Correio da Cidadania

Especulação fundiária (urbana e rural) e dependência externa constrangem o desenvolvimento

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Vou interpretar à minha maneira reflexões muito ricas, partilhadas por vários colegas, sobre “Oportunidades e Desafios ao Desenvolvimento”, seminário promovido pelo Instituto de Economia da UNICAMP juntamente com a Plataforma de Política Social (de 7 a 9 de maio), reunindo dezenas de pesquisadores do campo pluridisciplinar das políticas sociais. A dois destes pesquisadores – Ermínia Maricato e Paulo Baltar – sou devedor de “insights” brilhantes, colhidos em conversas diversas.

 

Sobre os dois fatores de constrangimento enunciados no título deste artigo, ironicamente são os mesmos vetores que impeliram o crescimento da economia no período recente (2004-2010) e que ora o embargam:

 

1) a especulação fundiária urbana, conduzida pelo investimento em infraestrutura urbana (desregulada) e pela expansão da construção civil, adicionadas à especulação imobiliária rural, provocada por uma peculiar expansão das “commodities”, também desregulada e financeiramente estimulada pelo sistema de crédito rural;

 

2) o ingresso maciço de capital estrangeiro, principalmente a partir de 2004, quando pelo desempenho das exportações, principalmente dos setores primários, a economia brasileira passa a ser vista como solvável e confiável, do ponto de vista do movimento internacional de capitais.

 

Observe-se que nos dois casos citados de melhoria na atratividade à expansão econômica recente, o eixo motor é a valorização da riqueza fundiária. Arrastam no primeiro momento a construção civil (setor urbano) e agricultura, agroindústria e mineração no setor primário. Mas essa expansão depende de maneira umbilical da renda fundiária e não propriamente da inovação técnica e da produtividade industrial. E quando essa renda bate no teto especulativo por ela própria instigado, como parece ser o caso atual, os ‘setores produtivos’ por ela movidos tendem a se atrofiar.

 

O outro fator de constrangimento ora sob análise – a dependência externa, na forma como esta vem se manifestando –, o déficit nas transações externas liga-se também de maneira visceral ao primeiro – a especulação fundiária –, passando forçosamente pelo enfraquecimento industrial, que provavelmente é a causa oculta de todo esse processo vicioso. Vejamos como isto se revela na conjuntura.

 

Se considerarmos o déficit nas transações externas como indicador de dependência externa, veremos que este fator não é novo, nem necessariamente sinônimo de constrangimento externo ao desenvolvimento. Por isso precisamos qualificá-lo.

 

Há seis anos o país acumula persistente e crescente déficit nas transações externas (2008-2013), depois de se livrar dele por curto período (2003-2007), graças a um acelerado processo de incremento das exportações primárias, mas também manufatureiras (num primeiro momento). Mas nos últimos cinco anos tivemos um agravamento quantitativo e qualitativo desse déficit, que é histórico nos “serviços” (dividendos, juros, viagens, seguros, fretes etc.).

 

Triplica o déficit dos serviços e a este se adiciona no último triênio um déficit muito forte no comércio de produtos manufaturados. Com tal configuração do “déficit” externo, que este ano deve ultrapassar os 3% do PIB, cerca de 60 bilhões de dólares, ficaremos ainda mais constrangidos para crescer nos ramos e atividades que vínhamos nos especializando recentemente:

 

a)                  o  setor primário exportador, relativamente desacelerado, com certa retração das “commodities”;

 

b) a construção civil e a infraestrutura, desaceleradas pela especulação imobiliária e pela fraqueza do investimento público;

 

c) o gasto social, vinculado aos benefícios monetários das políticas sociais, que têm tido papel positivo na sustentação da demanda interna, mas que ora vem sendo vazado para o exterior em razão da crescente dependência de importações também dos bens salários, distorção que ora vem configurando até mesmo a renda do trabalho (efeito da desindustrialização).

 

Em síntese, o sistema econômico e o sistema de direitos sociais cresceram e distribuíram renda no período recente, o que é positivo. Mas como esse crescimento se fez desvinculado do crescimento da produtividade industrial, estando vinculado à riqueza fundiária e à dependência externa, temos graves limites a resolver, sob pena da estagnação, conflito distributivo e mais dependência externa.

 

Os desafios que estão postos não são fatalidades, mas constrangimentos estratégicos de caráter estrutural e essencialmente políticos. Mas será que governo e oposição leem a situação dessa forma? Ou continuam apostando no jogo de cartas marcadas, que ora é ganho pelo grupo da estagnação neoliberal, ora pelo neo-subdesenvolvimento – crescimento econômico constrangido pela dependência e pela concentração da riqueza?

 

Pergunto para provocar reflexão ética e política.

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

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