Correio da Cidadania

Sarney e sua democracia

0
0
0
s2sdefault

 

 

Continua repercutindo a polêmica aberta pelo Congresso Nacional brasileiro ao tomar partido numa questão interna da Venezuela, a respeito do fim da concessão à RCTV. Agora, cria problemas para a presença daquele país no Mercosul.

 

Uma peça chave na polêmica foi o senador José Sarney (PMDB/MA). No entanto, este não foi seu primeiro ataque contra o governo bolivariano.

 

Recentemente, o senador tinha publicado um artigo na Folha de S. Paulo intitulado “Chávez em seu labirinto”. Nele, Sarney resolveu dar lições de democracia ao presidente venezuelano, comparando-o ao ex-ditador do Paraguai, Alfredo Stroessner, dizendo que a “democracia bolivariana” é muito parecida com a descrita a ele pelo paraguaio em 1985.

 

Em nada a situação da Venezuela se compara ao Paraguai de Stroessner, que vivia anos de regime ditatorial no qual apenas dois partidos existiam legalmente, sendo um feito para vencer sempre (os “blancos”) e outro para encenar uma democracia (os “colorados”). O general Stroessner chegou à presidência do seu país através de um golpe militar em 1954 e governou 35 anos ininterruptos até cair, também através de um golpe igualmente conservador. Vencia sempre as “eleições” e se sustentava com a sistemática violência institucionalizada, censura, prisões, torturas e assassinatos, além de fraudes eleitorais. Ademais, deu guarida a nazistas alemães no final da Segunda Guerra mundial.

 

Sarney conta que teria dado conselhos democráticos ao “general-presidente” paraguaio, numa conversa a dois, privada e sem testemunhas, quando ambos foram “inaugurar a implantação” das turbinas da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Diz ele que, “com jeito e habilidade”, conversou com seu único interlocutor e testemunha já falecida. Teria falado “da necessidade de termos uma América Latina com respeito aos direitos civis e humanos, liberdade e justiça social”.

 

Sarney não precisava ir tão longe para buscar exemplos de autoritarismo e ditadura. Bastava utilizar a sua própria história. Vejam só, o principal sustentáculo político da ditadura militar brasileira no estado do Maranhão foi buscar no Paraguai um modelo de regime autoritário, para compara-lo com a democracia bolivariana da Venezuela.

 

Mais forte, seria seu próprio exemplo de importante esteio político da ditadura também em nível nacional, tanto que acabou chegando à presidência nacional do PDS, sucedâneo da ARENA – o partido oficial da ditadura. Partido no qual, aliás, exerceu vários mandatos e através do qual construiu o seu império no Maranhão. Império político, midiático e também patrimonial.

 

Sarney poderia também ter usado, com bastante conhecimento de causa, como referência de autoritarismo, seu próprio posicionamento contra as eleições diretas para presidente o que, interessantemente, acabou levando-o a ser um presidente sui generis: sem ter sido eleito, sendo vice de Tancredo Neves – este, escolhido apenas por um colégio eleitoral gestado pelo regime militar.

 

Poderia ter citado, também com bastante propriedade, a campanha “Sarney não dá, diretas já”, realizada durante seu governo, quando ele insistia em ter um mandato presidencial de seis anos.

 

Sobre “imprensa democrática”, poderia ter falado, com bastante conhecimento de causa, do balcão de negócios entre amigos em que se transformou o seu governo, através do seu “democrático” parceiro, ministro das comunicações, Antonio Carlos Magalhães.

 

Poderia ter se lembrado ainda dos jovens metalúrgicos Carlos Augusto Barroso, 19 anos; William Fernandes Leite, 23 anos; e Valmir Freitas Monteiro, de 22 anos - todos os três assassinados em 9 de novembro de 1988, durante a “democrática” intervenção militar que ocupou Volta Redonda com 600 soldados. Foi um massacre brutal contra uma greve legítima. Os militares que para lá foram, sob suas ordens de presidente sem votos, atiraram contra os grevistas assassinando os três operários e deixando outros 31 feridos.

 

Mas poderia encontrar tudo isto ainda mais perto de si e bem na atualidade: no Maranhão e no Amapá, onde manipulações eleitorais, abusos do poder político, econômico e midiático, arbitrariedades e autoritarismo em geral – além do nepotismo - continuam sendo práticas vinculadas a si e sua família. Estados, aliás, cujos governos encabeçados e/ou apoiados por Sarney não têm sido exemplos ou modelos de “respeito aos direitos civis e humanos, liberdade e justiça social”.

 

Detalhe: Stroessner só saiu do governo paraguaio com o golpe militar de 1989. E foi exilado no Brasil, ainda governado por seu amigo e confidente Sarney.

 

 

Jorge Almeida é professor de Ciência Política e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA). Autor de Como vota o brasileiro e de Marketing político, hegemonia e contra-hegemonia.

Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Para comentar este artigo, clique {ln:comente 'aqui}.

0
0
0
s2sdefault