“Ai se eu te pego”: uma análise comparativa
- Detalhes
- Gabriel Perissé
- 13/01/2012
Analiso abaixo a letra da canção “Ai se eu te pego”, interpretada por Michel Teló, sucesso nacional e internacional. Na primeira estrofe, temos...
Sábado na balada
A galera começou a dançar
E passou a menina mais linda
Tomei coragem e comecei a falar
Cada verso e cada palavra de Teló nos conduzem a universos paralelos da cultura. O primeiro verso faz menção ao “Porque hoje é sábado”, em que Vinícius de Moraes revê a criação do mundo.
A balada a que se refere Teló alude àquele antigo poema com que se narrava alguma tradição histórica, acompanhado ou não por instrumentos musicais. Ou àquela peça puramente instrumental como cultivavam Chopin, Brahms ou Liszt.
A supracitada galera (“turma”, “amigos”, “gente”) de Teló se equipara ao decassílabo “Vogo em minha galera ao som das harpas”, de um poema de Castro Alves.
Reportando-se de novo ao poetinha Vinícius de Moraes (“Garota de Ipanema”), Teló também contempla a menina linda que passa. E vai além. Em êxtase, tomado pela excitação poética, num ato de coragem extrema, o baladeiro se declara:
Nossa, nossa
Assim você me mata
Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego
Delícia, delícia
Assim você me mata
Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego
A dupla exclamação — “nossa, nossa” — nos remete à admiração de que falava Aristóteles como ponto de partida da reflexão filosófica, ou pode se tratar também de uma forma reduzida da interjeição “Nossa Senhora!”, inserindo o poema no amplo cenário (e não menor mercado) das composições religiosas.
Outra referência inconfundível é o locus poético em que amor e morte se encontram — o clássico “morrer de amor”. O verso “Assim você me mata”, que o cantor faz acompanhar com o abanar da mão em direção ao rosto (simulando morte por asfixia ou enfarte), equipara-se a momentos sublimes da poesia romântica de Gonçalves Dias ou Casimiro de Abreu. Há, entre outros exemplos, um soneto em que Camões, dirigindo-se ao Amor, com ele se queixa: “Que vida me darás se tu me matas?”
Aqui termina o poema de Teló, com uma concisão que lembra Paulo Leminski e Mario Quintana.
Mas parece que os imortais que acima citei não gostaram das comparações feitas aqui. Das suas tumbas erguem-se vozes, cantando em uníssono:
Perissé, Perissé
Assim você nos mata!
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
Website: www.perisse.com.br
Comentários
Perissé, parabém pela sátira. Rindo, podemos castigar os fatos, diziam os latinos. Conheço seu trabalho, pois leciono filosofia da educação e uma das fontes que trabalho é seu livro que possui o mesmo título da disciplina. Você fez algo maravilhoso no pequeno-grande texto acima. Partiu de algo banal "ai, se eu te pego", demonstrando a superficialidade, o esvaziando da música, que uma das linguagens artísticas, num modelo de sociedade que não valoriza a profundidade do pensamento crítico. É num mundo de superficialidade, que a música- " ai, seu te pego"- também expressa um sentimento supérfluo não apenas acerca da mulher, sobre o próprio ser humano. O "eu te pego" ganha força e se impõe sobre o pensamento elaborado de poetas que foram citados por você e que se fossem vivos, decerto, reagiriam pois pensam para além do banal. Ótimo trabalho por que você partiu do ordinário "ai, seu te pego", para instigar o leitor a admirar para além do aparente. A filosofia- mesmo num contexto de avanço das força de extrema direita- demonstra a sua tarefa: ensina-nos a compreender o mundo para além do instituído. Forte abraço
Aproveito o ensejo para refletir que essa coisa (que não é música) repete a "reificação" da feminilidade, a qual recebe o pior tipo de "cantada" que uma mulher mereceria receber e paradoxalmente é o que a maioria delas querem - um homem que as veja como objetos descartáveis e dignas do lixo, das DSTs ou de distúrbios psicológicos de auto estima.
E ainda sigo além dizendo que a sentença "ai se eu te pego" podemos interpretar como a de um homem perturbado sexualmente, que ou permanece incapaz de conquistar uma mulher pelo sentimento e inteligência ou seguirá como ameaça de violência sexual dada sua incapacidade de visualizar a mulher como ser racional.
Somando posso acrescentar que é mais uma "produção viral" que estimula a erotização infatil e pedofilia, pois esta "coisa" massifica no homem incauto que a "menina mais bela" não precisa ser maior de idade.
Queira Deus que um dia uma gota de racionalidade caia neste oceando de ignorância e hipocrisia de nosso país que consome este lixo dentre outros como do funk, axé e pagode.
Eu que ainda creio que a educação, o conhecimento, são a condição sem a qual não haverá civilização.
Mas, para a ideologia reinante, já atingimos o topo civilizacional. Povos ignorantes, tangidos pela grande mídia na direção do consumo sobretudo supérfluo que satisfaz um status que ela própria impingiu e no qual todos creem. É a pior das religiões, senão uma das piores.
Por exemplo, dar e receber presentes como forma de ampliar o consumo. Isso já faz parte da crença das novas gerações. Elas se sentem obrigadas a cumprir o rito. Todo o ano. Várias datas comemorativas passaram a ostentar essa obrigação subliminar. No natal a coisa ganha ares de tragédia. Milhões de pessoas esgotam estoques. Como animais amestrados perderam a capacidade de dizer não. E quem se rebela é tangido de volta ao rebanho, ou execrado como um sujeito não muito bom da bola.
Escravos do consumo. Escravos da mídia.
Professor, espero vê-lo po PALMAS, TO e breve, quem sabe no Festival Literário !
SHALOM.
é um parto com chave de pernas fechadas.
ninguém entra, nem sai.
leminski jamais assinaria uma besteirada dessas.
não tenho aval pra falar em nome... porém, o pop que os caras procuravam beijava os biscoitos finos do oswald.
a pobreza melódica, ritmica e semântica, nos oferece o desprezo. não é porque ganha grana que temos que cultuar
Ai se eu te pego..."Pensei na Polícia Federal e suas ações para prender sonegadores, ladrões.
Assine o RSS dos comentários