Educação na lata
- Detalhes
- Gabriel Perissé
- 09/04/2007
Thomas Mann, pela boca de um personagem diabólico, diz que um dos tormentos do inferno é fazer o condenado sentir calor, calor, calor... obrigando-o a encontrar um canto frio... e nesse canto ele começa a sentir frio, frio, mais frio... e volta a buscar o calor. A fuga alternada desses extremos torna a alma eternamente infeliz.
As famosas “salas de lata” de escolas municipais e estaduais de São Paulo são
gélidas no inverno, quentíssimas no verão, e, quando chove, produzem um barulho
infernal que o próprio demônio não previu...
Evidentemente, a versão oficial minimiza os males, lança cortinas de fumaça,
diz que o inferno não é tão feio como se pinta... ou como se fotografa. Quem
acompanha os noticiários, e lê as justificativas dos que governam, chega a
pensar que essas confortáveis salas deveriam ser mantidas, mas depois descobre
que são criticadas por todos, inclusive por aqueles que demoram a eliminá-las.
No último dia 21 de março, o prefeito Gilberto Kassab visitou a Escola
Municipal Cacilda Becker, bairro do Jabaquara. Foi verificar a substituição “de
sala metálica” — a preposição “de” produz ambigüidade: era uma sala, eram dez?
— por instalações de alvenaria, e a construção de banheiro masculino para
funcionários (antes não havia esse banheiro?). A notícia aparece agora, mas durante quanto
tempo os problemas foram ocultados, sobretudo ao longo das campanhas políticas?
No Boletim Informativo da Subprefeitura dos bairros de Santana/Tucuruvi
(outubro de 2006), a manchete é “Salas de lata? Nunca mais!”. O texto afirma
que essas salas eram um pesadelo para alunos, famílias e professores. No
entanto... em 2005, a secretaria de estado da Educação, em plena gestão
Alckmin, defendia as salas de metal: “têm bom isolamento térmico, ventilação e
iluminação basicamente idênticas às das escolas de alvenaria...”. Ora, então
por que substituí-las? E por que a promessa de que deixariam de existir em
2003, em 2004, em 2005, em 2006...?
A idéia diabólica nasceu com Celso Pitta (1997-2001), Marta Suplicy (2001-2005)
não desarmou o calvário de 30 mil alunos, e a gestão Serra/Kassab (2006...) vai
fazendo o que pode. Todos eles, seja qual for o partido, seja qual for a
desculpa, demonstram com esta morosidade e belos eufemismos em que lugar a
educação se encontra em sua lista de prioridades.
Quantas aulas na lata terão contribuído para o péssimo aproveitamento dos
alunos nesta década perdida!
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
Web Site: www.perisse.com.br
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