Correio da Cidadania

Formas de dizer

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Formas e formas de dizer. Palavras que transformam, reformam, talvez deformem, informem demais, ou menos, conformam, desconformam.

 

Não é que ela seja chorona — nasceu com o dom das lágrimas.

 

Não é que ele seja arrogante — tem é excesso de personalidade.

 

Não é que ele tenha me ofendido — é apenas uma pessoa muito sincera.

 

Formas de dizer que escondem o que era preciso, hoje, com urgência, sem falta... revelar e redizer, ou ficará o não dito pelo dito. Ou é benevolência mesmo, querer bem ao outro, dar ao outro nova chance, e outra chance, desejar ao outro o melhor. Ao outro referir-me com boas palavras.

 

Não é que ele seja dorminhoco — simplesmente descansa em horas imprevisíveis.

 

Não é que ela seja antipática — seu problema é a timidez.

 

Não é que ele tenha me traído — suas circunstâncias é que o traíram.

 

Palavras generosas, maneiras de manusear o real para que o real não ataque, não queime, não fira, não açoite, não machuque. Ser assim, ser doce com frases leves, frase moça, frase que apenas roça a superfície dura da realidade amarga.

 

Não é que ele seja preguiçoso — acontece que ninguém é de ferro.

 

Não é que ele perca a compostura — é melhor que solte os cachorros a morrer de infarte.

 

Não é que ela tenha me roubado — eu é que fui descuidado.

 

Mais que eufemismo, elogiosa perífrase, modo de falar pensado para não pensar, não aprofundar a chaga. Chega de sofrer. Xingar tampouco adianta. Tão pouco... Choramingar é chuva em asfalto, nenhuma semente para crescer e frutificar.

 

Não é que ele escreva errado — sua ortografia é original e ousada para o nosso tempo.

Não é que ela fale mal de mim — eu é que não ando na linha.

 

Não é que ele me explore — no fundo só quer o meu crescimento como pessoa.

 

Palavras que tapam o sol com a peneira, e tapam mesmo, impedem que a pele sofra os raios de fogo.

 

Palavras que douram a pílula, porque pílula dourada é o que há de melhor, não assusta quem a precisa engolir. Palavras que não choram o leite derramado, era mesmo um leite estragado...

 

Não é que eu fuja do confronto. Ou tenha medo de encarar os fatos, e tirar a limpo. Não é que eu seja covarde. Não é que eu ponha água na fervura. Ou sim?

 

 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor. Web Site: www.perisse.com.br

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