Plínio e a reforma agrária
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- Joana Salém Vasconcelos
- 24/09/2014
Com quase 84 anos, Plínio de Arruda Sampaio se foi. A maior parte da sua vida, dedicada à luta social, à militância de esquerda e aos estudos políticos sobre o Brasil. Suas reflexões, contudo, permanecem totalmente vivas: qual revolução brasileira moveria o país no sentido da superação das heranças coloniais? Como romper com a segregação social? Quais interesses deveriam ser enfrentados? Como superar a dependência externa? Todas essas indagações encontravam, simultaneamente, uma resposta possível na luta pela reforma agrária. Talvez por isso, Plínio tenha concentrado os esforços políticos de toda sua vida na compreensão profunda da questão agrária nacional.
Ele participou ativamente de um dos conflitos políticos mais relevantes da história brasileira recente: a luta pela transformação agrária no governo Jango. Foi relator do plano de reforma agrária que compunha as reformas de base. Eram tempos de genuína polarização política, em que projetos estruturalmente diferentes de “modernização” do país se confrontavam. Na espiral avolumada de tensões, a reforma agrária foi, sem dúvida, um dos ingredientes mudancistas que mais preocupou Lincoln Gordon e seus aliados.
Não à toa, a ideologia dominante, que mimetiza seus inimigos para assim neutralizá-los, vestiu a roupagem de uma reforma agrária conservadora e capitalista, adaptando-a ao léxico da Aliança para o Progresso em 1962. O mesmo procedimento foi seguido pelo governo Castelo Branco, que elaborou o constructo ideológico do Estatuto da Terra de 1964. Os militares incluíram em seu vocabulário os termos que mais temiam, embaralhando a linguagem para assegurar a dominação. Deu mais certo do que se poderia imaginar. Afinal, a confusão entre “colonização” e “reforma agrária” ficou selada no dissimulado nome do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
As propostas de reforma agrária do Plínio ameaçavam transformar verdadeiramente o Brasil, pôr fim às nossas heranças coloniais mais profundas. Entre elas, o latifúndio, mola propulsora que alimenta a pobreza das periferias urbanas e preserva os privilégios de um punhado de ruralistas. Por isso, os golpistas de 1964 miraram Plínio sem demora. Esteve na lista dos cem primeiros cidadãos brasileiros com direitos políticos cassados pelo Ato Institucional número 1, na primeira semana da ditadura. Exilado durante 12 anos, viveu no Chile e nos Estados Unidos, trabalhando para a FAO, se aprofundando nos estudos sobre economia agrícola e direito à terra. Acumulava forças para quando se recuperassem as condições de disputa política aberta no país.
Quando voltou, em 1976, engajou-se no MDB, mas logo rompeu com o grupo de Fernando Henrique Cardoso para fundar o PT, onde militou por 25 anos. Continuou articulando o plano de transformações agrárias, tornando-se imprescindível referência para os movimentos sociais e presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA). Seu projeto, porém, resultado de décadas de lutas políticas e sociais, foi arquivado pelos governos petistas. Com sua tática de evitar o confronto, o PT optou deliberadamente por não fazer a reforma agrária – nem a de Plínio, nem qualquer outra. O governo de Dilma (2010-2014), como mostram os dados do INCRA, assentou menos famílias que FHC na média anual.
Sem perder o fôlego das suas convicções, Plínio se integrou ao PSOL em 2005 e assumiu duas candidaturas pela esquerda: ao governo de São Paulo em 2006 e à presidência da República em 2010. Atravessou as controvérsias de uma vanguarda em recomposição, especialmente atento à juventude, a quem se dirigia com frequência - esperançoso, talvez, de que se apropriassem de sua luta para levá-la adiante.
A história de Plínio, enfim, desmonta aquele mito tacanho de que a velhice nos empurra para a direita. O entusiasmo revolucionário pode sim se unir à experiência e à maturidade de um valente octogenário. Também por isso, Plínio foi inspirador. Sua luta será a nossa luta.
Joana Salém Vasconcelos
Historiadora e mestre em Desenvolvimento Econômico