Fora Renan, viva Dom Cáppio!
- Detalhes
- Léo Lince
- 06/12/2007
O Senado Federal, ao salvar pela segunda vez o mandato de Renan Calheiros, fez vista grossa para o que pensa a opinião pública e debochou da cidadania. Operou, no caso, como comitê de oligarcas que, no escurinho do voto secreto, preserva os interesses da casta. Na teoria, câmara alta. Na prática, baixio das bestas. Indecoroso agora é o Senado inteiro.
Mas não é só o Senado. O acordão que produziu a vitória, desastrosa para a democracia, foi urdido nos laboratórios do Planalto. Com a ajuda, é claro, daqueles que se fazem passar por oposição, mas compartilham com os governistas o mesmo valerioduto e a mesma política econômica. Os donos do poder pactuam entre si e quem sustenta o pau da barraca é o presidente Lula. Ele é o principal responsável e a bóia de salvação de Renan Calheiros.
Mas não é só o Renan. Apesar da extensa folha de serviços (tropa de choque do Collor, ministro da Justiça do Fernando Henrique, pilastra de sustentação da governabilidade lulista), ele foi rebaixado para a segunda divisão. Por enquanto (ainda restam duas representações do pequenino PSOL), o mandato está salvo. No entanto, o mais grave na votação do Senado foi a salvação de um tipo de política, da qual a simbiose Lula-Renan era apenas uma das feições. As empreiteiras que sustentam gestantes e tesoureiros de campanha continuam intocadas. Permanecem intocadas as máquinas eleitorais que sustentam a primazia dos negócios na política.
Tanto é assim que, na seqüência da votação tenebrosa, o grupo da moral homogênea que dirige o PMDB saiu em campo. Sarney pai e Sarney filha, o próprio Renan, Jucá, Gedel, Barbalho e companhia bela, articulados ao presidente Lula e seus petistas amestrados, buscarão o consenso com o baronato tucano para a escolha rápida no novo presidente do Senado. Vale tudo, menos atravancar o curso dos negócios. É duro, mas inevitável, constatar: o intestino grosso da pequena política estende o seu manto sulfuroso sobre as nossas combalidas instituições republicanas.
Enquanto isso, nas margens do agonizante Rio São Francisco, uma voz se levanta contra os negócios que dominam a pequena política e faz saber a todos que, de livre e espontânea vontade, assume o propósito de entregar a sua vida pela vida do rio São Francisco e do seu povo. Longe do planalto e de seus palácios, próximo da tróia de taipa de Canudos e da voz profética de Gregório de Matos, um homem justo se entrega ao sacrifício contra a máquina mercante.
Dom Luiz Cáppio, bispo da igreja católica, fala branda e feições tranqüilas, é daqueles religiosos que optam por moer no áspero ao lado do povo pobre. Andou com Lula nas caravanas da cidadania, fez a campanha da esperança contra o medo, apostou na mudança e, agora, teimando na coerência, se faz protagonista de um gesto extremo que, como um calafrio, percorre a consciência digna da cidadania. Pela segunda vez em greve de fome, ele diz que seu gesto “é o último recurso para fazer o governo federal desistir desta obra insana” e que, “quando a razão se extingue, a loucura é o caminho”.
Dom Tomás Balduíno, outra figura luminosa da igreja, vai direto ao ponto: “essa obra é faraônica, inadequada e destinada a reforçar o caixa dois das campanhas políticas”. E disse mais: “o presidente Lula será responsabilizado se dom Luiz morrer. Só ele. Isto porque ele foi avisado em tempo. Há um divisor de águas, com os pobres de um lado e as empreiteiras de outro”. Hidronegócios, agronegócios, parlamento de negócios, partidos de negócios, governo de negócios. Triturados por tanto negócio e tanto negociante, só nos resta clamar: fora Renan, viva Dom Cáppio!
Léo Lince é sociólogo.
{moscomment}
Comentários
Assine o RSS dos comentários