Correio da Cidadania

Trocas na seleção são medidas oportunistas dos novos candidatos a donos do futebol brasileiro

0
0
0
s2sdefault

 

 

Após seis meses sob nova direção, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), confirmando os boatos que ecoavam após a renúncia de Ricardo Teixeira, demitiu o técnico da seleção, o gaúcho Mano Menezes, que esteve à frente do cargo por quase dois anos e meio. Sem dúvida alguma, contribuíram as derrotas na final da Olimpíada e também em jogo recente contra a Argentina (somente com atletas que atuam nos respectivos países, sem as estrelas da Europa).

 

No entanto, a boa e velha politicagem que sempre deram o tom da gestão esportiva do país tiveram papel indisfarçável. A decisão, tomada pelo presidente biônico José Maria Marin (resquício da ditadura que deveria estar nos bancos da Comissão da Verdade, e não do futebol), representa também uma luta cada vez menos silenciosa pelo suculento espaço aberto com a saída de Rei Teixeira, que por sinal teve seu legado preservado, como prometera Marin em sua posse de março.

 

Com isso, o diretor de seleções, e ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanchez (este abençoado até por Lula), deixou o cargo, uma vez que sequer foi consultado sobre o tema. Nomeado por Teixeira, percebeu imediatamente que a desfeita não foi gratuita e o objetivo era vê-lo fora da CBF também. Mesmo derrotado, segue sua ascensão e irá trabalhar no governo de Fernando Haddad em São Paulo.

 

Objetivamente falando, não foi uma decisão técnica, ainda que se possam fazer críticas ao trabalho de Mano, tanto em termos de escolhas futebolísticas como de resultados. Mais além, o ex-técnico era visto como alguém de relações estreitas demais com empresários, sempre associados a pressões escusas nos bastidores, em favor de convocações de jogadores por eles agenciados.

 

Porém, o mesmo fardo já recaíra sobre outros técnicos do passado recente e o fato é que nunca se levantaram indícios consideráveis a este respeito. Divergir de nomes eleitos não é o mesmo que desbravar tramas obscuras na escalação do time. Além do mais, sujeira mesmo é aquilo que a CBF pratica aberta e declaradamente, tanto na gestão do selecionado nacional como do maltratado futebol doméstico, permeado por um patético calendário que mais uma vez impediu Neymar de efetivamente participar do recém-encerrado Brasileirão, entre outras façanhas.

 

Não se pretende neste espaço analisar todas as filigranas do trabalho de Mano, que ao menos acumulara méritos profissionais para chegar ao cargo. Em trajetória diametralmente oposta à do antecessor Dunga, começou a carreira na beira dos campos em times do interior gaúcho, chegando ao futebol grande através do Grêmio e emendando trabalho bem sucedido no Corinthians, após sair do tricolor gaúcho. Em ambos os casos, pegou times destruídos e rebaixados à segunda divisão e os devolveu ao topo.

 

“Só pode ser política, porque não é do campo. Era o melhor momento da seleção, todos estávamos com alegria, voltando a ligar a televisão para ver jogar, o que não estava acontecendo, estava chato. E agora sai o treinador? Sou treinador, os caras têm que me tirar pelo trabalho técnico, não concordo com outra saída”, criticou Muricy Ramalho, técnico do Santos que rejeitara o cargo que Teixeira lhe ofereceu, logo após a derrota para a Holanda em 2010.

 

A escolha de Luiz Felipe Scolari para o seu lugar, acompanhado de Carlos Alberto Parreira na condição de gerente, é de um baratíssimo populismo, que denuncia a ausência de uma planificação, qualquer que seja, dos herdeiros do ex-genro de João Havelange – que ainda recebe 100 mil reais mensais a título de “consultoria” e cujas falcatruas já estão inteiramente desnudadas pela justiça suíça, informação que nossa Polícia Federal e Ministério da Justiça parecem desconhecer.

 

“Foi proposta a renovação para ele ser o técnico em 2014, mas parece que isso nunca existiu. Quem fez o trabalho mais duro foi ele e recebeu muitas críticas. Porque no Brasil ninguém quer saber de nada, só de ganhar o jogo”, emenda Muricy.

 

Mais do mesmo

 

Como se sabe, além da fidelidade a Teixeira, Marin também se destaca como ponta de lança das pretensões do presidente da Federação Paulista, seu compadre Marco Polo del Nero, por sinal outro admirador do vergonhoso regime militar. Este, por sua vez, lembra em quase tudo o antigo imperador, desde a desfaçatez com que trata o futebol e o torcedor, passando pela total inépcia na lida com o que se passa dentro das quatro linhas. Em resumo, mais um ávido por poder, holofotes, influência y otras cositas más.

 

À frente da federação do estado mais rico da nação, sua gestão pode ser definida como aquela que selou o fim do campeonato estadual como algo realmente digno de comoção, criando um monstrengo de intermináveis 23 datas, que tanto contribui para o descompasso do calendário brasileiro e nos entorpece de péssimos jogos durante quatro meses, ainda por cima com estádios vazios, visto se tratar de um dos arautos da elitização social das arquibancadas.

