O ano em que caiu a máscara da falsa modernização do futebol brasileiro
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- Gabriel Brito, da Redação
- 20/12/2013
A exemplo de anos anteriores, insistimos em fazer um balanço crítico da temporada da nação cada dia mais próxima de receber os megaeventos.
Pra facilitar, sublinhamos que basta se ater aos fatos de dezembro para se ter o devido diagnóstico de penúria do futebol brasileiro: morte de operários nas obras dos superfaturados estádios, volta da “virada de mesa”, violência sem controle e um triste choque de realidade no cenário internacional.
Copa do Mundo
Como avisamos (1, 2 e 3), as obras foram levadas ao limite dos prazos e atrasos. Aumentou-se a pressão sobre os operários, que em muitos casos tiveram jornadas de trabalho abusivas, no que sobram as denúncias das condições de trabalho.
Dessa forma, o último mês do ano foi marcado por quatro mortes de trabalhadores: duas no Itaquerão, e mais duas na Arena da Amazônia, em Manaus.
Vale lembrar que a Copa aqui era uma fava contada quase desde o início da década passada, quando a FIFA determinou o rodízio de continentes e os países sul-americanos fecharam todos com o Brasil.
As obras começaram, muito lentamente, apenas em 2010, com todas as maliciosas relações entre poder público e privado, bancos financiadores, governos, tribunais de conta e os beneficiários principais, isto é, as empreiteiras. Um bate e assopra que tinha de dar nisso. Correria de última hora e muito sobre-preço.
Quanto ao legado estrutural, a comprovação da fraude. Todos os governos já assumiram que não poderão cumprir a matriz de responsabilidades, uma imensa lista de obras de melhora do transporte coletivo, mobilidade urbana, hotelaria e aeroportos. Nos dois últimos itens, o país já era bem resolvido e não terá sobressaltos (por maior que seja o terrorismo do “caos aéreo”, na verdade, uma corneta privatista, já silenciada). Quanto às obras de grande interesse popular, a serviço de uma fração muito mais ampla da população, um fracasso. E mesmo assim conseguirão fazer a mais cara Copa da história.
Outro item que segue firme e forte são as remoções. De acordo com o Comitê Popular da Copa, são de 150 mil a 170 mil famílias atingidas. E nada de os governos providenciarem medidas sérias de realocação. Tampouco fornece informações firmes sobre esses números, talvez subestimados.
Futebol doméstico
Como já vem se tornando regra, dentro de casa tivemos mais uma temporada de muito baixo nível. Não houve uma política esportiva de aliar o crescimento econômico recente à exposição garantida de uma Copa do Mundo. Algo que visasse fazer do Brasil um dos grandes (e visíveis) centros do futebol e a volta de tempos mais saborosos, quando todos os grandes jogadores faziam sua carreira por aqui e as escalações dos times eram memorizadas.
O que se tem na prática é a introdução de preceitos neoliberais no futebol, o que os arautos do “futebol moderno” e empresarial sequer disfarçam. Avançamos no processo de elitização dos estádios e vamos expulsando os menos abastados, dando lugar a novos simpatizantes.
Deparamo-nos com uma lógica de forte controle de comportamentos, outro preceito importado da Inglaterra thatcherista e sua cruzada higienizadora da virada da década de 80 para a de 90. Agora, a ordem são os assentos numerados, vivência individualizada, nível de consumo elevado e uma relação carnal com aparelhos eletrônicos.
Ao lado do “moderno”, o mais arcaico
Como assinalado em artigo recente, essa chamada modernização do futebol brasileiro se dá com os mesmos de sempre, isto é, os cartolas da linhagem João Havelange/Ricardo Teixeira, os mais bem sucedidos nestes corredores. O segundo, apesar do auto-exílio em Miami, com visitas ao Brasil nunca notadas pela Polícia Federal, continua dando as cartas na CBF, através de seu testa de ferro José Maria Marin.
Lembremos que este membro da ARENA deixou claro, ao ganhar o cargo de presidente da CBF no colo, que trabalharia na mesma linha do admirável antecessor. Além disso, mantém-lhe um cargo de “consultor”, pagando 100 mil mensais ao “ex”-chefe.
Não é de surpreender a atual mediocridade. A porta aberta à maracutaia voltou a dar o ar da graça. O excesso de jogos grita por um basta, os estaduais viraram mero estorvo e o campeonato nacional é espremido no calendário, sem interrupção mesmo quando jogam as seleções.
