída de Ricardo Teixeira da CBF não promete mudanças nem no futebol, nem na Copa

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A semana começou com uma das melhores notícias da história do futebol brasileiro: Ricardo Teixeira renunciou à presidência da CBF após 23 anos no cargo, muitos escândalos e retrocessos. Cercado por denúncias irrespondíveis vindas de todos os lados, o grão-cartola do futebol nacional recorreu aos mesmos expedientes de parlamentares que abdicam quando se vêem à beira da cassação. Os motivos (corrupção desenfreada) inclusive são os mesmos.

 

Antes um anônimo operador do mercado financeiro carioca, Teixeira foi alçado ao cargo máximo do futebol brasileiro após se casar com Lucia Havelange, filha do dirigente esportivo mais influente que o país já teve, o nonagenário João, ex-presidente da antiga CBD e mandatário da FIFA por longos 24 anos, entre 1974 e 1998.

 

Sem intimidade alguma com o futebol, sempre comandou a confederação por trás dos holofotes, tendo sido presença nula nos estádios brasileiros ao longo de todos esses anos, porém, extremamente dedicado às relações políticas com autoridades da República, e também comerciais, amealhando onze patrocinadores oficiais para a seleção brasileira e arrecadando atualmente cerca de 220 milhões de reais por ano.

 

No entanto, apesar da valorização da “marca” da Seleção, jamais foi bem visto pelos torcedores e pelo que se pode chamar de sério na mídia esportiva. Não era para menos, pois durante seu reinado foram fartas as ‘viradas de mesa’, os conluios com a Rede Globo, dentre outros fatos condenáveis, como a entrega, seguida de extrema mercantilização, da seleção para a Nike, após contrato assinado em 1996 que terminou em duas CPIs entre 2000 e 2001, quando ficaram inequívocos diversos dutos de corrupção e enriquecimento pessoal.

 

Porém, como estamos no Brasil, as formalizadas acusações parlamentares de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação de impostos, dentro outros crimes financeiros, terminaram varridas para debaixo do tapete. Um providencial (e fracassado) novo calendário do futebol nacional, supostamente mais organizado, e a conquista da Copa de 2002 arrefeceram o ambiente, permitindo ao ex-genro de Havelange escapar de sua maior tormenta.

 

Adiante, com a chegada de Lula à presidência da República, criou-se um ambiente de moralização do futebol nacional, especialmente após a sanção do Estatuto do Torcedor (a primeiríssima Lei assinada pelo ex-operário), que visava garantir um melhor funcionamento dos estádios e mais respeito a seus freqüentadores. Com ela, também se instituíram a atual fórmula de disputa do campeonato nacional e novos parâmetros de conforto, o que de alguma forma ajudou a melhorar sua imagem, mesmo que tenha sido francamente contrário ao projeto.

 

Porém, após diversos golpes em favor da Rede Globo em momentos de disputa pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, descalabros freqüentes no futebol doméstico, títulos da Seleção nos mais diversos torneios e uma amansada justiça, chegou o dia em que o Brasil resolveu ser sede da Copa do Mundo de 2014.

 

Vidraça e ego gigantes

 

Sediar uma Copa do Mundo e, ainda por cima, presidir o Comitê Organizador Local (COL) ampliaram como nunca a notoriedade de Teixeira. Membro também do Comitê Executivo da FIFA, já tinha se envolvido em escândalos de corrupção além mar, como, por exemplo, a propina de cerca de 10 milhões de reais ao longo dos anos 90, da empresa de marketing esportivo da FIFA, a ISL, que faliu após diversos desvios internos, como mostrou a BBC e se comprovou no tribunal da cidade de Zug.

 

Sem medir ambições, aparelhou o Comitê Organizador em favor de seus chegados, tal como sempre se viu na CBF. Exemplo disso é seu tio Marco Antonio Teixeira sempre ter ocupado cargo decorativo na entidade auferindo rendimentos de estrela de time grande. A filha Joana Havelange é a mais importante diretora do COL. Outros parentes e aliados ocupam cargos estratégicos. O comitê raramente presta esclarecimentos públicos e no ano passado a mídia desvendou que seu ordenamento jurídico original colocava os presidentes da CBF e do COL - ou seja, Ricardo Teixeira - como sócios do comitê e donos de direito dos lucros da Copa.