 

De resto, os times do interior adentraram mediocridade nunca antes vista e são usados como moeda política nos jogos de interesse que permeiam a gestão desse tipo de cartola. No entanto, não raro foram prejudicados. Podemos citar um exemplo recente: a chegada do Guarani de Campinas à final do Paulista e o golpe de bastidor que lhe tirou o jogo que tinha direito de sediar em sua cidade e o levou ao Morumbi. A explicação, falsa, foi de que a renda seria maior. De fato, para o São Paulo FC, dono do campo, houve aumento inesperado de renda.

 

Como se não bastasse, no mesmo dia em que Marin anunciou a queda de Mano, e todo o público se dava conta do triunfo político de Del Nero, a Polícia Federal o levou a depor, por conta da chamada Operação Durkheim, que investiga uma quadrilha especializada em quebra de sigilo – e que teria, no dito cujo, um dos suspeitos de se beneficiar do esquema. Candidamente, veio a público assegurar que não há nada relacionado ao futebol. Como se assim pudéssemos ficar tranqüilos a respeito de quem advogou para o maior ladrão da história do Corinthians. É de se reconhecer no sujeito um substituto à altura para “Tricky Ricky” – apelido dado pela imprensa inglesa a Teixeira.

 

Futebol tem vez?

 

Tentando abordar um pouco daquilo que deveria interessar, o futebol, pode-se dizer que é difícil se animar com a segunda passagem de Felipão pelo time canarinho. A tentativa de retorno ao passado glorioso em muitas vezes mostra-se uma lástima, como o próprio futebol cansa de atestar. Além do mais, não podemos ignorar as particularidades e acasos que abriram caminho para o penta brasileiro, em 2002.

 

Depois, Felipão teve boa passagem (seis anos) pela seleção portuguesa, o que constituiu seu último bom trabalho, seguido de aventuras mal sucedidas na Inglaterra e Uzbequistão. No meio de 2010, voltou ao Palmeiras, e mostrou que não tinha renovado conceitos e idéias futebolísticas. Fez seu time jogar sempre da mesma forma rústica e aguerrida, com bastante marcação e dependente das bolas paradas. Não havia muita variedade tática e muito menos um time pronto para a troca de passes e o jogo qualificado, pensado, mais do que necessário em um time de tal envergadura, até pelo poderio econômico para a montagem de times mais fortes.

 

Ganhou a Copa do Brasil deste ano na bacia das almas, mas ao mesmo tempo não conseguiu manter o controle do grupo, uma de suas velhas marcas, o que levou o alviverde a ser dominado pela acomodação de jogadores limitados, dentro de um clube há muito tempo dividido pela pequena política, culminando num desastroso rebaixamento à segunda divisão – mesmo que tenha deixado o cargo a dois meses da tragédia.

 

A seu favor, apenas o carisma e uma previsível aprovação popular, que devem lhe render tranqüilidade para tentar criar alguma mística em torno do atual grupo de jogadores e fazê-los entregar mais do que o imaginável. No futebol, não é impossível.

 

Mas, se com Felipão estamos desconfiados, com Parreira a coisa é certamente pior. Sempre amigo do poder, o técnico do tetra mostra-se um iluminado pela generosidade da vida, uma vez que há muito tempo não faz um bom trabalho no ramo e, acima de tudo, esteve à frente do vexame – moral e esportivo – da Copa de 2006.

 

Acomodado na glória e fama, foi um professor preguiçoso quando reocupou o cargo entre 2003 e 2006. Queria apenas “administrar talentos”, como dizia, o que revelava um treinador à espera que seus craques sempre resolvessem a vida em passes de mágica. O resultado foi que sua falta de comando permitiu uma preparação para o mundial em verdadeiro ritmo de Sodoma e Gomorra.

 

Depois, tentou a sorte na África do Sul na Copa de 2010, tendo pouco a fazer ante a limitação deste selecionado, que foi o primeiro país-sede a cair fora na primeira fase. Agora, estava aposentado, promovendo congressos e encontros de cunho corporativo e marketeiro dentro do mundo do futebol.

 

“Não podemos permitir que a tradição nos impeça de notar a estagnação. O esporte evolui física, técnica e taticamente. Novas ideias, conceitos renovadores, avanços em todos os campos são fundamentais num meio tão competitivo. E o Brasil parou no tempo. Mano Menezes não era exatamente um vanguardista no comando da seleção cebeefiana, mas capitaneou uma necessária renovação e vinha forçando ainda mais um jogo de bola no pé, técnico, hábil”, escreveu o comentarista Mauro Cezar Pereira, da ESPN.

 

Diante do quadro, tanto político como técnico, podemos dizer que o futebol brasileiro premia o não trabalho, a acomodação, o conchavo político da pior espécie e os interesses mais mesquinhos e inconfessáveis da cartolagem paulista, que pela primeira vez pode superar seus pares do Rio de Janeiro em termos de ascendência sobre a totalidade do futebol nacional. Culpa também de todos aqueles que, desde a renúncia de Teixeira, nada fizeram para promover uma autêntica limpeza e renovação.

 

Leia também:

Euforia com mega-eventos pode manter intactos retrocessos da era Teixeira

 

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

0
0
0
s2sdefault

Relacionados

No result...