A economia dos recursos naturais diante da debilitação do Estado Nacional
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- Guilherme C. Delgado
- 13/03/2018
Não é novidade a tese de que a economia brasileira entrou no século 21 com um projeto de inserção externa baseado na exportação de bens primários, as chamadas commodities. Tampouco é novidade a perda relativa de importância das manufaturas, tanto nas exportações quanto no Produto Interno. As fontes empíricas tanto do Comércio Exterior quanto das próprias Contas Nacionais são pródigas em demonstrar ou corroborar essas proposições.
Mas o que temos em gestação no presente, ou mais propriamente no período crítico 2015-2018, é algo qualitativamente mais grave e perverso.
Ensaiam-se em vários gabinetes, não apenas do Palácio do Planalto, como da Avenida Paulista, Avenida Rio Branco (RJ) e quantos outros endereços se possa imaginar, algo que já se tentou emplacar como fato consumado no próprio governo Temer, mas por enquanto é uma espécie de pré-estreia de um projeto integral de internacionalização de quatro mercados distintos de recursos naturais: 1) Terras Destináveis a Exploração Agropecuária; 2) Reservas Minerais; 3) Campos do Pré-Sal; 4) Mananciais de Água.
É preciso desde cedo chamar a atenção para o fato de que nenhum desses bens naturais implícitos – terras agricultáveis, reservas minerais, reservas de petróleo e mananciais de água – pode ser considerado em suas dotações naturais como se fossem produtos do trabalho humano, portanto, produzidos e reproduzidos como mercadorias.
Muito embora se obtenham por distintos processos de extração as chamadas commodities, estas se distinguem qualitativamente das suas dotações originais. Tratá-las como ‘mercadorias como outras quaisquer’ é uma espécie de quadratura do círculo ou algo talvez pior, como vamos examinar em sequência.
Observe-se que sobre os dois primeiros mercados houve iniciativas explícitas no final de 2016 e primeiro semestre de 2017 – caso da internacionalização dos mercados de terras rurais preconizado pelo Projeto de Lei 4059-2012, iniciativa da Bancada Ruralista, acolhida com exuberante entusiasmo pelos ministros Meirelles, da Fazenda, e Padilha, da Casa Civil. Depois o governo fez completo e obsequioso silêncio sobre o Projeto, que mesmo com regime de urgência aprovado desde o início de 2017 não foi pautado e obviamente votado no ano passado.
O segundo exemplo, também em regime de pré-estreia, foi a tentativa de colocação na vitrine do mercado externo a macrorreserva mineral da RENCA, no Amapá, objeto de um Decreto presidencial, editado e revogado em 2017.
Por sua vez, o terceiro caso – os leilões de aquisição de campos no Pré-Sal, sob legislação liberal e até subsidiada em termos tributários – está em pleno vigor. E no último caso já há um Projeto de Lei do Executivo (de final de janeiro de 2018), propondo a venda da Eletrobrás e em conexão as reservas hidroelétricas controladas pela Empresa.
Os quatro exemplos citados são peças esparsas de um projeto mais grave, evidentemente com forte conexão externa, mas que conta internamente com verdadeira “banda de música” privatista e entreguista, na linha das entrevistas do senhor Paulo Guedes do Instituto Milenium e de muitos dos áulicos da “Casa das Garças”, outrora ninho tucano. Esse projeto mais grave de internacionalização dos mercados de recursos naturais, de forma tácita ou explícita, têm duas metas ou pré-condições a executar, ambas requerentes da conquista do Estado:
1) mudar o(s) marco(s) regulatório(s) dos bens naturais no plano constitucional e infraconstitucional, de sorte a convertê-los em “mercadorias como outras quaisquer”;
2) enfraquecer substancialmente o conceito e as estruturas do Estado que cuidam da gestão do território (INCRA, IBAMA, FUNAI etc.), bem como daquelas que cuidam da própria soberania territorial (Forças Armadas), desviando-as para outras finalidades.
A ideia de ‘mercadorização’ casada com internacionalização do território, das reservas minerais, dos campos petrolíferos e mananciais de água desconhece ou explicitamente atropela o conceito de nação e do Estado Nacional com soberania territorial explícita. Tudo isso vai para a vala comum dos mercados globalizados, juntamente com a população residente e o espaço ambiental.
O processo político-eleitoral precisa urgentemente se apropriar dessa discussão, denunciar explicitamente o jogo em curso, visto que os arautos do mercado já contam 2019 como momento oportuno para apresentar o filme inteiro, no qual o Governo Temer foi apenas o primeiro ato.
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Guilherme C. Delgado
Doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.