Novo Congresso: ‘ou os setores populares se mobilizam ou viveremos graves retrocessos’
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- Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação
- 11/02/2015
“A eleição de Eduardo Cunha (PMDB/RJ) para a presidência da Câmara é a vitória da política como negócio, do clientelismo como método de conquistar mandatos, da cristalização dos interesses das grandes corporações sobre o sistema partidário nacional. Abre-se uma quadra em que ou os setores populares se mobilizam ou viveremos graves retrocessos”, analisou o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), que concorreu ao cargo, em entrevista ao Correio da Cidadania.
O parlamentar reforça os alertas a respeito do aumento da hegemonia da política de compadrio e da total ascendência do poder econômico sobre o político, inclusive com futuras tentativas de mudanças constitucionais. Ainda mais num Congresso que passa muito longe de representar a diversidade da população.
Além de explicar as motivações da “anti-candidatura” de seu partido, Chico também criticou outro recuo petista, anunciado na troca de liderança do partido na Câmara. “A substituição de Fontana, mais ideológico e progressista, pelo Guimarães, mais ‘pragmático’ e ‘flexível’, sinaliza esse caminho retrancado e conciliador com as elites dominantes”.
Em tal cenário, defende ser “urgente construir uma plataforma mínima de lutas, pela via da articulação, já embrionária, de uma Frente pelas Reformas Populares”. Quanto a um cenário de desestabilização política que poderia impulsionar um movimento de impeachment de Dilma, Chico pondera que “por incrível que pareça, chegamos a um ponto em que as investigações da Operação Lava Jato poderão... Salvar o governo Dilma! A teia de cumplicidades e corrupção deve se revelar tão ampla que o Congresso estará sem moral para caminhar nessa direção. O cenário lembra o da Operação Mãos Limpas, na Itália”, analisou.
A entrevista completa com Chico Alencar pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como você analisa a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados? Que consequências você imagina que possam se dar na política congressual?
Chico Alencar: A eleição de Eduardo Cunha (PMDB/RJ) para a presidência da Câmara é a vitória da política como negócio, do clientelismo como método de conquistar mandatos, da cristalização dos interesses das grandes corporações sobre o sistema partidário nacional. Vitória da força da pequena política, de ‘resultados’, que se viabilizou com a contribuição da total desagregação da base governista. Ela está mais dispersa do que nunca, em disputa aberta e sempre rebaixada por nacos do Orçamento, cargos no Executivo e na própria estrutura da Casa.
O cenário é de avanço das propostas dos ruralistas, como a PEC 215, que afeta direitos indígenas, quilombolas e ambientais, e do modelo político dominante, como a “PEC Vaccarezza”, a 352, que constitucionaliza o financiamento empresarial de campanhas e elimina partidos pequenos e médios. Ou seja, abre-se uma quadra em que ou os setores populares se mobilizam ou viveremos graves retrocessos. A montagem do poder interno no Congresso também visa criar uma ‘barreira de contenção’ às denúncias de corrupção, a fim de preservar mandatos.
Correio da Cidadania: O que você pode falar da sua candidatura para a Câmara, quais eram os objetivos do partido em se apresentar ao pleito, sabendo não ter chances?
Chico Alencar: Nossa ‘anti-candidatura’ foi colocada para pautar o que os demais blocos políticos não querem sequer discutir: a colonização da política pela economia, o caráter estrutural e sistêmico da corrupção no capitalismo de compadrio vigente no Brasil, a hegemonia de grandes corporações empresariais no Executivo e no Legislativo, a crise da representação, o fato de o Parlamento não abrigar a diversidade dos grupos e classes sociais e de as maiorias sociais não estarem devidamente representadas lá.
A distopia, que distancia o povo da política, favorece as práticas mais degeneradas. Isso não vai acabar bem. Nossa candidatura foi um alerta, mas quase ninguém quis ouvir. A própria ‘campanha’ dos candidatos à presidência da Câmara foi um escândalo, com cabos eleitorais pagos, jantares de cooptação e até promessas, segundo se disse, de pagamento de dívidas das eleições de 2014.
Correio da Cidadania: Como enxerga, diante daquilo que já se chama de “congresso mais conservador desde 1964”, o fato de pela primeira vez o PSOL ter bancada própria?
Chico Alencar: O PSOL é um pequeno partido com vocação de grandeza. No aniversário de 35 anos do PT, o Lula disse que “o verdadeiro problema do PT é que ele se tornou um partido igual aos outros”. O PSOL busca se construir pela base, sintonizado com os anseios populares, apoiando – e não ‘dirigindo’ – os movimentos sociais, ressignificando o ideário socialista, que não pode mais ficar prisioneiro de conceitos e práticas de um século atrás. Sendo, portanto, diferente dos partidos da ordem, eleitoreiros, cartoriais, de atuação meramente institucional.
Agora temos uma bancada e um funcionamento parlamentar mais regular. Precisamos não nos acomodar, não nos aburguesar! Vamos ‘moer no áspero’, ‘desafinar o coro dos contentes’ com o regressismo liberal-autoritário, cientes de que, ali, estamos em terreno adverso. E procuraremos aliados nos outros partidos, pois não nos contentamos em ser apenas os 8 que votaram na nossa proposta. Mas sem a pressão das ruas, nossa resistência será pífia.
