Obama nas alturas
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- Léo Lince
- 13/11/2008
Na grafia do nome, apenas uma letra os separa: Obama e Osama. Além da sonoridade comum, carregam no restante da assinatura completa desarmonia com a topografia dos nomes do ocidente saxão. Barack Hussein e Bin Laden, nomes estrangeiros, são as duas personalidades de maior destaque na história recente do império americano, figuras marcantes que propiciam construções simbólicas alocadas em pólos diametralmente opostos.
Sobre o corpo inalcançável de Bin Laden, o "eixo do mal" foi construído. O estrangeiro como inimigo absoluto, que está em toda parte e em lugar nenhum, deve ser caçado sem dó nem piedade. Daí a absurda "guerra preventiva" e o processo brutal de violação dos direitos humanos. O desatino da era Bush gerou o caldo de cultura, misto de angústia e nojo, onde brota o novo pólo. Para redimir os pecados do império, Barack Hussein, o "estrangeiro" que o mundo inteiro aplaude, é a encarnação momentânea das promessas divinas da esperança. Osama e Obama, na verdade, são agregados de projeções que se acumulam sobre o pêndulo enigmático da história.
Apesar, e até por conta disto, do ponto de vista simbólico, a vitória eleitoral de Obama é um fato positivo por inteiro. O fim da era Bush, por si só, já é um avanço. No país cuja história é tão marcada pela prepotência branca, o filho de um queniano se tornou presidente. Vale comemorar. Ademais, alguns processos concretos de mobilização no período eleitoral são novidades que podem sobreviver ao momento da campanha. O ativismo juvenil e o voto na mudança por parte de setores antes apáticos do eleitorado, como os negros e os latinos, indicam demandas por formas novas de participação política.
No plano concreto da política, o buraco é mais embaixo. É certo que o novo governo foi eleito sob o signo da mudança. Mudança, esperança e "nós podemos!" foram as palavras chaves na retórica eleitoral da campanha vitoriosa. Ao prometer mudanças, na campanha inteira e no discurso da vitória, o candidato acendeu a chama da esperança com a qual empolgou multidões angustiadas com a crise econômica e com o rechaço aos descalabros da era Bush.
A esperança, como sabem os estudiosos deste poderoso sentimento coletivo, tem a capacidade de afogar angústias e sempre se apresenta como combustível nas vitórias eleitorais em tempos de crise. Ela projeta para além da linha do horizonte a idéia de que "ainda há salvação". Como cantava o poeta Holderlin, "onde há perigo, cresce também o que salva". Ernest Bloch, em sua monumental obra sobre o tema, afirmou que "perigo e fé são a verdade da esperança, de tal modo que ambos estão reunidos nela e o perigo não contém medo, nem a fé tem em si uma quietude indolente". Nas mobilizações de campanha e na retórica dos discursos eleitorais, a esperança reina como soberana absoluta. Na prática dos governos, ela passa a depender de variáveis que se definem no duro enfrentamento das forças sociais.
O "nós podemos!" do slogan vitorioso, que anunciava na campanha a emergência de forças novas, pode se realizar no governo como mero plural majestático. Aliás, o candidato nunca cuidou de definir conteúdos concretos de sua proposta de mudança. Mau sinal. Tampouco se apresentou, apesar da simbologia que carrega, como um contestador do sistema dominante. Pelo contrário. Fez a campanha mais cara da história, alimentada inclusive pelos recursos vultosos vindos das grandes corporações americanas. Como uma espécie original de messias conciliador, ele sequer prometeu expulsar os vendilhões do templo.
É ainda Ernest Bloch, em "O princípio esperança", que nos adverte, lançando mão do termo latino "corruptio optimi péssima". Segundo ele, a esperança traída, sempre fraudulenta, é uma das maiores tormentas do gênero humano. Nós, brasileiros, para além dos ensinamentos acumulados ao longo do tempo pela reflexão teórica universal, temos a experiência prática, recente, de um governo eleito para mudar e que traiu as promessas de campanha. Não vale, portanto, embarcar sem cautelas na onda que coloca Obama nas alturas.
Léo Lince é sociólogo.
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