 

Desatento à nova proporção dos fatos, o ego engrandecido de Teixeira começou a enforcá-lo quando concedeu desastrosa, e espetacular, entrevista à revista Piauí, na qual esbanjou seu ilimitado poder, debochou da mídia crítica a ele, jurando até vingança na Copa de 2014, e fez pouco também das próprias autoridades da nação. A partir disso, o trânsito que tinha com Lula foi cortado por Dilma, que passou a deixá-lo em fritura tal qual ocorrera com vários de seus ministros.

 

Com esse tesouro da justiça suíça na mão e uma bombástica reportagem mostrada pela BBC, o repórter Andrew Jennings veio ao Brasil reiterar energicamente as denúncias, qualificando-o de modo que o grosso da mídia brasileira jamais teve a coragem de fazer. “Ele roubou tudo o que pôde e agora finalmente vai”, disse em seu comentário pós-renúncia. E, após outra abdicação, esta de João Havelange, da diretoria do Comitê Olímpico Internacional (COI), há cerca de dois meses, exatamente pelos mesmos motivos do ex-genro, espera-se que em breve os suíços dêem parecer definitivo sobre o caso.

 

Sem perspectivas no horizonte

 

Por ora, o quadro do comando do futebol brasileiro continua desalentador. Basta ver os vice-presidentes da CBF, principalmente Jose Maria Marin, histórico malufista, membro da ARENA, governador biônico em 1982 e agora presidente automaticamente empossado da CBF, por ser o mais velho dos vices – outra opção era Fernando Sarney. Seu discurso teceu todas as loas possíveis ao antecessor e afirmou que tudo seguirá igual nos procedimentos da entidade. Além disso, é aliado de Marco Polo del Nero, presidente da Federação Paulista, de estirpe idêntica à de Ricardo Teixeira.

 

No entanto, Marin não goza de nenhum prestígio e legitimidade no cargo, de modo que ainda é difícil prever o que se sucederá. Alguns presidentes de federações estaduais já se articulam e talvez pleiteiem novas eleições na CBF, pois entendem que o acordão de 2007 que estendeu o mandato de Teixeira até o fim da Copa de 2014 não se aplica a Marin.

 

O governo por sua vez não ameaça qualquer intervenção mais pesada, como via de enfim criar um clima de maior moralidade e também instituir novos paradigmas de gestão esportiva, algo mais que urgente na atual estrutura mafiosa do futebol nacional. Preocupa-se apenas em envernizar a imagem da Copa do Mundo, destacando Aldo Rebelo como ministro do Esporte que nada fará a não ser “cuidar da Copa”, como declarou. Por ter sido avessa a Teixeira desde o começo, tirando suas forças no Planalto, Dilma capitalizou sua renúncia, por muita gente atribuída diretamente a ela.

 

O capitalismo precisa manter aparências

 

Assim, o futebol brasileiro se livrou de um de seus piores inimigos, mas seu legado ainda é forte e a mobilização por mudanças, principalmente da parte dos clubes, ainda é decepcionante. O governo não parece tão interessado em instaurar novas e autênticas políticas esportivas no bojo de um momento histórico. Prefere ocupar-se dos grandes eventos e limpar sua imagem, que ainda sofrerá muitas críticas com as obras estruturais, já eivadas de desvios, atrasos, vícios e, acima de tudo, enorme desrespeito à população por elas afetada e em vários casos despojada.

 

Se não testemunharmos uma rápida e drástica alteração no futebol nacional, estaremos, assim, diante de uma cortina de fumaça a provar que essa Copa do Mundo é apenas parte de mais um grande avanço capitalista em locais promissores, algo talvez inédito no Brasil, mas não na Terra. Uma estratégia de negócios e lucros que, em nome das aparências, também descarta seus membros incautos, irresponsáveis e bufões.*

 

Atender à amplíssima rejeição da população e deixar partir o célebre e poderoso Ricardo Teixeira neste momento convém a todos, políticos e grandes empresários, criando uma distração em relação às diversas ilegalidades e violações que os bilionários negócios do porvir trarão, algo muito mais sério, complexo e lucrativo do que os interesses e projetos pessoais de um sub-reptício cartola de futebol e sua medieval confederação.

 

Nota:

 

*Ainda que os grandes donos da bola neste país descartem o descuidado e arrogante Teixeira, por começar a atrapalhar os “macrointeresses” da Copa, não significa que não exercerão toda a gratidão a quem lhes proporcionou ótimos contratos e lucros, como mostra a inescrupulosa matéria do Jornal Nacional apresentada no dia de sua renúncia. Teixeira migra para Miami, tradicional reduto de párias (inter)nacionais, e por ora não há indícios de que será incomodado pela nossa Polícia Federal e Justiça.

 

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Gabriel Brito é jornalista.

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