O vocabulário da tragédia
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- Gabriel Perissé
- 07/08/2007
Um professor de língua portuguesa me ensinou que existem, grosso modo, dois tipos de vocabulário.
O ativo, que empregamos com relativa freqüência na comunicação oral e escrita, seja de maneira informal, seja num contexto técnico, ou científico, ou profissional. E o vocabulário passivo, composto por palavras que não empregamos no dia-a-dia, nem na conversa fiada nem na sisuda reunião de trabalho, mas graças às quais, no entanto, com maior ou menor precisão, compreendemos o que os outros tentam nos comunicar.
Convém à mídia utilizar vocabulário acessível ao maior número de pessoas, abrangendo um público de vocabulário passivo modesto ou variado, magro ou copioso. Ninguém precisa assistir ao telejornal com o dicionário na mão. Seria estranho necessitar de glossários para entender uma reportagem ou acompanhar determinada entrevista.
Contudo, em dado momento, podem invadir o espaço lingüístico da mídia alguns termos novos inevitáveis, como aconteceu nas últimas semanas, desde a tragédia do Airbus da TAM. As novas palavras que surgem no vocabulário ativo dos âncoras, apresentadores, jornalistas e articulistas são rapidamente incorporadas ao vocabulário passivo de leitores, ouvintes e telespectadores.
“Manete”, dispositivo que acelera o motor de avião, é uma dessas palavras. Até então restrita ao jargão da engenharia mecânica, vai se tornando familiar ao simples cidadão. O fato de ainda causar alguma estranheza entre os não-iniciados explica indecisões quanto ao seu gênero. Há os que dizem e escrevem “a manete” (José Meirelles Passos, O Globo, em 26 de julho). O certo é “o manete”.
Outra palavra estreante: “grooving”, as ranhuras transversais na pista para aumentar o atrito. Por ser palavra estrangeira, é compreensível ler em blogs a forma “groving”, um “o” apenas. Mas, e daí? — pergunta-nos o internauta. — Você não entendeu do que se trata? Então relaxa... e prepare-se para outras variantes: “groowing”, “groovin”, “gruving”...
Escreve-se e fala-se também no “reverso” da aeronave. Nem o Aurélio nem o Houaiss ajudam. Nesses dicionários, encontramos o reverso da medalha, o reverso de um painel, o reverso do problema. Nada que se refira à aviação. E, afinal, não seria mais correto o “reversor”? Termo que também não consta dos grandes dicionários. Não é a primeira vez que o reversor ganha notoriedade. A falha desse mecanismo foi a causa do acidente do Fokker 100 da TAM, em 1996.
Importa assimilar essas palavras, para sairmos da perplexidade passiva e cobrarmos explicações convincentes.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
Web Site: www.perisse.com.br
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