Correio da Cidadania

Violência contra inocência

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Há notícias que se repetem. Não é preciso ter o dom da profecia para saber que inundações, acidentes de trânsito e assassinatos voltarão à cena semana após semana. O duro é quando perdemos o dom do espanto, que deflagra nosso desejo de observar melhor os fatos, com visão responsável.

 

Volta e meia recém-nascidos são vítimas dessa violência que se chama abandono. O fato de que seja notícia recorrente não deveria abafar nossa perplexidade.

 

Para pinçarmos apenas alguns casos neste ano de 2007, lembremos o recém-nascido encontrado dentro de uma sacola plástica, em Jacareí (SP), em fevereiro. No hospital, deram-lhe o grandiloqüente nome de Vitor Hugo, em contraste com a sua lamentável situação.

 

Lembremos a menina de dois dias de vida encontrada em Chapecó (SC), no mês de agosto, enrolada em roupas de adulto, dentro de uma caixa de sapatos.

 

Lembremos que, em setembro, no Rio de Janeiro, outra recém-nascida foi encontrada, debaixo de um carro, no Caju (zona portuária do Rio).

 

Lembremos que, também em setembro, em Camaragibe (PE), um recém-nascido foi abandonado em plena mata e encontrado por dois lenhadores. (Mais parece conto de fadas!) Nu, com picadas de formigas pelo corpo, o menino recebeu dos funcionários do hospital o nome de Renato (pois de fato renasceu).

 

Ainda em setembro. Lembremos a menina recém-nascida resgatada com vida de dentro do poluído rio Arrudas, em Belo Horizonte, e que faleceu no dia 4 de outubro, mas antes recebeu também um nome, Michele, no hospital em que estava internada.

 

Lembremos a recém-nascida encontrada no dia 2 de outubro numa lata de lixo em Taboão da Serra (SP), dentro de um saco. A menina nasceu prematura e foi batizada com o nome de Ângela porque dia 2 de outubro é Dia dos Anjos da Guarda.

 

Além de registrar... refletir. Não são apenas matérias do cotidiano que é dever jornalístico (ou faz parte da rotina) incluir no noticiário.

 

A carência psicológica e social das mães cujos filhos sofrem tamanha violência não é incausada. A mãe que abandona seu filho sentiu-se também abandonada. Sua violência contra a inocência, que deve indignar, nasceu, porém, das violências de que a mãe também foi vítima.

 

Violência gera violência. Prender a mãe, condená-la, longe está de resolver o problema. E muito mais longe estaremos de resolvê-lo, se alguém aproveitar esses episódios para defender o aborto.

 

 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor. 

 

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