Correio da Cidadania

O sistema imperialista precisa de uma 3ª Guerra Mundial

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Ucrânia dispara pela 1° vez mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA,  diz Rússia - ISTOÉ Independente

Após Olaf Scholz telefonar a Vladimir Putin (algo que nenhum líder ocidental havia feito em cerca de dois anos), sinalizando uma rara disposição ao diálogo com os russos, Volodimir Zelensky acusou o chanceler alemão de abrir a “caixa de Pandora”.

A ação de Berlim certamente não foi sem motivos. Os alemães – os grandes prejudicados pelo confronto com Moscou – perceberam que recairão sobre eles todas as consequências de um possível afastamento dos Estados Unidos da guerra na Ucrânia quando Donald Trump tomar posse.

E a ligação de Scholz para Putin (em 15/11) se deu uma semana após a eleição de Trump (em 06/11). Dois dias depois da chamada entre os dois líderes, no dia 17, foi revelado que Joe Biden autorizou a Ucrânia a utilizar os mísseis de longo alcance ATACMS contra o território russo. Em seguida, os britânicos também autorizaram o uso dos Storm Shadow por Kiev.

Os ATACMS e os Storm Shadow, finalmente, foram assim disparados desde a Ucrânia contra as regiões russas de Bryansk e Kursk em 19 de novembro.

Cutucou-se o urso com uma vara curta.

A Rússia mostrou que não está para brincadeira. No dia 21, ela revelou ao mundo o seu poderoso míssil hipersônico de médio alcance Oreshnik, que atingiu a cidade ucraniana de Dnipropetrovsk. O Oreshnik viaja a uma velocidade de Mach 10, voando nada menos do que 3 km por segundo e pode atingir qualquer capital europeia em poucos minutos.

Essa ameaça se tornou ainda mais perigosa depois que Putin anunciou uma revisão da doutrina militar russa, que agora permite o ataque a instalações militares de países que autorizem o uso de suas armas para atacar a Rússia. É precisamente o caso de EUA e Reino Unido.

Trata-se de uma escalada sem precedentes desde o início da intervenção russa na Ucrânia, há quase três anos. Levando em consideração que agora se abriu plenamente a possibilidade de um confronto direto entre Moscou e a OTAN com o bombardeio de outros países, há quem fale até mesmo no início eventual de uma 3ª Guerra Mundial. Desse ponto de vista, as tensões são comparáveis apenas à da Crise dos Mísseis de 1962.

O fato de a situação ter escalado tanto menos de duas semanas após a vitória de Trump não é coincidência. Os detentores do verdadeiro poder nos EUA, o chamado “Deep State” (Wall Street e o complexo industrial-militar) levam muito a sério as palavras do republicano sobre encerrar a guerra na Ucrânia e retomar as relações com a Rússia. É uma das coisas que eles mais temem.

E o motivo disso foi explicado com muita honestidade recentemente na MSNBC. Com a maior naturalidade do mundo, o almirante reformado James Stavridis recordou que os Estados Unidos investem cerca de 40 bilhões de dólares por ano no financiamento da guerra na Ucrânia.

“Todo esse dinheiro é pago para os contratistas de defesa dos EUA, fazendo nossa base industrial de defesa mais forte”, disse. E completou: “essa é uma alavancagem fantástica. Você investe uma pequena quantia de dinheiro e obtém um efeito enorme. É um grande negócio para os EUA”.

Mais: a manutenção da guerra na Ucrânia é fundamental para a sobrevivência do sistema imperialista apodrecido que é liderado por Washington. Há décadas que ele vem experimentando um declínio acentuado, que se mostrou ainda mais irreversível nos últimos anos, com os vexames no Afeganistão, na própria Ucrânia e na Palestina.

Esse declínio é acompanhado de um lento despertar das nações oprimidas pelo sistema imperialista, expresso atualmente nas fenomenais (porém, aparentemente, irrefreáveis) articulações entre os chamados países emergentes – dos quais a Rússia é a grande líder, junto com a China – e seus anseios por uma nova ordem mundial “multipolar”.

Já tendo perdido a mais importante disputa presidencial da história americana, o Deep State (o coração da máquina política do sistema imperialista) agora não quer perder nem um pouco de seu poder. Por isso busca uma aliança com o trumpismo, que já foi observada nas aproximações a Trump de setores empresariais teoricamente hostis ao então candidato. E agora a tentativa de aliança – uma busca por controlar os instintos mais isolacionistas e prejudiciais ao domínio dos EUA – fica nítida a partir da composição do novo governo, que está sendo montado.

A maioria dos membros do alto escalão que foram nomeados por Trump é formada por elementos vinculados ao establishment neoconservador, sejam eles os próprios falcões imperialistas ou ao menos palatáveis à máquina de dominação do Estado americano. Pouquíssimos são aqueles que, como Tulsi Gabbard ou Robert Kennedy Jr., geram uma aversão do Deep State.

Mas, pelo visto, a grande burguesia estadunidense não quer esperar o dia 20 de janeiro e pagar para ver se seus prepostos no novo governo vão trabalhar direito. Ela pressiona desde já, esticando a corda até quase o limite, para obrigar Trump a acompanhá-la por esse caminho tortuoso que a maioria nos EUA, inclusive pessoas próximas a Trump, não quer trilhar.

Em toda a história, nenhum sistema em declínio (principalmente os impérios) aceitou o seu triste destino. As grandes mudanças sempre vieram a partir de enormes convulsões políticas, sociais e econômicas. Aqueles que acreditam em um mundo multipolar harmonioso em que uma superpotência, ou mesmo um sistema inteiro, será substituída através de uma transição indolor provavelmente estão equivocados.

O mais provável, ainda que possa não vir imediatamente, é a guerra mundial. O lado positivo disso (para quem acredita que sempre há algo positivo nas desgraças) é que, diferente das duas guerras mundiais anteriores, esta não será entre potências imperialistas pela dominação do globo. A superpotência imperialista americana tem sob as suas asas as potências europeias enfraquecidas e subjugadas, suas aliadas de primeira hora na opressão dos países pobres e “emergentes”. A guerra será contra estes.

Essa é a verdadeira caixa de Pandora que pode estar se abrindo.

Eduardo Vasco é jornalista e especialista em Relações Internacionais.

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