Bazar do Abadia
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- Léo Lince
- 08/05/2008
A imagem pública do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, em tempos passados, já foi bem melhor. Era uma sigla que ancorava a idéia generosa de projeto nacional de crescimento sustentado, solidário e soberano. Fundado como banco público de fomento, ele costumava ter o seu nome associado ao esforço sério de desenvolvimento estratégico da economia brasileira. De uns tempos para cá, por obra e graça do ideário que comanda os cordéis da nossa pobre política, o banco vem mudando perigosamente de feição.
Um antigo presidente da instituição, Luiz Carlos Mendonça de Barros, pontificava ainda nos tempos do reinado Fernando Henrique: "Quem quer dinheiro? Quem quiser, basta se dirigir à Avenida Chile, 100. Aqui, no BNDES, só não vendemos a mãe". Segundo ele, o mais poderoso cofre da república, formado basicamente pelos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, era uma poupança privada, logo, deveria ser colocado à disposição da iniciativa privada. O Estado foi escorraçado de seu papel anterior, alavanca decisiva de um projeto nacional de desenvolvimento, sendo substituído pela primazia absoluta do poder privado. O banco, por um lado, esteve no cerne do processo de quebra dos monopólios públicos nos serviços essenciais, oferecendo grana grossa para os novos barões da privataria. Por outro lado, sempre orientado pela biruta do mercado, mergulhou no universo nebuloso dos negócios do varejo.
Dois acontecimentos que desde o início do ano freqüentam as páginas dos jornais são a prova provada da prevalência desta mesma linha no governo Lula. Um deles é a aquisição, ao arrepio da lei, da Brasil Telecom pela Oi. O meganegócio, que deve promover um novo rearranjo na estrutura de poder na telefonia brasileira, segue o mesmo modelo: financiamento do BNDES, participação dos fundos de pensão, sob comando dos novíssimos barões da privataria. O outro é o barraco armado pelas estripulias do grupo comandado pelo Paulinho da Força, que indica conselheiros para o banco e, depois, usa a influência destes para intermediar o varejo dos negócios. Há uma diferença de escala entre os dois imbróglios, um é bilionário e o outro é milionário, mas são duas faces de uma mesma política. Um deles já arrastou o BNDES para as páginas policiais e o outro, se investigado, terá o mesmo destino.
A propósito do escândalo que já vem sendo investigado pela polícia, o atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho, fez uma declaração reveladora: "fazemos o possível, mas a partir de determinado ponto podem acontecer fraudes que estão além da nossa capacidade". Com trajetória de honesto e fama de inteligente, ele já deve ter percebido que o tal "determinado ponto" foi ultrapassado. E não apenas no caso em pauta. O dinheiro barato que, no vértice da pirâmide, financia meganegócios e o dinheiro fácil que alimenta o intestino grosso da pequena política são contrapartidas inevitáveis de primazia absoluta do privado sobre o público.
Andando neste compasso, o banco corre o risco de ser comparado com aquele leilão dos pertences acumulados no Brasil pelo famoso traficante internacional preso em São Paulo. A disputa deprimente (meias, bijuterias e até cuecas usadas) apareceu nos jornais. O lote dos bens mais valiosos (mansões, fazendas, aviões) foi adquirido no padrão silencioso. Um banco público, com a história do BNDES, não pode adquirir as feições de um gigantesco Bazar do Abadia.
Léo Lince é sociólogo.
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