Correio da Cidadania: O que achou da mudança de liderança petista, feita após a vitória de Cunha, no caso, a troca de Henrique Fontana por José Guimarães? O que esse movimento representa?
Chico Alencar: O PT governista está emparedado, refém de sua própria base de sustentação, predominantemente conservadora e altamente fisiológica. Desmobilizou as forças sociais de mudança, desde 2003. Ateve-se a programas assistenciais, importantes, mas que não geraram a ‘inclusão política’, cidadã.
Para sobreviver com alguma governabilidade, e tendo optado pelo ajuste fiscal e ortodoxo que acusava Aécio e o tucanato de querer implementar, Dilma precisará do PMDB, do PP, do PSD, do PR e que tais. Precisará da pequena política, que é majoritária em sua expressão, na ocupação dos espaços. Das bancadas das empreiteiras, das mineradoras, dos frigoríficos, dos bancos, da bala, da bola – que cobram alto preço!
A substituição de Fontana, mais ideológico e progressista, pelo Guimarães, mais ‘pragmático’ e ‘flexível’, sinaliza esse caminho retrancado e conciliador com as elites dominantes.
Correio da Cidadania: O que você vislumbra para o ano do país, com os anunciados ajustes do governo, crises estruturais inéditas, recessão ainda não dimensionada etc.?
Chico Alencar: O ano vai ser difícil, de muitas tensões. Crise do crescimento econômico, achatamento salarial, falta de recursos para políticas públicas fundamentais, como educação, saúde e moradia, descontentamento crescente, extremos climáticos, estresse com as carências de serviços, sobretudo nos grandes centros, que concentram quase 80% da população brasileira. E o fantasma da Lava Jato, do “petrolão”, pairando sobre muitas cabeças coroadas.
Alguns, os dos podres poderes, vão se entrincheirar nos palácios e acordos de bastidores para se salvarem. Nós devemos buscar as praças e a indignação popular para avançar. No Parlamento, a tarefa é resistir a todas as iniciativas de precarização de direitos dos de baixo, que sempre são os primeiros a pagar pela crise. E não ter qualquer contemplação corporativista com quem delinquiu, seja de que partido for.
Correio da Cidadania: Como deve caminhar a reação popular? Acredita que possam se repetir em 2015 as grandes mobilizações de 2013?
Chico Alencar: Acredito. Não necessariamente com as mesmas multidões, mas com mais nitidez, com pautas mais objetivas, menos diversas e dispersas. Mas será preciso sintonia fina para separar manobras golpistas, reacionárias, do clamor contra desmandos do governo, que, por sua origem e discurso, não tinha o direito de fazer o que fez com a Petrobras. Dizer, como os governistas repetem, que há também ‘trensalão’ ou que o propinoduto na nossa empresa de petróleo é antigo, desde FHC, não justifica nada: apenas iguala os antigos e os noviços serviçais do Capital e das grandes empreiteiras.
É urgente construir uma plataforma mínima de lutas, pela via da articulação, já embrionária, de uma Frente pelas Reformas Populares. É urgente construir uma pauta comum, democrática e republicana, com o nosso tom para as Reformas Política, Tributária e Urbana. Contra o financiamento privado, a taxação do salário, e não do capital, a proteção jurídica à especulação imobiliária, entre outros. Além, é claro, do enfrentamento da crise hídrica de maneira estrutural, com medidas não só de curto prazo.
Correio da Cidadania: Por conta de todos os escândalos em torno da Petrobrás e outras grandes empresas envolvidas nos projetos de governo, o que pensa das especulações em torno de uma possível campanha a culminar num impeachment de Dilma? São apenas especulações, chantagens, ou acha plausível uma degringolada deste porte no quarto mandato petista no Planalto?
Chico Alencar: Por incrível que pareça, chegamos a um ponto em que as investigações da Operação Lava Jato poderão... Salvar o governo Dilma! A teia de cumplicidades e corrupção deve se revelar tão ampla que o Congresso Nacional, que é quem pode votar um impeachment, estará majoritariamente sem moral para caminhar nessa direção. Além do PT, outros como PMDB, PP, PSB e PSDB, para citar partidos de grande influência, poderão estar acusados, com maior ou menor amplitude.
O cenário lembra o da Operação Mãos Limpas, na Itália, que acabou por comprometer os pilares do sistema político dominante. Assim, as raposas e caciques preferirão ir devagar, deixando que as urnas falem no seu calendário regular. Mas é triste ver esse ‘derretimento’ do PT como partido ético e ideológico. Ele se ‘peemedebiza’... No senso comum, a percepção que fica é que a ‘esquerda’ – com todas as aspas possíveis – é corrupta e incompetente.
O consolo é que tudo isso abre possibilidades para alternativas efetivamente mudancistas, transformadoras. A história e nossa prática imediata dirão se saberemos entrar nesta cena aberta, tal como o Syriza ou o Podemos – guardadas as diferentes realidades de Grécia, Espanha e Brasil, claro. Precisamos estar à altura desses imensos desafios que o esgotamento do projeto lulopetista abre e aos quais o regressismo demotucano não responde.
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Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.
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