Vários destaques abandonam seus times em ocasiões decisivas e de pouco serve mais dinheiro no bolso se o clube pode ter esse investimento roubado por convocações de uma confederação que, inclusive, provocou o desencanto com a seleção.
Por isso, tivemos de desistir do ponto de vista que defendia a permanência de Neymar. A maior revelação dos últimos 5 ou 10 anos do país não conseguiu jogar nenhuma edição do Brasileiro em sua íntegra. E na falta do tal “projeto” (palavra da moda), os demais destaques continuaram rumando à Europa, ficando claro que uma andorinha só não faria verão.
“Grand finale”
O futebol brasileiro continua na mesma, apesar de muito mais rico em sua elite. Vivemos de ilusões esparsas com a seleção, a grande referência no estrangeiro, e diminuídos no âmbito dos clubes, sem condição alguma de fazer frente aos principais esquadrões do planeta.
Em junho, sob a batuta de Felipão, o time soube aproveitar a atmosfera calorosa (dentro e fora dos estádios) e o técnico do penta voltou a realizar sua especialidade de levantar equipes desacreditadas e extrair o máximo de seus comandados. Com o fator casa e jogadores em chamas, está claro o favoritismo, até pouco tempo impensado, no Mundial.
No entanto, o quadro interno continua desanimador. Somos fortes o bastante pra dominar a América do Sul, mas frágeis e despreparados em voos maiores. No meio do ano, Santos e São Paulo deram pena em suas excursões à Europa. Nesta semana, o Atlético Mineiro levou um inacreditável vareio do campeão marroquino e não fez a sonhada final com o Bayern de Munique.
E como se não bastasse um campeonato ruim, ele não termina e se estende pelos tribunais. Como publicamos, o Brasileiro foi encerrado com a marca da eterna violência e do tapetão.
No primeiro caso, as reações de indignação são as mesmas de sempre, assim como os anúncios de grupos de trabalho. Trata-se de uma chaga com resoluções limitadas, considerando-se o contexto de nossa brutal violência cotidiana. Porém, pode se tornar um atalho para novas medidas higienistas, como já deixaram escapar alguns senhores. Voltaremos ao tema.
Dentro de campo, ou nem tanto, vimos novamente o Fluminense se beneficiar do viciadíssimo tribunal desportivo, outro feudo de certos grupos da elite brasileira, ávidos pela notoriedade conferida pelo futebol. Uma corte dominada pelo controvertido Luiz Zveiter, que entre mil polêmicas já nomeara seu filho de 19 anos para uma das comissões. Foi esse garoto quem negou, sozinho e de pronto, o recurso do Vasco, por razões já explicadas.
O Fluminense teve a postura mais cínica possível. Declarou-se desvinculado do caso e disse se tratar da preservação do futebol brasileiro, ao mesmo tempo em que enviou seu advogado e fez as maiores juras de amor à “legalidade” que já pudemos ver. Cansados da gritaria de inúmeros bacharéis formados na internet, indicamos a definitiva explicação do advogado Carlos Eduardo Ambiel, no blog do jornalista Juca Kfouri.
Diante de tamanho quadro, a observação do jornalista Luis Felipe Prestes, do valoroso Impedimento, parece a mais pertinente: “Se a Lusa entrar na Justiça comum e barrar o campeonato por liminares, como fez o Gama em 2000, a Globo terá um prejuízo colossal, e a FIFA vai clamar por uma solução. Essa solução deve ser pensada desde já. Se eu fosse presidente de um clube da Série A, iniciaria agora a articulação para uma Liga independente da CBF, com tudo que a CBF jamais soube dar ao campeonato. Desde negociações justas com a TV até um calendário decente, passando pela absoluta manutenção dos resultados de campo do Brasileirão 2013. Acordei de um sonho bom. Acordei rindo. Abri o jornal e tá lá a torcida do Fluminense comemorando a virada de mesa. Volto a dormir?”.
Alento
Para deixar uma nota positiva, saúde-se o nascimento do Bom Senso Futebol Clube, movimento criado pelos jogadores das séries A e B. “Contra tudo isso aí”, exigem calendário digno para grandes e pequenos, fair-play financeiro, entre outras melhorias administrativas, sob o slogan “por um futebol melhor para todos”. Merecerá nossa atenção em 2014.
Gabriel Brito é jornalista.
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