Correio da Cidadania

Crise e impasse desconstroem política social instituída a partir de 1988

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A última Medida Provisória editada pelo Governo Dilma – de n. 669/2015 -, pelo seu teor de revogação de um conjunto de desonerações previdenciárias concedidas desde 2012 e consolidadas também por MP aprovada pelo Congresso entre novembro e dezembro de 2014, serviu de pretexto para devolução pelo presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, alegadamente por não se tratar de matéria de urgência e relevância justificativa de tramitação de uma MP.

 

Por outro lado, as MPs de números 664 e 665 de 30 de dezembro de 2014, que tratam de alteração de regras previdenciárias (Pensões, Auxílio Doença, Seguro Desemprego e Seguro Defeso), tramitam normalmente ( já vigoram suas regras restritivas mesmo sem votação pelo Congresso), não foram devolvidas pelas razões alegadas pelo senador Renan, não obstante tratarem do seguro social no mundo do trabalho e afetarem a segurança jurídica de grupos sociais muito mais vulneráveis.

 

Observe-se que as duas iniciativas colocam o Poder Executivo no epicentro da crise institucional por razões inteiramente distintas. No primeiro caso – da MP 669-2015 -, a justificativa de sua edição, a partir de iniciativa do Ministério da Fazenda, é verdadeira e também justa do ponto de vista fiscal, ainda que justiça fiscal não seja objetivo declarado ou perseguido pelo chamado “ajuste fiscal”. Mas o que esta MP devolvida e agora reapresentada como Projeto de Lei, com regime de urgência, diz e faz é restituir o regime de contribuição patronal (sobre folha de salários) anterior às desonerações; ou uma tributação mais alta sobre o faturamento, a critério do empreendedor.

 

Implícito na regra de revogação está o reconhecimento da insustentabilidade fiscal-previdenciária das desonerações praticadas no primeiro governo Dilma. Se esta é a melhor alternativa distributiva, pode-se discutir. Mas não resta dúvida que as desonerações praticadas desde 2012 e ampliadas no final do primeiro governo continham uma “quadratura do círculo” (ver artigo que elaborei neste sentido em agosto de 2012), agora reconhecida pelo próprio governo, em razão da forte transferência de uma espécie de “Bolsa Família patronal”, acima dos 20 bilhões de reais ano. Rompeu-se, com as desonerações, o critério tripartite de sustentação da Previdência Social – Empregadores, Estado e Trabalhadores, que agora se tenta corrigir em ambiente político muito instável.

 

Por sua vez, as Medidas Provisórias, de 2014, a 664, analisada em artigo anterior de janeiro (sobre cortes de pensões e mudanças nas regras do auxílio doença), e 665 (sobre cortes no seguro desemprego e seguro defeso), contêm arrazoado completamente diverso. Apela-se ora ao discurso estritamente moralista das “distorções” administrativas dos benefícios concedidos, ora ao argumento da economia fiscal.

 

Um e outro argumentos não apresentam fundamento numa ética de responsabilidade pública. Primeiro porque distorções administrativas se combatem com poder de polícia e fiscalização, como de resto o próprio, INSS e a Polícia Federal muito bem o fizeram no primeiro mandato  do governo Lula, praticamente eliminando as quadrilhas de fraudadores da Previdência Social. Em segundo lugar, na quadra histórica atual de crise econômica, desaceleração do emprego e emergência de novos e velhos riscos no mundo do trabalho, não se devem aprofundar as tendências cruéis do mercado para com os pobres, retirando metade das pensões daqueles que estão acima do salário mínimo ou a possibilidade de acessar o seguro desemprego e seguro defeso lícitos, segundo a regra anterior a MP.

 

As MPs 664 e 665, por falta de fundamentação ética, política e jurídica, criam um ambiente de desconfiança junto ao governo federal em momento de forte pressão conservadora, que agora com todas letras invoca o “golpe do impeachment”. Mas quero concluir que não creio em bruxas, penso que o governo pode se salvar dos muitos golpes que se tramam por aí, começando pelos golpes que se auto-aplica no campo específico da política social.

 

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

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