Correio da Cidadania

O papel do Senado e a questão federativa

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O papel que cumpre o Senado Federal no processo legislativo brasileiro deve ser incluído no roteiro de debates da reforma política. Como está estabelecido hoje, ele beneficia o conservadorismo político, complica e torna mais moroso o processo de deliberação legislativa, além de ser um dos elementos de desequilíbrio na representação proporcional da cidadania no parlamento brasileiro.

 

Os mandatos excessivamente longos, oito anos, e o fato de a representação no Senado não se renovar por inteiro numa mesma eleição, um terço e dois terços a cada quatro anos, reforçam a sua imagem pública de uma casa conservadora. Dizem até que a arquitetura de Niemayer cravou tal simbolismo no concreto do Palácio do Congresso Nacional. A cuia voltada para cima, onde está o plenário da Câmara, objetiva difundir os clamores do povo na casa que deveria representá-lo. A cuia voltada para baixo, onde está o plenário do Senado, visa abafar estes mesmos clamores.

 

Não deveria ser assim. A concepção dual da representação que norteia o federalismo democrático é o pressuposto para a existência de duas câmaras. A representação nacional dos cidadãos, com seus conflitos de interesses, valores e ideologias, se localiza na “casa do povo”, a Câmara dos Deputados. E ao Senado, a “casa dos estados”, se reservaria o papel de representação territorial desta mesma cidadania.  

 

A representação na “casa dos estados” só pode ser igualitária, ou seja, o mesmo número de senadores para cada estado, independente do tamanho do seu eleitorado ou importância econômica. Um princípio justo, desde que fossem limitadas à questão federativa as atribuições do Senado. Não é o que acontece entre nós, com a interferência dos senadores no processo legislativo em geral. Menos para garantir o equilíbrio federativo e o direito de minorias e mais para fortalecer oligarquias regionais, quase sempre parceiras do poder central.  

 

Ao acumular prerrogativas estranhas à sua função específica, o Senado viola, ao mesmo tempo, a representação proporcional e os princípios do federalismo democrático.  A possibilidade de iniciativa de legislação em qualquer tema, o poder de veto sobre as leis aprovadas na Câmara dos Deputados, mesmo que tais decisões nada tenham a ver com o equilíbrio federativo, são demasias que criam funções sobrepostas que, ao mesmo tempo, extrapolam ao objetivo clássico da “casa dos estados” e torna mais moroso e complexo o processo legislativo.

  

Ao funcionar como casa revisora em matérias da agenda geral do parlamento, o Senado se descuida da sua função específica e, de pauta cheia, deixa de cumprir seu papel de instrumento de superação das graves desigualdades regionais. A Federação e o bicameralismo que lhe acompanha são cláusulas pétreas da Constituição. Neste quadro, além de pontos ligados à redução do mandato dos senadores para quatro anos, a questão central é a redefinição do papel do Senado Federal, que deve deixar de ser casa revisora e ter sua competência concentrada nas questões federativas.

    
 

Léo Lince é sociólogo.

 

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