Lula, a ditadura e seus herdeiros
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- Celso Lungaretti
- 28/11/2024
"Quero agradecer, agora muito mais, porque estou vivo. A tentativa de me envenenar, eu e o Alckmin, não deu certo."
A frase do Lula me fez lembrar uma verdadeira pérola da sabedoria popular: "Pimenta no olho dos outros é colírio".
Pois o mesmo Lula que ora agradece aos céus por ter sobrevivido aos planos dos golpistas trapalhões, jamais deu o mesmo valor à vida dos combatentes executados pela ditadura militar.
Assim, ignorou olimpicamente o sofrimento das famílias desses mártires brasileiros, que queriam ao menos ver punidas as bestas-feras que assassinavam prisioneiros indefesos, torturavam bestialmente cidadãos (inclusive pela mera suspeita de que fossem subversivos), estupravam quem lhes apetecesse, seviciavam pais na frente de suas crianças para quebrar-lhes a resistência, davam sumiço em restos mortais dos opositores, etc., escrevendo uma das páginas mais vergonhosas da História brasileira.
Como a anistia de 1979 igualava as vítimas da ditadura a seus carrascos, impedindo que os torturadores fossem processados pelo festival de horrores que perpetraram nos anos de chumbo, dois ministros de Lula se dispuseram em 2007 a lutar pela revisão de tal lei, primeiro passo para os responsáveis por aqueles crimes hediondos poderem ser alcançados pelo braço da lei.
Sob pressão de comandantes militares, o então presidente Lula proibiu Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) de levantarem a bandeira da revisão da anistia de 1979 em nome do Executivo.
Determinou que ambos, ao invés disto, apenas apontassem aos queixosos o caminho dos tribunais. E que multiplicassem as homenagens oficiais àqueles que haviam entregado a vida na luta pela liberdade.
Com isto, a punição criminal dos torturadores ficou inviabilizada para sempre.
Se os golpistas trapalhões houvessem tido êxito em envenenar Lula, o que deveríamos fazer: esforçarmo-nos ao máximo para que fossem devidamente punidos ou bastaria criarmos um monte de homenagens à memória desse presidente que não ousou confrontar os criminosos do regime anterior?
E não é de agora que digo isto: cansei de, então, escrever artigos como este, protestando contra a decisão de Lula de passar pano para tais agentes do terrorismo de Estado.
E tem mais: o companheiro Rui Martins e eu lançamos em 2009 a proposta de criação de uma lei específica para coibir a negação das atrocidades cometidas pelo regime militar.
Afinal, número de mortos à parte, não havia diferença qualitativa entre a negação do Holocausto e a negação da nossa ditadura (que jamais foi uma ditabranda, tal qual a Folha de S, Paulo pretendeu e outros ditos liberais voltam a afirmar por aí).
Como Lula e o PT optaram por tirar o corpo fora, um medíocre deputado fluminense pôde continuar endeusando os verdugos da ditadura e, em especial, o torturador-símbolo do Brasil, Brilhante Ustra.
Então, não é de estranhar que, 15 anos depois, tal aberração gere sequelas como o plano dos golpistas trapalhões de assassinarem numa fornada só Lula, Alckmin e Moraes.
O ovo da serpente eclodiu!
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Coronel uruguaio condenado por crimes da ditadura
Operação Condor: coronel que veio ao RS sequestrar Universindo Dias e Lilian Celiberti tem nova condenação
A justiça tardou 46 anos, mas não falhou, no episódio mais famoso de aprisionamento de militantes antifascistas estrangeiros em território brasileiro como resultado da famigerada Operação Condor, acordo de cooperação de ditaduras sul-americanas firmado em 1975.
O principal responsável, o coronel do Exército uruguaio Eduardo Ferri, foi condenado à prisão na quarta-feira passada (20), em Montevidéu, pela juíza Sílvia Urioste, do Tribunal Penal de 27º Turno. Ele tem 77 anos e esta é sua segunda condenação pela mesma modalidade criminosa.
O chamado sequestro dos uruguaios se constituiu na prisão ilegal, com apoio do Dops gaúcho, do casal Universindo Dias/Lilian Celiberti e de seus dois filhos menores, em novembro de 1978.
A imprensa brasileira descobriu rapidamente o ocorrido e o denunciou com grande destaque, sem, contudo, conseguir evitar que os quatro fossem despachados para o Uruguai.
A repercussão internacional foi tamanha que todos acabaram sobrevivendo, apesar das torturas sofridas pelo casal até ser libertado, em novembro de 1983.
Universindo Dias se tornou historiador renomado e morreu de câncer na medula em 2012, aos 60 anos de idade.
Celso Lungaretti é jornalista e ex-preso político.
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