Correio da Cidadania

Ainda a reforma política

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Tempos atrás, quando o PT ainda era o PT e a gestão do receituário neoliberal prerrogativa exclusiva dos tucanos, havia maior nitidez no debate sobre a reforma política. Até chegar ao governo central, quando começou a praticar com desenvoltura crescente o que nunca predicara, o PT era portador de um projeto de mudança radical: outro modelo econômico, ética na política. Alimentava até, os mais antigos hão de se lembrar, a esperança de inaugurar uma "nova gramática do poder".

 

Havia então, priscas eras, dois grandes projetos globais que polarizavam o debate. Cada qual formulado com esmero por titulares qualificados, fornecia o norte a partir do qual se agrupavam propostas parciais que ainda hoje vagueiam nos escaninhos do Congresso Nacional. Tal situação, que na época parecia natural, propiciava a condensação das opiniões e a articulação de forças, no interior do parlamento e no debate aberto na sociedade, na busca de um sentido geral para a reforma política.

 

As cabeças coroadas do tucanato - Serra, FHC e assemelhados - apresentavam projetos, escreviam artigos, entravam na liça em defesa do projeto de teor liberal-conservador. Sua melhor súmula está no relatório aprovado em comissão especial do Senado em 1988, de autoria do tucano Sérgio Machado. Entre outras coisas, preconizava: para restringir a representação proporcional e facilitar a governabilidade, voto distrital misto; para diminuir o tamanho do eleitorado, voto facultativo; para reduzir o número de partidos, cláusula de barreira.

 

O objetivo da proposta era definido com nitidez no referido relatório: "governabilidade, portanto, é o que importa neste debate sobre reforma política e partidária. Se estamos começando um processo de mudanças econômicas e sociais, por meio da estabilidade da moeda, da modernização do Estado e da abertura para o mercado mundial, devemos avançar também em nossa estrutura política". Tudo bem de acordo com as demandas do ideário neoliberal.

 

O outro pólo do debate, que tinha na bancada petista o seu principal instrumento de articulação, operava no contraponto radical. Seu objetivo declarado era transformar maiorias sociais em maioria política e alargar os espaços de presença cidadã na institucionalidade. Entre outras coisas, preconizava: para corrigir distorções e fortalecer o sistema proporcional, voto de lista ordenada; para reduzir o peso do poder econômico nas eleições, financiamento público exclusivo; para alargar a presença cidadã e garantir a universalidade do sufrágio, regulamentação dos instrumentos de democracia direta e voto obrigatório.

 

Quando o Lula ganhou a sua primeira eleição presidencial, o PT viveu a sua hora da verdade. Vitória quente, povo na rua fazendo festa. Era do PT, com todos os privilégios que tal fato confere, a maior bancada na Câmara. Os núcleos mais ativos da oposição viviam momento de completo desnorteio. Os dois quadros petistas mais empenhados na formulação da proposta de reforma política passaram a ocupar lugares chaves no governo e no parlamento. Um na Casa Civil, o todo-poderoso José Dirceu; outro na presidência da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha. A faca e o queijo na mão, na realidade, serviram de instrumentos para outras serventias. No desdobramento, todos sabem os resultados. O PT não é mais o mesmo. Seus quadros, agora, freqüentam as barras dos tribunais como quadrilheiros do mensalão.

 

O debate sobre a reforma política perdeu nitidez, mas o PT continua entre os responsáveis por suas mortes sucessivas. O presidente do partido, Ricardo Berzoini, desta vez até passou recibo. Ele disse que o partido teria duas prioridades: "a reforma política e a manutenção da base aliada". Como não foi possível conciliar as duas, valeu a verdadeira. Tudo indica que, mais uma vez, vai entrar em cena a teoria da equivalência das janelas. A reforma de verdade nunca sai, mas nunca acontecem duas eleições com as mesmas regras. Portanto, barbas de molho: está a caminho uma nova onda de casuísmos.

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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Comentários   

