Correio da Cidadania

Queda na desigualdade de renda resultou de Direitos Sociais Constitucionais

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O início da coleta de dados para o Censo Demográfico de 2010, este ano coincidindo com o início da campanha eleitoral, suscitou desde logo a inauguração da temporada de análises das tendências demográficas, em especial daquelas que dizem respeito à evolução da pobreza e da desigualdade no Brasil.

 

Sobre este tema há uma profusão de dados, análises, "papers" de toda natureza – na Internet geral, nos "sites’ dos institutos de pesquisa, tais como IPEA e FGV, nos muitos artigos da mídia escrita, que aparentemente esgotam o assunto. Mas, infelizmente, a grande maioria dessas informações, por razões que mais adiante ficarão mais claras, tem dificuldades de separar o fato do factóide, no que concerne à queda da pobreza e da desigualdade. Vejamos qual é o cerne do problema.

 

Não é novidade a informação de que tem caído o índice de desigualdade da distribuição pessoal da renda. O IBGE registra esta tendência contínua desde 1996, apurada por meio das suas pesquisas anuais PNADS. De 1996 a 2008, o Índice de Gini cai sistematicamente de 0,580 para 0,515 e, aparentemente, se mantém neste patamar nas últimas pesquisas.

 

Também não é novidade a informação de que diminuiu significativamente o número de pessoas com ganhos per capita diários de 2,0 dólares – indicador de pobreza adotado a partir dos referenciais do Banco Mundial. Nesta década, dezenas de milhões de brasileiros ultrapassaram este limite (mais de 30 milhões) e, a prosseguir o movimento atual de "redução da pobreza", poderíamos chegar até mesmo ao ponto de banir a noção de pobreza - segundo o critério do Banco Mundial – antes do final desta década.

 

Isto posto, podemos concluir que pobreza e desigualdade são assunto superado? Ou que esses efeitos benéficos são obra do governo atual e dos seus programas de "transferência de renda, como querem nos vender os áulicos oficiais e oficiosos de plantão? Parece-nos que há um certo apelo aparentemente fácil para explicar o problema da pobreza e da desigualdade, como se estas questões dependessem das ações pontuais dos governos. Foi assim, por exemplo, no governo FHC I, que implantou a estabilização monetária do real a partir de l994/95. Logo em seguida, houve algumas melhorias na política do salário mínimo, o que levou analistas e empiristas de plantão a "descobrirem" que o programa de estabilização do governo FHC havia mudado a distribuição de renda no Brasil.

 

O governo Lula foi mais feliz para colher frutos e em parte também para semeá-los, no sentido da melhoria na igualdade social. Praticou uma política ativa de salário mínimo; experimentou um processo praticamente contínuo de crescimento do emprego formal na economia, que lhe valeu ganhos para melhor na distribuição da massa de remunerações do trabalho. Mas isto tudo somente teve eficácia na mudança para melhor da distribuição pessoal da renda do trabalho, graças à eficácia dos direitos sociais constitucionais que protegem os pobres em situações de risco – Previdência Social, Seguro Desemprego, Assistência Social, Sistema Único de Saúde, Educação Básica e, residualmente, as ações de transferência voluntária de renda etc.

 

Mídias, governo e boa parte dos institutos oficiais e oficiosos especializados em "estudos sociais" tentam passar a mensagem de que as mudanças para melhor na distribuição da renda são obra das transferências de renda, de caráter voluntário, do governo de plantão, e ignoram completamente o papel reestruturador dos direitos sociais. Por esse discurso, não há causas estruturais, mas apenas efeitos benéficos na melhoria da distribuição da renda e na queda da pobreza.

 

Cabe a pergunta final: sem sistemas de política social, como aqueles de amplitude e cobertura nacional – SUS, Previdência Social, Seguro Desemprego e Educação Básica -, e um processo de crescimento da economia, com compromissos endógenos de redistribuição dos benefícios, é possível melhorar a distribuição? Ou será que tudo se deveria a uma ação de distribuição voluntária do governo, de uma fatia de 0,3% do PIB (Programa Bolsa Família), que teria sido capaz de reverter a desigualdade e a pobreza no Brasil? Essa tese esdrúxula, completamente absurda do ponto de vista empírico, racional, do bom senso etc., vem circulando com enorme desenvoltura na mídia.

 

Em contrapartida, a discussão da reforma das políticas sociais e da reforma tributária, com vistas à sua efetiva universalização e ampliação da igualdade, merece zero de destaque no debate público.

 

A conclusão a que podemos chegar ao final é de que, não obstante melhoras objetivas na igualdade, a mentalidade social dominante não vê com bons olhos e nem planeja necessariamente protegê-la e ampliá-la. Veremos como isto evoluirá politicamente!

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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