0 #4 Democracia participativaAndré 23-06-2009 17:52
A respeito do compromisso de alargar a participação da sociedade no âmbito da institucionalidade, é importante refletir se a o avanço da participação social verificado sob a assunção ao poder de um governo do PT não teria sido uma multiplicação dos espaços de interlocução, sem que houvesse política de governo para o fortalecimento do sistema descentralizado e participativo e a ampliação dos processos democráticos. Não teria a participação social ficado reduzida à estratégia de governabilidade e a um faz-de-conta, sem ser considerada um elemento essencial nas transformações sociais, políticas, culturais e econômicas. Tive acesso a uma publicação recente do IPEA ( muito pouco divulgada, infelizmente) que analisa o processo de paraticipação social nos conselhos nacionais e nas conferências nacionais realizadas no primeiro mandato do presidente Lula. O estudo, que divulga dados inéditos, da conta de que da quase 10 mil deliberações da sociedade nas conferências nacionais, muito pouco tornou-se, de fato, uma medida concreta. Não há um acompanhamento do que conseguiu entrar noescaninho apropriadao da administração pública federal, não há prestãção de contas do governo federal para a sociedade. O risco é a frustração e a descrença na participação social que vem sendo gerada na sociedade civil que decidiu dialogar com o Estado.
foi uma multiplicação dos espaços de interlocução, sem que houvesse política de governo para o fortalecimento do sistema descentralizado e participativo e a ampliação dos processos democráticos. Diz o trabalho "A participação ficou reduzida à estratégia de governabilidade e a um faz-de-conta, ela não é um elemento essencial nas transformações sociais, políticas, culturais e econômicas. não se ignora que existem, para o funcionamento adequado dos espaços de participação social, dificuldades de toda ordem – política, material, de assimetria de saberes, entre outras. Tampouco, não se desprezam os fatores de disputa política, como a reação e a atuação de grupos contrários à construção de um novo projeto de democracia, que inclui a maior participação da sociedade. Compreende-se, todavia, que a completude da transformação requer articulação de forças políticas que estão além desses espaços de participação social e dos grupos sociais que deles participam. Na linguagem gramsciana, a consolidação de um novo método de governar com participação social requer a criação de uma verdadeira vontade coletiva para ir além de interesses corporativos e considerar os interesses da maioria da população"

"Do processo de encaminhamento dos resultados das conferências nacionais, apreende-se, mesmo preliminarmente, que o que é feito dos resultados das conferências ainda não é de conhecimento amplo. Além disso, pode-se afirmar que os resultados das conferências nacionais não encontram vazão automática para dentro da esfera pública federal. Ou seja, o processamento das deliberações das conferências pelo governo federal ainda padece de um método institucional de gestão, pois o que se identificou é que cada conselho/ministério processa os encaminhamentos da forma que mais lhe aprouve. Sendo que há aqueles que sequer sabem como são (e se são) feitos os encaminhamentos para as deliberações das conferências que realizaram. Desta forma é importante chamar atenção para a necessidade de atribuir um caráter procedimental às conferências nacionais a fim de que sejam impostos procedimentos e processos que garantam que suas deliberações tenham força no âmbito das decisões do executivo e do legislativo e incidam no ciclo de elaboração, controle e gestão de políticas públicas.

acesso para o trabalho do IPEA
www.ipea.gov.br
http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1378.pdf
"
"Participação Social e as Conferências Nacionais de Políticas Públicas: Reflexões Sobre os Avanços e Desafios no Período de 2003 - 2006

Enid Rocha Andrade da Silva / Rio de Janeiro, 2008
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0 #3 guimarães s.v. 16-06-2009 23:51
caro Léo, continuando...as demais questões são também importantes mas em nada contribuem para melhora do sistema sem que se faça a "reforma estrutural radical" que proponho. já a apresentei a jornalistas, políticos, e que tais, até agora sem qualquer repercussão. talvez por ser originada de um anônimo. não dá para apresentá-la em um comentário como este, por ser extensa. indago: você se interessaria em tomar conhecimento da proposta? então indique o meio de contato pelo e-mail . tamos conversados.
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0 #2 guimarães s.v. 16-06-2009 23:48
caro Léo, não creio que o problema das eleições, majoritárias e ou proporcionais, possa ser reduzido às questões que a mídia grande, e não só a grande, veicula com certa periodicidade, na esteira da onda da "reforma política de plantão" seja no governo ou no congresso. reeleição, propaganda política pública ou privada, voto proporcional, distrital, em lista ou misto, e quejandos... penso em uma proposta de reforma radical, stritu sensu, da estrutura do sistema eleitoral, abrangente da duração dos mandatos, equidade na representação das UFs na Câmara e no Senado, restrição à "mamata" de reeleições consecutivas de todos os mandatos e outras que são essenciais a um sistema político eleitoral harmônico, equânime, simples e transparente.
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0 #1 reforma eleitoralHélio Q. Jost 13-06-2009 08:02
Um dos maiores golpes que está prestes a ser perpretado é a chamada LISTA FECHADA. Com ela haverá perpetuação dos atuais parlamentares através das candidaturas natas, a escolha "por cima", de candidatos ligados à cúpula dos Diretórios Estaduais. Será um golpe fatal na democracia representativa, tudo em nome do fortalecimento dos Partidos Políticos. A sociedade precisa se mobilizar contra isso.
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